quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Mostra SP – Parte 5




A Memória que Me Contam, (Idem, Brasil/Itália/França, 2012)
Dir: Lúcia Murat


Parece uma constante problemática no cinema brasileiro falar de temas políticos. Geralmente se cai em frases prontas, discursos forçados sobre questões que não são mais novidades. Esses são alguns defeitos que incomodam bastante no novo filme de Lúcia Murat. Ex-guerrilheiros militantes que combateram na Ditadura se reúnem agora, mais velhos, porque uma das companheiras já se encontra em estado terminal por conta de um câncer avançado.

É um prato cheio para que o filme (a diretora?), através das falas de seus personagens, possa disparar lições de moral e ensinamentos sobre a guerrilha, o sofrimento dos que foram torturados, a ideologia comunista, sobre como os militares eram cruéis. Tudo isso é muito nobre e importante, claro, mas há um maneirismo chato como se a obra quisesse educar o público, principalmente o mais jovem, sobre essas questões. Só não é um desastre maior porque equilibra seu discurso também apertando o calo dos próprios militantes, apontando erros e questões polêmicas entre eles (como a delação e atendados mal sucedidos).

Há ainda em A Memória que Me Contam um malabarismo narrativo que tenta tornar o filme mais dinâmico e interessante. A mulher à beira da morte surge em sua versão mais jovem (vivida por Simone Spoladore), interagindo principalmente com a personagem de Irene Ravache, uma cineasta que seria um alter-ego da própria Murat, reprisando seu papel em Que Bom Te Ver Viva, um dos primeiros trabalho da diretora. Seria um sopro de vitalidade, caso o filme não insistisse em usar esses momentos para proferir as mesmas frases de/(sem) efeito de antes, voltando ao mesmo problema.

É incrível como todos os atores parecem orientados a soarem forçados, falando de forma impostada. Esse tipo de encenação quebra uma certa naturalidade, torna o tema desinteressante e parece mais afastar o espectador de um filme com tanto potencial. Se as marcas deixadas pela Ditadura ainda são feridas com as quais o Brasil tem uma imensa dificuldade de lidar, esse tipo de cinema pouco ajuda também.


O Cordeiro (Behold the Lamb, Reino Unido, 2011)
Dir: John McIlduf


O Cordeiro tem aquele gosto de comédia indie de erros que no fundo tem muito de trágico pela história de seus personagens. Veja: Liz (Aoife Duffin) é uma garota aparentemente chata e irascível, mas revela posteriormente sua faceta de jovem mãe ferida; já Eddie (Nigel O'Neill), por trás de suas trapalhadas abobalhadas, se mostra o pai preocupado em livrar a cara do filho junkie, namorado de Liz. É por conta dele que pai e namorada viajam até o interior da Irlanda para resgatar um cordeiro-mula que leva no estômago sacos de drogas.

Se o filme tenta se equilibrar entre as duas marcas, o cômico aqui é bem mais eficiente, apesar de alguns cenas sempre mais exageradas de graça sem muita graça, com preferência por idiotizar demais seus personagens. Mas há momentos de boas risadas, e a química entre os dois atores principais é fundamental para o êxito do filme.

Como road movie barato (em termos de orçamento, diga-se), busca-se uma estética mais crua, embora a cópia exibida na Mostra estivesse péssima. Mas O Cordeiro tem seu equilíbrio enquanto dramédia, embora a parte final se entregue a dar conta dos dramas pessoais dos personagens, sem tentar solucioná-los. Acaba não conseguindo dar tanta substância a isso, ou então não quer sujar as mãos. Os bons momentos de risadas já valeram.


O Gebo e a Sombra (Idem, Portugal, 2012)
Dir: Manoel de Oliveira


Seria uma delícia o novo filme do velho cineasta mais jovem que conheço, isso se O Gebo e a Sombra não fosse tão duro e melancólico com seus personagens. Mas em termos estéticos é mesmo um pequeno deleite. Com muita simplicidade e sem arroubos de pirotecnia (ele não é dado a isso), Manoel de Oliveira monta um conto moral com uma encenação que deve muito ao texto e a seus atores, e que atores!
Michael Lonsdale é o Gebo do título, um velho contador que vive com a esposa (o mito Claudia Cardinale) e a nora (Leonor Silveira) à espera que o filho (Ricardo Trêpa) retorne à casa. Sabemos que ele é um ladrãozinho vagabundo, vida que a mãe preocupada nem pode sonhar em ter conhecimento. Nessa espera, o filme cria toda uma atmosfera de tristeza e pesar por esse jovem perdido, deixando a todos aprisionados, enquanto os rancores e desgostos vão surgindo.

Do que à primeira vista parece muito teatral na encenação do filme (no melhor dos sentidos já que é baseado numa peça de teatro do português Raúl Brandão), O Gebo e a Sombra ganha muito em cinematografia por conta da mão certeira de Oliveira em compor o quadro, alongar o plano, dispor os atores, ajudado por um trabalho de luz belíssimo. É como se narrativa fosse a mais simples e discreta possível para fazer prevalecer o texto.

É quando entra em cena o talento de seus atores, juntando-se ao time a impagável bisbilhoteira vivida com graça por Jeanne Moreau e o amigo da família de Luís Miguel Cintra. Ao redor da mesa, sob o teto aconchegante da humilde casa, desenrola praticamente toda a história que aos poucos vai desenhando seu tom trágico até o impacto da exata cena final (algo parecido com o que ele já havia feito no desfecho do ótimo Um Filme Falado). Manoel de Oliveira, aos 104 anos, continua em boa forma.


Super Nada (Idem, Brasil, 2012)
Dir: Rubens Rewald 


Como um palhaço triste que faz alegrar as pessoas, Gustavo (Marat Descartes) vive de performances teatrais e de rua, ganhando dinheiro em encenações fajutas, ensaiando apresentações, à espera de uma grande oportunidade. E ela vem, mas como convite para uma participação no programa cômico de TV Super Nada, de que Gustavo é fã, um desses bem decadentes e de comédia ridícula. Não há muitas pretensões na vida desse homem. Antes de sucesso, ele quer sobreviver de sua arte.

Daí que Super Nada é um filme tristíssimo na forma como equilibra o cômico e o dia-a-dia pouco engraçado do protagonista, afogado em dívidas e problemas no relacionamento com a namorada (Clarissa Kiste). Através da comédia, revela a vida sem grandes perspectivas de um artista querendo ser maior. É também um filme que evidencia o corpo enquanto linguagem, mas também como sustento. É como uma versão masculina do ótimo Riscado.

Mas o filme não se limita a acompanhar essa rotina de sobrevivência e ganha em complexidade à medida em que o personagem entra num turbilhão de erros e desvios de caminho, sempre tentando fazer o melhor, mas trocando os pés pelas mãos. Mesmo assim, Rubens Rewald não cai na tragédia pura; pelo contrário, faz um filme hilário, enquanto Descartes revela uma desenvoltura corporal incrível. Jair Rodrigues, como o protagonista do programa Super Nada, é uma presença luminosa, dono das melhores tiradas do filme.

Entre o real e o fingimento, Super Nada é um brinde à comédia, à performance do corpo, mas também filma com desenvoltura um personagem na corda bamba, fazendo os outros rirem enquanto ele mesmo tenta se sustentar para não cair.

2 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Nada de interessante. A Lúcia Murat nunca me convenceu. Ela só temboas intenções. Nada mais.

O Falcão Maltês

Rafael Carvalho disse...

Antonio, eu só fui ver esse filme da Murat porque teve sessão cancelada e esse era o único que encaixava. Me arrependi, de fato ela tem boas ideias, mas a execução dos filmes é sempre muito fraca.