sexta-feira, 30 de julho de 2010

Almas espirituosas

Soul Kitchen (Idem, Alemanha, 2009)
Dir: Fatih Akin


A melhor coisa em Soul Kitchen é seu humor escancarado que não precisa cair no riso forçado que acomete grande parte das comédias contemporâneas (e nesse sentido é impossível negar a culpa de Hollywood nesse processo). O filme do turco-alemão Fatih Akin é também uma grata surpresa vindo de um cineasta tão afeito a dramas multiculturais, como a superestimado Contra a Parede (Leão de Ouro em Berlim) e o ótimo e pouco visto Do Outro Lado.

Na verdade, essa vertente social está presente aqui também, mas sem nunca se tornar uma bandeira no filme, correndo o risco de engessá-lo. Muito pelo contrário, mais importa ao cineasta narrar a via crucis de seu protagonista, o atrapalhado Zinos (Adam Bousdoukos), de descendência grega, que, morando na Alemanha, é dono de um restaurante mixuruca. O bom-humor, aqui, é o que prevalece.

Zinos vê sua vida desmoronando depois que sua namora abastada e mimada resolve ir morar na China, ao mesmo tempo em que precisa fazer lucrar seu negócio, pois disso depende sua sobrevivência. Problemas com a vigilância sanitária, uma hérnia que ataca em momento inoportuno e um amigo que acabou de sair da cadeia são só mais alguns pepinos que ele acumula ao longo da narrativa.

Um dos grandes trunfos do filme está no fato de Akin nunca julgar seus personagens, abraçando de coração a estupidez de Zinos, por exemplo, diante da namorada por quem continua apaixonado, fazendo planos de ir ao país asiático apesar de estar financeiramente quebrado. Ao mesmo tempo, é através da ingenuidade do personagem que o filme retira sua graça, tendo o ator Adam Bousdoukos um ótimo timing para a comédia.

Como se não bastasse há ainda uma gama de outras figuras hilárias, como o velhinho ranzinza que aluga um quartinho no restaurante (que nunca paga), ou o chefe de cozinha arrogante que tenta (e consegue) transformar aquele ambiente soturno em um lugar de alta culinária (mesmo que voltada para jovens), ou o amigo conterrâneo com inclinações para a bandidagem, mas que possui um bom coração.

Mesmo assim, o filme não está isento de alguns momentos forçados, principalmente na sua parte final, apostando demais em coincidências e reviravoltas para não entravar sua narrativa. Mas Akin trata tudo isso com um frescor incrível e um senso do melhor humor, aquele que nos faz rir não só porque é engraçado, mas porque é resultado de um filme totalmente espirituoso.

domingo, 25 de julho de 2010

Círculo vicioso

Vidas que se Cruzam (The Burning Plain, EUA/Argentina, 2008)
Dir: Guillermo Arriaga



Vidas que se Cruzam é o nome mais genérico para definir os trabalhos de Guillermo Arriaga, desde os filmes que ele roteirizou, contando com a parceria (hoje abalada) de Alejandro González Iñárritu, até essa sua estreia por trás das câmeras. Seu estilo de escrita é o maior obstáculo pois emperra não só no problema da repetição, mas também na crença de que isso basta para criar um bom filme.

Se em Amores Brutos, uma obra-prima, o que menos importava era como as histórias se entrelaçavam e em 21 Gramas a dupla tenha proposto uma interessantíssima narrativa esfacelada, as coisas começam a ficar cansativas a partir de Babel, em que a riqueza dos personagens não parecia encontrar espaço no filme, e piora com o péssimo O Búfalo da Noite (dirigido por Jorge Hernandez Aldana), um filme totalmente desimportante.

O maior erro de Vidas que se Cruzam é insistir num mesmo recurso narrativo, adotando o mesmo ar de drama carregado, quando seus personagens pouco fazem para criar identificação com o espectador. A história vai e volta no tempo enquanto tentamos montar um quebra-cabeça narrativo que parece ser mais importante do que o próprio desenvolvimento dos personagens e seus conflitos.

Aquele tom humanista para a vida das pessoas e seus dramas particulares parece ser um detalhe, quando deveria ser o grande foco do filme, pois trata de relações complexas, seja entre pais e filhos, seja em relacionamentos amorosos.

Nem mesmo as belas interpretações de Kim Basinger e José María Yazpik, que travam um caso extraconjugal, tentando escondê-lo da família, quanto o desequilíbrio emocional representado por uma inspirada Charlize Theron, conseguem dar muita substância ao filme. A história começa com a morte desse casal de amantes num trailer depois de uma explosão aparentemente acidental, e avança em meio as causas e consequências dessa relação.

A frieza com que a história vai avançando parece se fortalecer com essa própria estrutura, impressão forte de dejà vu que torna tudo mais cansativo e pouco original. O que nos faz crer que uma mudança de ares faria muito bem a Guillermo Arriaga e seu cinema auto-importante.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Pura adrenalina

À Prova de Morte (Death Proof, EUA, 2007)
Dir: Quentin Tarantino




A história é bem conhecida. Os amigos Quentin Tarantino e Robert Rodriguez resolveram fazer um filme em homenagem às grindhouses, cinemas norte-americanos que exibiam sessões duplas de películas trash. Os filmes deviam ter o mesmo espírito e tom exploitations dos que eram exibidos nesses lugares. Cada qual ia fazer um média-metragem para compor o projeto.

Mas aí eles filmaram demais e o filme ficou enorme. Foi lançado nos EUA com fracasso (o segmento do Tarantino fazia sempre muito mais sucesso, inclusive sendo selecionado para a mostra principal em Cannes). Daí o estúdio resolveu lançar os dois filmes em separado. Acontece que Planeta Terror, o ótimo filme do Rodriguez, foi lançado logo no Brasil enquanto que À Prova de Morte chega a nossos cinemas agora, passados três anos de lançamento do projeto.

E é bem difícil entender isso porque Tarantino é um nome de respeito, o filme tem um bom apelo comercial e, melhor de tudo, trata-se de um grande filme, adrenalina pura. É tmbém um dos trabalhos menos pretensiosos do cineasta, quase que feito pelo simples prazer de fazê-lo, repleto daqueles diálogos nonsense, personagens interessantíssimos e cenas maravilhosas, embora ele pareça aqui menos formalista na construção das cenas.

A narrativa se divide em duas partes, ambas recheadas de mulheres falando animadamente sobre relacionamentos, sexo, drogas, curtição, no melhor estilo feel good. É onde a moral é não ter moral nenhuma. Ao mesmo tempo não consigo entender porque tanta gente acusa o filme de misógino, pois as personagens femininas do filme, em sua liberdade jovial, cheias de saúde, são quase como que reverenciadas pelo diretor, na forma como elas dominam exuberantemente o filme. É só lembrar da dancinha erótica que uma delas realiza em determinado momento. É de ficar enebriado com aquilo.
Mas eis que entra na balança o senso de adrenalina do diretor, talvez mais aguçado do que nunca, personificado na figura do Dublê Mike, personagem de Kurt Russel, o vilão que vem para assustar a todas. O pesonagem está presente nas duas metades do filme, seu elo de ligação, evoluindo muito bem em sua torpeza. Seu carro, à prova de morte, é o mais assutador no filme. O final das duas metades são estonteantes.

Resta ainda todo o aspecto visual retrô deliciosíssimo, que encontra no trabalho de fotografia a estilização perfeita do “filme b”, com a tela cheia de arranhões, deliciosamente cheirando a antigo (na primeira parte). Soma-se a isso a já esperada trilha sonora super cool e a série de referências que ele adora enchertar aqui e ali. Talvez seja esse o Tarantino mais puro, o mais saudosista, o mais despreocupado, o mais de coração.

domingo, 11 de julho de 2010

O outro lado do espelho

O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus (The Imaginarium of Dr. Parnassus, Reino Unido/França/Canadá, 2009)
Dir: Terry Gilliam



O cinema de Terry Gilliam possui uma incursão muito oportuna ao fantástico pelo simples fato de que o cineasta parece acreditar no poder da fantasia. Uma pena que seus trabalhos pequem pelo cansaço e exagero, com histórias sempre engessadas a uma necessidade de ser over, excessivo. Um de seus filmes mais festejados, Brasil – O Filme, é justamente o que apresenta essas características em grau mais elevado e que, a despeito de compor um estilo bastante peculiar, nunca conseguiu me convencer de fato, assim como os outros projetos do cineasta.

Terry Gilliam sempre me dá essa impressão de estar se divertindo à beça com seus filmes, construindo mundos paralelos, personagens tresloucados, utilizando um monte de parafernália em seus cenários, mas se importando de menos com seus personagens, daí um desenvolvimento narrativo comprometido. Esse é bem o caso desse O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus, que ainda ganhou nos efeitos especiais computadorizados mais chances para que Gilliam solte sua imaginação.

Paralelo a isso, a morte precoce de Heath Ledger parece ter prejudicado o filme não só na necessidade de se encontrar uma forma de substituí-lo (que teve na utilização de três outros (bons) atores um recurso vazio e sem propósito), mas também na atenção que passou a ter, embora seja um coadjuvante na história.

Nosso verdadeiro protagonista é o Parnassus do título, vivido por um disposto Christopher Plummer, que mantém uma trupe circense de rua apresentando um espetáculo que ninguém dá atenção. Detalhe para o fato de o protagonista ter mais de mil anos por conta de um acordo feito com o diabo, que vez por outra aparece para mais uma aposta. Mas eis que surge no caminho um homem misterioso (Ledger), desmemoriado, que vai dar um charme a mais à apresentação.

É quando entra no filme outra característica que emperra o cinema de Gilliam: a vontade de fazer crítica social, de expor e denunciar mazelas, no caso desse filme, o tráfico de crianças órfãs. Forçado seria quase o termo adequado para identificar a aparição desse subtexto “sério” em meio ao tom lúdico, mas quase não chega a isso porque em determinado momento se apresenta como um mero detalhe de roteiro.

Contando com uma série de personagens interessantíssimos, o filme parece não saber o que fazer com cada um, apesar do bom time de atores. Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell, os substitutos de Ledger, não acrescentam muita coisa à narrativa, que tem seus pontos positivos na direção de arte e nos figurinos. Pelo visto, apuro visual é mais valorizado do que a própria história nesse mundo caótico de Terry Gilliam.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Curtinhas

De Profundis (Idem, Espanha/Portugal, 2007)
Dir: Miguelanxo Prado


Miguelanxo Prado, famoso criador de HQ’s galego, resolveu se enveredar nos rumos da animação cinematográfica nesse seu primeiro longa De Profundis. A despeito de seu belo traço, é uma pena que a experiência do filme seja bastante vazia, se escorando em muito na beleza visual da narrativa, sem diálogos, acompanhada de uma bela trilha sonora instrumental. A história conta a fábula do pintor que parte em viagem num navio que acaba naufragando. Assim, oniricamente, o personagem adentra o fundo do mar e é levado a conhecer as mais belas e bizarras criaturas das profundezas. Apesar do tom poético, a narrativa do filme é por demais arrastada e, em vários momentos, não quer dizer muita coisa. Um tiro n’água.


Como Treinar Seu Dragão (How to Train Your Dragon, EUA, 2009)
Dir: Dean DeBlois e Chris Sanders


Simpaticíssimo o nome filme da Dreamworks. Na verdade, faz um tempo que o estúdio nos devia uma produção tão boa, a despeito do que a Pixar vem nos oferecendo em termos de técnica e roteiro. Como Treinar Seu Dragão é praticamente uma resposta a esse cinema que há muito tempo tem conquistado grande parte do público, das mais variadas idades. A história de Soluço, um aprendiz de viking que precisa se preparar para ser um exímio matador de dragões, mas acaba fazendo amizade com um desses seres, pode parecer até bobinha demais e nada surpreendente, mas é a técnica cada vez mais competente na recriação da “realidade”, aliada a um texto bem desenvolvido e arranjado, seus maiores trunfos. E apesar de se configurar como um longa sobre ser diferente e também sobre a amizade, com aquela pegada cativante e família, o filme é, acima de tudo, uma deliciosa aventura.


A Casa dos Espíritos (The House of the Spirits, EUA, Alemanha/ Dinamarca/Portugal, 1993)
Dir: Bille August


Eu entendo o sentido das adaptações literárias para o cinema e não cobro verossimilhança na transposição uma vez que se trata de linguagens distintas e peculiares em seus artifícios. Mas mesmo assim há casos em que uma adaptação não deixa de parecer menor ante seu material original pelo simples fato de não haver consistência na narrativa. É o caso desse A Casa dos Espíritos, baseado em livro homônimo da chilena Isabel Allende, história de uma família que ultrapassa gerações, conflitos, fantasias e amores. Não que a história seja mal contada, mas são tantos acontecimentos relatados, tantos personagens importantes, que o roteiro nunca consegue ser consistente em nenhum momento. Dá a impressão de adaptação mecânica e sem emoção, roteirizada pelo próprio diretor. A coisa se torna ainda mais vergonhosa porque Bille August possui duas Palmas de Ouro no currículo!


Glória (Idem, EUA, 1980)
Dir: John Cassavetes


Provavelmente esse é o filme mais comercial de John Cassavetes, cineasta norte-americano considerado pai do cinema independente nos EUA, mais afeito a dramas densos, de complexidade e construção de personagens. Aqui, ele se aventura no drama policial quando os pais de um garotinho é assassinado pelo chefe de uma quadrilha de mafiosos. Glória (Gena Rowlands), ex-mulher do líder do bando, agora afastada da bandidagem, precisa tomar conta do garoto, agora perseguido por ter em mãos um livro de registros bastante incriminador. Por mais que se trate de um filme de gênero, o diretor não cai na armadilha de encher o filme de cenas de ação. Quando isso acontece, as imagens veem com força e intensidade; o forte ainda segue sendo os personagens, e a relação dúbia de Glória com a máfia é uma das melhores coisas do filme. Gena Rowlands encarna a mulher durona com uma segurança invejável.

PS: A semelhança da sinopse desse filme com o longa nacional Verônica é enorme. Mas o Cassavetes é bem melhor.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Filmes de junho


1. Fellini, A História de um Mito (Paquito Del Bosco, Itália, 2000) **

2. Quanto Mais Quente Melhor (Billy Wilder, EUA, 1959) ****½

3. O Corvo (Henri-Georges Clouzot, França, 1943) ***½

4. Mal dos Trópicos (Apichatpong Weerasethakul, Tailândia/ França/Itália/Alemanha, 2004) ****

5. A Hora do Pesadelo (Wes Craven, EUA, 1984) ***

6. Zelig (Woody Allen, EUA, 1983) ****½

7. A Bela da Tarde (Luis Buñuel, França/Itália, 1967) ***½

8. O Anjo Exterminador (Luis Buñuel, México, 1962) ****

9. Robin Hood (Ridley Scott, EUA/Reino Unido, 2010) *½

10. A Hora do Pesadelo (Samuel Bayer, EUA, 2010) *

11. Sem Destino (Dennis Hopper, EUA, 1969) ****

12. Disque M para Matar (Alfred Hitchcock, EUA, 1954) ****½

13. Akira (Katsuhiro Otomo, Japão, 1988) ****

14. A Estrada (John Hillcoat, EUA, 2009) ****

15. Os Duelistas (Ridley Scott, Reino Unido, 1977) ****½

16. Simplesmente Alice (Woody Allen, EUA, 1990) ***½

17. Sempre Bela (Manoel de Oliveira, França/Portugal, 2006) ****

18. O Homem Errado (Alfred Hitchcock, EUA, 1956) ***½

19. Thelma e Louise (Ridley Scott, EUA, 1991) ****

20. A Ilusão Viaja de Trem (Luis Buñuel, México, 1954) **½

21. A Idade do Ouro (Luis Buñuel, França, 1930) ****

22. Tudo Pode Dar Certo (Woody Allen, EUA/França, 2009) ***½

23. Brazil – O Filme (Terry Gilliam, Inglaterra, 1985) **

24. Os 12 Macacos (Terry Gilliam, EUA, 1995) ***


Revisões:

25. Todos Dizem Eu Te Amo (Woody Allen, EUA, 1996)