quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Últimos curtinhas do ano

Bem, eu tinha muitos mais filmes a comentar antes de terminar o ano, mas com o tempo curto e de folga por uns poucos dias, deixo aqui algumas impressões de alguns filmes recentes (outros nem tanto). Como é o último post do ano, felicito a todos, agradeço pelas visitas ao humilde blog e desejo as melhores coisas para 2010. Até lá!


Star Trek (Idem, EUA, 2009)
Dir: J. J. Abrams


Não é de se esperar que com meus 22 anos nas costas, eu tenha acompanhado uma das séries de ficção científica mais populares na TV, criada há algumas décadas. Mas é com enorme gosto que saúdo a iniciativa de J. J. Abrams em retornar ao material original e transformá-lo num ótimo filme. Melhor ainda é quando esse filme possui um frescor imenso em contar sua história da forma mais plausível possível, sem atropelos e com devido respeito não só aos personagens mas também ao público (seja os fãs ou não). Por mais que os efeitos especiais sejam de primeira grandeza aqui, usados em abundância, a narrativa é o mais importante de tudo. Assim, é possível encontrar os inicialmente pouco amigáveis Kirk (Chris Pine) e Spock (Zachary Quinto) em sua primeira missão juntos à frente da Enterprise. A sensação é das melhores.


Avatar (Idem, EUA, 2009)
Dir: James Cameron


É incrível como uma campanha de marketing pode fazer tanto por um filme. Tendo a palavra “inovador” sendo aplicada ao mais novo projeto do “visionário” James Cameron constantemente, Avatar é isso: um filme que demorou mais de dez anos para ser finalizado, pois precisava contar com um patamar de tecnologia avançadíssima. E, de fato, impressiona bastante todo o aparato técnico da obra a partir da construção de todo um universo mítico (lição aprendida com Tolkien, criou-se uma nova civilização, com costumes, idioma e universo próprios), alcançando, assim, resultados excepcionais de competência técnica. Por outro lado, chega a ser um paradoxo que a narrativa se apresente tão batida e simplória. Nada contra as histórias de amor, o clamor pela preservação da natureza, a necessidade de respeitar o próximo e o diferente, mas tudo isso já foi reprocessado antes. Num formato bastante promissor, a experiência de Avatar é das mais deliciosas, mas o barulho tem sido grande demais.


É Proibido Fumar (Idem, Brasil, 2009)
Dir: Anna Muylaert


Uma das grandes delícias a que assisti recentemente. Filme que arrebanhou a grande maioria dos prêmios no último Festival de Brasília, o trabalho de Anna Muylaert é, de início, uma crônica de costumes sobre um casal de vizinhos, em meia idade, que iniciam um relacionamento. O fato de Baby (Glória Pires, ótima) fumar muito, incomoda um tanto seu parceiro Max (Paulo Miklos, melhor ainda). Mas se engana quem pensa que a história gira em torna das tentativas de Baby em largar o cigarro. O filme envereda por caminhos surpreendentes, e, a determinado ponto, parece totalmente perdido; mas eis que o final faz convergir todas as situações e tudo se torna muito claro. Muylaert fez um filme sobre a necessidade de cumplicidade, da precisão que temos uns dos outros, por mais que a vida não nos deixe mais os melhores caminhos a seguir e mesmo que nossas atitudes possam não ser as mais corretas. A diretora nunca julga seus personagens e faz com que suas vidas sigam, com todos os percalços, mas juntos.


Atividade Paranormal (Paranormal Activity, EUA, 2009)
Dir: Oren Peli


Tá bom, o filme tem lá seus bons sustos. A idéia de se passar todo através da câmera que um casal põe em casa para identificar os efeitos paranormais que andam acontecendo, já não é tão original atualmente (alô A Bruxa de Blair, Cloverfield, [Rec]!). Então, podia-se esperar uma história no mínimo intrigante, o que nunca acontece. A narrativa se limita a repetir a mesma fórmula: os dois vão dormir despreocupados, alguma coisa acontece à noite (uma porta se bate, algo que range ou uma voz que se ouve), eles acordam assustados, fazem cara de espanto, e no outro dia tudo acontece de novo. É irritante ver dois personagens abobalhados vítimas de um roteiro golpista e fajuto, apesar de que os atores Katie Featherston e Micah Sloat funcionam muito bem juntos. O que não funciona é o resto todo. Nem a ótima cena final ajuda a melhorar o que já foi destruído.


Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos, Espanha, 2009)
Dir: Pedro Almodóvar


Os dois primeiros terços de Abraços Partidos são geniais. Almodóvar, como sempre, constrói uma narrativa intricada, repleta de mistérios, encontros e desencontros, salpicada do melhor melodrama que o cinema latino é capaz de nos dar. Mesmo que a história caia um pouco na sua parte final, nada retira a beleza de seus personagens, sempre mais interessantes e ricos do que possa parecer à primeira vista. Ao mesmo tempo que o filme pode ser visto como mais uma bela e trágica história de amor, tem-se a impressão de que é também uma forma de Almodóvar falar do próprio cinema, enquanto construção, através da história do cineasta cego Harry Cane (Lluís Homar), outrora chamado Mateo Blanco, que revê seu encontro com a bela Lena (Penélope Cruz, lindíssima), por quem se torna amante, e o confronto com o marido da moça, o ricaço Ernesto Martel (José Luiz Gómez), sob a proteção de sua fiel agente Judit (Blanca Portillo, excelente em cena). É uma maneira também do cineasta espanhol revisitar seu próprio cinema, com um punhado de referência, além de citar alguns clássicos da sétima arte, como uma reverência. Na verdade, ele que merece todos os cumprimentos.


Ervas Daninhas (Les Herbes Folles, Fança/Itália, 2009)
Dir: Alain Resnais


Ervas Daninhas parece se desregular nos seus minutos finais quase como uma tentativa vaga de seu autor em soar imprevisível e esquisito. Mas a beleza do que se viu antes é tão desconcertantemente deliciosa, que já vale o filme. O solitário Georges Palet (André Dussollier, em ótima performance) encontra na rua a carteira de uma mulher (Sabine Azéma, musa – e esposa – de Resnais) com a qual tenta se encontrar, mas parece fadado a nunca conseguir. Portanto, seria um filme de desencontro por meio do qual o diretor vai revelando as diversas facetas de seu protagonista, sempre aos poucos. Resnais filma a melancolia com leveza e frescor invejáveis para alguém de quase 90 anos. O texto é maravilhoso e a fotografia carrega um tom embaçado, quase que onírico. Pena que se perca no final querendo ser “descolado”. Mas é bem possível lhe perdoar.


Polícia, Adjetivo (Politist, Adjectiv, Romênia, 2009)
Dir: Corneliu Porumboiu


Definitivamente, este não é um filme fácil. O cinema romeno prova mais uma vez sua vocação para provocar, sempre tendo a história (dessa vez recente) de seu país como material para desenvolver seus personagens. Aqui, temos o policial Cristi (Dragos Bucur) que investiga a relação de um adolescente com drogas (haxixe, no caso). Descobre que ele não trafica, somente consome e oferece a alguns de seus amigos. O chefe de Cristi quer que o jovem seja preso, mas ele acredita que a lei deva mudar logo (o país se prepara para entrar na União Europeia). Porumboiu faz um filme extremamente contemplativo, exigindo certa cumplicidade e paciência do espectador, à medida que revela não só a morosidade do sistema policial da Romênia, como a apatia da vida de seu protagonista. O filme se apega muito a imagens e possui poucos diálogos, mas quando esses aparecem, são cortantes. A duas cenas finais são ótimas provas disso.


Se Beber, Não Case (The Hangover, EUA/Alemanha, 2009)
Dir: Todd Phillips


Esse é o exemplo de filme (mais uma deles) que desperdiça completamente as boas ideias que tem no início, como a promessa de uma comédia, no mínimo, diferente das tantas outras que se veem por aí. Um grupo de amigos vai passar uma noite em Las Vegas para comemorar a despedida de solteiro de um deles. Mas no dia seguinte à noitada, eles simplesmente não se lembram de nada e uma série de desentendimentos começam a surgir (como um tigre no banheiro, um bebê no armário), além de que o noivo desapareceu. A curiosidade inicial para saber o que de fato aconteceu com eles vai se perdendo não pelas resoluções encontradas para explicar cada desentendimento, mas pelo senso de idiotice que faz parte das atitudes de cada um, para não falar nas furadas de roteiro. Aí, a brincadeira fica estúpida demais.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Curtos

Distrito 9 (District 9, EUA/Nova Zelândia, 2009)
Dir: Neil Blomkamp


Distrito 9 é um filme estranhíssimo, no melhor dos sentidos, porque os clichês do cinema de ficção científica e de aliens são postos de cabeça para baixo, aliado a boas doses de crítica social. Joanesburgo, capital da África do Sul, se torna o destino de uma nave alienígena que fica presa na cidade. Os tripulantes, seres de aparência e hábitos grotescos, estão enfraquecidos no nosso Planeta e não demora para que o governo os enclausure numa favela. Com certeza, nunca se viu nada assim dentro do gênero. O tom inicial de documentário tanto consegue explicar toda a situação como também fazer um retrato de Wikus (Sharlto Copley), funcionário da MNU (empresa responsável por controlar os aliens), uma vez que ele se tornará o centro da narrativa por desenvolver, em contato com os seres, um vírus que o transforma em um deles. A partir disso, a busca pela sobrevivência passa a ser a luta de Wikus. Interessante é perceber como ele entenderá que isso não se aplica somente aos seres humanos.


Stella (Idem, França, 2008)
Dir: Sylvie Verheyde


Stella é mais um filme que enxerga o mundo através do olhar de uma criança. Mas a despeito da inocência que esse olhar pode trazer, a garota Stella (Léora Barbara, ótima) é jogada num mundo hostil e precisa desde então lidar com os percalços de sua vida, seja na nova escola burguesa, seja no ambiente hostil de casa. Os pais, donos de bar e pensão freqüentados por delinquentes da Assistência Social, não conseguem oferecer à filha um ambiente doméstico dos mais saudáveis. Por isso, Stella, apesar de ainda pouco entender o mundo, já é testemunha da complexidade dos adultos e seus agravos. E o filme é muito sincero nesse sentido, apesar da imaturidade da protagonista. A câmera trêmula da diretora estreante pode soar clichê, mas faz todo sentido ao captar o universo sempre em desequilíbrio da protagonista. É nesse ambiente que Stella cresce, conhece a amizade, a maldade, a traição, o amor. E continua sua vida, apesar de todos os pesares.


X-Men Origens: Wolverine (Idem, EUA/Canadá/Austrália, 2009)
Dir: Gavin Hood


Uma pena que esse filme carregue no título a “marca” X-Men, que rendeu uma trilogia de respeito para com a série criada pelo lendário Stan Lee (somente o primeiro dos três filmes fica um pouco atrás dos demais). E é uma pena ver o diretor sulafricano Gavin Hood (que venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por Infância Roubada) tendo que servir de pau-mandado de estúdio para comandar a narrativa que recria o passado de Logan (Hugh Jackman, sempre perfeito para o papel), antes de se juntar à equipe do professor Xavier. A história precisa cair nos artifícios do jogo de gato e rato e contar com aquela surpresinha no final para parecer inteligente, ao invés de conferir a complexidade necessária que o personagem possui e com a qual merecia ser retratado. O valor, aqui, é dado a um filmete de ação com (péssimos) efeitos visuais.


O Solista (The Soloist, EUA/França/Reino Unido, 2008)
Dir: Joe Wright


Que decepção, Joe Wright! Depois do excepcional Orgulho e Preconceito e da ode à redenção que é Desejo e Reparação, a sensibilidade habitual do cineasta resultou na construção de uma narrativa batida que peca pela falta de emoção, justamente o que abundava nas produções anteriores. O encontro do músico superdotado Nathaniel (Jamie Foxx) com o jornalista quase-um-fracassado Steve Lopez (Robert Downey Jr.) tenta fugir dos lugares comuns dos filmes de superação, mas acaba caindo no vazio. O problema está na construção dos personagens, ambos muito frágeis e, até certo ponto, estereotipados. Steve, o verdadeiro protagonista do filme, ganha, através das atitudes estranhas de Downey Jr., um tratamento piedoso do cara que ajuda, mas precisa ser ajudado, enquanto Jamie Foxx empresta seu talento ao lunático que precisa a todo momento provar que é... lunático; a maioria de suas cenas servem para que o personagem exploda e impressione. De fato, sua interpretação é ótima, mas está presa a uma persona caricata, que é parte de uma narrativa tão frágil quanto a sanidade do músico.


O Exterminador do Futuro: A Salvação (Terminator: Salvation, EUA, 2009)
Dir: McG


Não vejo tantos motivos para desprezar a continuação da saga do Exterminador como tanta gente vem fazendo. Pelo contrário, acho que a série ganhou um filme mais preocupado em se arvorar por outros rumos, criou mais personagens, se ambienta no futuro sombrio que nos filmes anteriores só era vislumbrado e, ainda bem, não possui mais aquele argumento batido da máquina que volta do futuro para salvar/matar John Conner. Ou seja, uma bela mudança de ares, que continua entregando boas doses de ação e ainda consegue manter paralelo com a história que foi construída ao longo da série, em especial com o primeiro (e excelente) filme. Uma pena que A Salvação se acomode com essas novidades e acabe apresentando alguns problemas de roteiro aqui e ali. Mas a surpresa maior é a direção de McG que consegue manter o fôlego necessário para um filme do gênero e ainda nos dá boas cenas de ação.


Brüno (Brüno: Delicious Journeys Through America for the Purpose of Making Heterosexual Males Visibly Uncomfortable in the Presence of a Gay Foreigner in a Mesh T-Shirt, EUA, 2009)
Dir: Larry Charles


Não sou dos maiores fãs de Borat, muito por conta da escatologia que toma conta do filme, apesar admitir a maestria com que o comediante Sacha Baron Cohen aponta o dedo na cara do moralismo da sociedade norte-americana, revelando um povo cheio de pré-conceitos. Por isso, as expectativas em torno de Brüno surgiam mais de uma promessa de humor negro e da carga de constrangimento que certamente viria do fashionista gay do título. Mas a narrativa, construída como em sketches, possui poucos momentos verdadeiramente engraçados, e aí, problema maior, o filme se torna apelativo e irregular (como na sequência do teste para o programa de TV ou no acordo de paz entre palestinos e israelenses ou no programa de auditório). Na tentativa de ser mais ousado e atrevido, Baron Cohen criou um personagem extremamente bizarro, mas sua narrativa ainda é frágil, apesar das boas intenções.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Sangue e sensibilidade

Deixa Ela Entrar (Låt Den Rätte Komma In, Suécia, 2008)
Dir: Tomas Alfredson


À primeira vista, é bastante fácil identificar Deixa Ela Entrar como um filme de suspense com vampiros. Mas aqui, a incursão do fantástico serve muito mais como um aliado para falar sobre aceitação de diferenças e ainda como uma crônica da perda da inocência precoce do jovem Oskar (Kåre Hedebrant) que se apaixona por sua vizinha, a misteriosa Eli (Lina Leandersson). Mas logo ele descobrirá que ela é uma vampira.

Assim, o filme pouco se pretende em desvendar os artifícios que envolve o comportamento dos vampiros, muito menos em causar suspense no espectador, embora alguns momentos sejam assustadores, como o sacrifício de um personagem na janela ou o corpo em chamas no hospital.

O que mais chama atenção no filme é como o diretor sueco confere enorme sutileza tanto na aproximação dos dois personagens, com suas dúvidas, incertezas e inseguranças, quanto na construção de cada plano do filme. Tudo é filmado com muito cuidado estético em uma narrativa que não possui pressa nem o risco de atropelar sua história. A placidez do filme ganha grande reforço com um trabalho de som dos mais primorosos e interessantes.

Ao mesmo tempo, toda essa sutileza vem acompanhada por uma atmosfera de perigo constante, porque, apesar do tom melancólico, a narrativa não reserva concessões para os personagens, muito na tentativa de revelar um mundo hostil e cruel. Para tanto, Oskar vai ter de aprender a enfrentar os riscos que lhe surgem no caminho e também a fazer escolhas arriscadas (o final é exemplar e bastante corajoso nesse sentido).

Além disso, Deixa Ela Entrar é um sopro de renovação no gênero de vampiros, o tipo de filme que muitas pessoas precisariam ver para perceber que seres de dentes afiados e chupadores de sangue podem muito bem ser usados com propósitos mais artísticos.

A relação entre os personagens é criada com a habitual inocência do mundo infantil, muito embora o senso de perigo esteja presente a todo instante e acaba por representar um brutal rito de passagem para o personagem. Ao mesmo tempo em que precisa lidar com o diferente, Oskar passa a encarar o mundo e suas crueldades, sem que o filme carregue no tom lição-de-moral. Muito pelo contrário, a sutil direção de Tomas Alfredson garante um dos filmes mais sinceros e estranhamente belos do ano.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Perdidos na tradução

Tokyo! (Idem, Japão/França/Coreia do Sul/Alemanha, 2008)
Dir: Michel Gondry, Leos Carax e Bong Joon-ho


Filmes coletivos têm virado moda. Alguns conseguem compilar belos curtas (caso de Paris, Te Amo) e outros estão mais interessados em reunir grandes nomes do cinema contemporâneo (caso de Cada um com Seu Cinema). Tokyo! é um belo exemplar do primeiro grupo que investe somente em três segmentos e tem a capital japonesa e seus habitantes como fonte inspiradora. Curioso que todos possuem uma vertente fantasiosa e, tematicamente, lançam olhares apurados sobre personagens outsiders.


Design de Interiores
Dir: Michel Gondry


Esse segmento é uma grande surpresa pois, vindo do Gondry, podia-se esperar loucuras visuais já no início, mas esse primeiro segmento evolui muito bem na construção de sua personagem, no surgimento de seu drama e a solução excepcional que o diretor cria para a protagonista, aí sim injetando boas doses de bizarrices. Um casal chega à cidade a fim de se fixar, enquanto o marido tenta se estabelecer como cineasta; a mulher é uma ajudante faz-tudo. As transformações psicológicas da personagem, a partir de uma autoavaliação, vão ganhando ares de transformação física, e eis que o estranhamento inicial acaba se mostrando uma ideia bastante pertinente. Nada melhor do que se sentir útil e para isso sempre parece existir uma maneira. Inteligentemente, Gondry nos mostra isso da forma mais inusitada (e deliciosa) possível.


Merda
Dir: Leos Carax


De longe, o mais bizarro dos três segmentos. O desconhecido para mim Leos Carax fala de isolamento e ausência de humanidade através da história de um mostro de esgoto que, na verdade, é um homem (o ótimo Eimei Kanamura) que perdeu (ou nunca teve) discernimentos humanos. Feio e perigoso, ele sai de seu habitat sujo para aterrorizar as pessoas, mesmo à luz do dia. Num primeiro momento, o segmento ganha ares terrificantes pois o monstro, além de arrepiantemente esquisito, é também bastante perigoso (a cena em que ele solta explosivos pela cidade me deixou estático), mas depois a história se acomoda e toma rumos simplórios que minimiza muito o que foi visto antes. Uma pena.


Sacudindo Tokyo
Dir: Bong Joon-ho


Por fim, a cereja do bolo. O sulcoreano Bong Joon-ho injeta rara sensibilidade e poesia na história de um homem (Teruyuki Kagawa) que vive totalmente recluso em sua casa, não sai de lá para nada (o que os japoneses chamam de hikikomori). Mas a visita de uma bela entregadora de pizza vai mexer com as convicções do cara. O segmento é uma concisão de planos bem filmados e arranjados, além de possuir um roteiro todo amarradinho, ganhando muito por evoluir sua história e ainda contar com o fator surpresa que, ao se revelar pertinente e interessante, eleva bastante o segmento. Doses de comédia aqui e ali em meio ao drama só reforçam essa bela característica de estranhamento do cinema da Coreia da Sul. Do ponto de vista do protagonista, o mundo lá fora parece hostil, mas ele não imagina que as cosas lá também mudaram. Os terremotos que quase atrapalham o personagem em alcançar seu objetivo, se transforma no seu próprio desejo interior quando alcança seu intuito. Bonito demais.


PS: vale muito a pena chamar atenção para a fotografia do filme que, apesar de ter um tom específico para cada segmento, é um trabalho sensacional. Talvez, uma das melhores do ano.