domingo, 27 de dezembro de 2015

Tramar e sucumbir

Macbeth: Ambição e Guerra (Macbeth, Reino Unido/França/EUA, 2015)
Dir: Justin Kurzel


Poucos temas parecerão sempre tão atuais nos mais diversos contextos sócio-políticos, nos mais variados tempos  históricos, do que a fome pelo poder, a ambição de conquistar e ser senhor sobre algo ou alguém, de preferência sobre muita gente. Essa é uma das razões por que Macbeth, peça escrita por William Shakespeare nos primeiros anos de 1600, seja tão bem-sucedida dentre todos os seus escritos – para além da capacidade artística e literária do genial dramaturgo inglês.

Adaptado mais uma vez para o cinema (há pouco tempo foi lançado nas telas a versão brasileira da peça em A Floresta que se Move, fragilíssimo na sua atualização do texto inglês), agora pelas mãos do australiano Justin Kurzel, esse Macbeth busca manter o texto rígido e empostado da peça original, respeitando sua fala e os detalhes da trama. Não cabe aqui uma boba tentativa de atualizar a trama clássica, mas sim de reforçá-la em toda sua contundência como obra de vigor.

O filme se concentrar nas agruras psicológicas que atormentam o general Macbeth (Michael Fassbender), líder do exército escocês, braço direito do atual monarca. Ele recebe a estranha profecia de que será coroado rei da Escócia e não consegue se livrar daqueles pensamentos. Passa a ser manipulado também por sua esposa, Lady Macbeth (Marion Cotillard), esperançosa de se tornar rainha, e maquinalmente começa a construir um plano doentio para abocanhar o poder real, enquanto são devorados por seus próprios fantasmas.

É mesmo uma espécie de tour de força que os atores promovem, mas sem nunca parecer um confronto de atuações, sem exageros, até porque grande parte de suas angústias e ímpetos são internalizados. Eles, e principalmente Fassbender, brigam contra sua própria consciência ao se moverem em direção à traição e à loucura. Apesar dos objetivos serem glorificantes e predizerem um futuro altivo, o traço da tragédia e o peso da culpa pairam sobre os personagens desde o início. Estão nas batalhas sangrentas que caracterizam as lutas entre os reinos da antiga região da Escócia, como estão também na maneira como os personagens falam, tramam a tomada de poder e refletem sua posição no jogo dos tronos.

O filme trabalha com certa estilização das imagens, abusando no início da câmera lenta e de uma fotografia forte, onipresente, de encher os olhos. Dá a impressão de que veremos uma produção mais exibida, porém logo a história e os tormentos do general tomam maior forma e o filme se concentra no contorcionismo psicológico que a tomada de poder exige.
Esse visual sombrio e majestoso acaba se tornando grande aliado para narrar essa história que cresce em densidade, sem abdicar do ritmo cadenciado que parece fazer jus a cada frase elaborada dos diálogos. E mesmo certo ar de artificialidade de todo o trabalho visual do filme reforça o conto moral que Kurzel conduz com segurança. É quando o sucumbir de um homem torna-se também bonito de se assistir.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Pegando carona

As Sufragistas (Suffragette, Reino Unido, 2015) 
Dir: Sarah Gavron


As Sufragistas é o tipo de filme que se aproveita muito bem do momento de produção atual como forma de promoção. Com as discussões atuais sobre o feminismo e o direto das mulheres numa sociedade ainda bastante controlada por preceitos masculinos, faz muito sentido voltar ao tempo em que as mulheres lutavam para conquistar o direito do voto político.

Estamos na Inglaterra do início do século passado, quando operárias e mulheres esclarecidas de diversos setores organizavam-se em torno da conquista desse direito. Porém As Sufragistas não consegue ir muito além do que se apresentar como filme militante, aquele mais simplista ao contrapor lados opostos (homens vs. mulheres) de uma sociedade antiquada.

Embora seja valoroso mostrar essa luta, a fragilidade do filme está em nunca dimensioná-la a contento. Não há preocupação alguma em tentar entender e analisar o momento político em que se vivia, os valores, em relação às mulheres, que a sociedade carregava até ali, o que dificultava essa luta e por quais motivos. A comparação parece ser com o mundo de hoje, como forma de denunciar tal situação de impossibildade do voto feminino. E isso torna o filme um perigoso retrato de uma luta sem contexto, o que é impensável – é tudo que um filme politizado e muito consciente do seu papel como militância como Selma – A Luta pela Igualdade consegue ser.

Talvez esse equívoco de perspectiva se deva ao fato do filme colocar o espectador na mesma posição que sua protagonista, a ingênua operária Maud (Carey Mulligan). Ela começa o filme fazendo cara de coitada, mal entendendo aquela movimentação de algumas mulheres na causa militante. Aos poucos e acidentalmente, vai sendo introduzida naquele universo de protestos e confronto com as forças policiais e começa a se doar pela causa feminista. Há, sem dúvidas, um caráter de dignidade nisso tudo, mas isso só garante que o filme marque posição panfletária sobre o tema que escolhe abordar, abdicando inclusive de autocrítica. E o espectador não é mais tão ingênuo assim.

Nas cenas de maior tensão e conflito, a diretora Sarah Gavron ainda investe numa câmera na mão que tremula incessantemente, muito perto de seus persoagens, o que causa um péssimo efeito de deslocamento e angústia. Não sabemos exatamente o que acontece em cena, somente que há uma confusão ali, o que torna tudo muito cansativo e perde-se um possível efeito de senso de perigo.

Pode ser uma escolha errada ou falta de talento mesmo, o que transforma As Sufragistas em um grande desperdício de tempo sobre uma causa tão importante. A construção de época caprichada e boas atuações – Meryl Streep como coadjuvante de luxo dá um reforço aqui – são contrabalanceadas por frases de efeito e redundância narrativa. É o típico filme que tem muita vontade de dizer coisas, mas se perde muito ao fazê-las.