quarta-feira, 30 de abril de 2008

Festa em família

Festim Diabólico (Rope, EUA, 1948)
Dir: Alfred Hitchcock


Conta-se que Alfred Hitchcock sempre quis fazer um filme em um único plano-sequência, mas era impossibilitado pelo rolo da película que só filmava dez minutos. O máximo que conseguiu foi criar um filme divido em oito longos takes em seqüência, escondendo os cortes em momentos que poderiam passar despercebidos ao público. É disso que faz Festim Diabólico um filme diferencial na vasta obra do cineasta. Mas existe também uma interessante discussão moral acerca da superioridade de um ser humano em relação a outro.

Logo de início, presenciamos a cena de assassinato de um jovem por dois outros rapazes dentro de um apartamento. Brandon (John Dall) e Philip (Farley Granger) enforcam um ex-colega e escondem o corpo num baú localizado em plena sala de jantar, local onde, em seguida, será dada uma festa. Os convidados? Família e amigos do morto, além de um antigo professor dos rapazes (vivido por James Stewart, um dos atores preferidos de Hitchcock). A intenção dos jovens assassinos é praticar o “crime perfeito” e desafiar a inteligência de todos, enquanto tentam se manter acima de qualquer suspeita, num exercício de frieza e autocontrole (exceto Phillip que vacila em vários momentos).

E nessa experiência de filmar longos planos, o diretor cria um verdadeiro balé com a câmera, pois “ela” se sente livre para passear pelos cantos da casa, acompanhando as ações dos vários personagens em cena, ou melhor, somente aquelas que importam ao desenvolvimento da história. Portanto, o diretor está sempre movendo e direcionando a câmera, focando a imagem em um detalhe específico e acaba criando enquadramentos e ângulos inesperados, demonstrando um virtuosismo técnico invejável.

Mas o filme não é só técnica, muito menos uma simples história de assassinato. O diretor aproveita a situação e aborda, através de um ótimo roteiro, uma questão moral levantada por um dos assassinos: a divisão da raça humana em uma classe superior e outra inferior, tendo esta primeira a liberdade de poder eliminar os mais fracos. Brandon, ao se julgar “melhor” pela sua suposta inteligência e audácia, vê na prática de um crime perfeito a forma ideal de provar a sua superioridade, e considerando a vítima um ser menor, não vê problema nenhum em eliminá-lo.

Sendo assim, Festim Diabólico se uni à obra de Hitchcock não só como um filme capaz de fazer uma pequena análise acerca da alma humana, mas também, e principalmente, ao trabalhar a estrutura técnica de forma a deixar sua marca na história da Sétima Arte, reinventando a linguagem cinematográfica.

PS: Blindness, do Fernando Meireles, adaptado do bestseller Ensaio Sobre a Cegueira, escrito pelo português José Saramago, vai abrir o Festival de Cannes. Maravilha! E mais dois filmes na competição: What Just Happened (Barry Levinson) e Entre Les Murs (Laurent Cantet). Meireles na abertura, Walter Salles na Mostra Competitiva e Mateus Nachtergaele na Un Certain Regard. A projeção internacional do cinema brasileiro esse ano promete.

sábado, 26 de abril de 2008

Curtinhas – O retorno

Antes de mais nada, peço desculpas pelo sumiço. Problemas pessoais e familiares me afastaram do blog e fiquei bastante tempo sem internet em casa, daí que ficava difícil até de visitar os blogs amigos. Agora, um pouco mais desimpedindo (pelo menos parcialmente), estou de volta à ativa. Que venham os filmes:


Juno (Idem, EUA/Canadá/Hungria, 2007)
Dir: Jason Reitman


Aos 16 anos, Juno engravida de um colega e não conseguindo levar à diante a idéia de abortar, resolve encontrar um casal para adotar a criança. O que poderia se tornar mais um filme de adolescente chato e cheio de pretensas lições para a juventude, é na verdade um trabalho maduro que tem no roteiro seguro da ex-stripper Diablo Cody um de seus maiores méritos. Ao mesmo tempo em que o texto é leve e repleto de diálogos inspiradíssimos, sabe dar o tom certo do drama de cada um dos personagens, sem pesar a mão. Os comportamentos e ações dos personagens nunca caem no caricatural ou no riso fácil, como uma possível forma de ridicularização. Já a protagonista, durona e de personalidade forte, no fundo é apenas uma adolescente que precisa enfrentar problemas de gente grande, sem nem ao menos entendê-los direito (os adultos e os problemas). E Ellen Page, sempre segura, nos oferece uma atuação repleta de nuances. Juno é jovem, cheio de vida (a cena final é de uma singeleza absurda). Simples e sincero.


Sangue Negro (There Will Be Blood, EUA, 2007)
Dir: Paul Thomas Anderson


No finalzinho do Século XVIII, o visionário Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis, impecável) descobre um poço de petróleo e percebe a oportunidade de se dar bem na vida. Começa então a ampliar seus domínios pelo território norte-americano, munido pela ganância de se tornar cada vez mais rico. Nesse trajeto, o personagem vai entrar em conflito com duas instituições importantes: a família e a Igreja. O filho adotivo é o único laço familiar que lhe é próximo, mas quando se torna um fardo para Plainview por conta de um acidente, não há o menor remorso em renegá-lo. E o pastor protestante (Paul Dano) vê no novo dono do pedaço uma forma de fortalecer sua Igreja, física e numericamente, mas vai descobrir que esse interesse não é mútuo. O cultuado diretor Paul Thomas Anderson recria com suntuosidade a trajetória desse homem, sempre de maneira estilizada, mas nunca afetada. O filme é coeso e se impõe enquanto narrativa cinematográfica de alto nível. Mas é Daniel Day-Lewis a grande força da película, conferindo potência surpreendente a seu duro personagem. Paul Dano (injustamente esquecido pelas premiações) não fica atrás na sua assustadora encarnação do líder religioso. Mas assustador mesmo é quando os dois se enfrentam.


Cloverfield – Monstro (Cloverfield, EUA, 2007)
Dir: Matt Reeves


Um monstro invade a ilha de Manhattam e um grupo de jovens tenta sobreviver ao ataque. Até aqui parece mais um filme catástrofe-clichê, mas Cloverfield é pura tensão e seu trunfo está mais na forma que no conteúdo: todo o filme é apresentado como uma gravação de uma câmera digital. Quando Rob consegue um emprego numa empresa no Japão, seus amigos resolvem fazer uma festa de despedida. Munido de uma filmadora, seu melhor amigo documenta tudo, principalmente quando o monstro começa a destruir a cidade no meio da festa e o caos se espalha. Cloverfield consegue com isso ser uma experiência única tanto pela adrenalina como pela carga emocional que explode a partir do absurdo e tragicidade da situação. Mas principalmente pela gama de imagens impressionantes que surgem na tela (a maioria não te deixam piscar), graças à dinâmica “realista” das filmagens. A história pode até conter alguns clichês do cinema comercial, mas a experiência, garanto, é assustadora.


A Culpa é do Fidel (La Faute à Fidel, França/Itália, 2006)
Dir: Julie Gavras


Quando os pais da pequena Anna viajam à América Latina e passam a simpatizar com o comunismo, a vida da menina muda completamente. A vida aristocrática da alta sociedade dá espaço a uma rotina mais simples e humilde. Mudam seus hábitos alimentares, passa a dividir o quarto com o irmão mais novo, é obrigada a não ter mais aulas de catecismo no colégio e toda a família se muda para uma casa menor, que inclusive se torna ponto de encontro dos novos amigos “barbudos” dos pais. A Culpa é do Fidel é um interessante estudo das lutas sociais na década de 70 quando Fidel Castro consolida o poder comunista em Cuba, a Espanha ainda enfrenta a ditadura de Franco e o Chile luta para eleger o candidato esquerdista Salvador Allende como presidente. Tudo isso sob o olhar inocente e curioso de uma criança. No entanto o filme é adulto, e mesmo que existam momentos de excelência, a fragmentação da narrativa minimiza um pouco a força das situações.

Seleção do Festival de Cannes 2008

Saiu a lista dos selecionados. Na Mostra principal temos:



24 City, Jia Zhang-ke (China)
Adoration, Atom Egoyan (Canadá)
Changeling, Clint Eastwood (EUA)
Che (The Argentine, Guerrilla), Steven Soderbergh (Espanha)
Un Conte de Noel, Arnaud Desplechin (França)
Three Monkeys, Nuri Bilge Ceylan (Turquia)
Delta, Kornel Mundruczo (Alemanha/Hungria)
Il Divo, Paolo Sorrentino (Itália)
Gomorra, Matteo Garrone (Itália)
La Frontiere de L´aube, Philippe Garrel (França)
Le Silence de Lorna, Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne (Reino Unido/França)
Leonera, Pablo Trapero (Argentina/Coréia do Sul)
Linha de Passe, Walter Salles, Daniela Thomas (Brasil)
La Mujer sin Cabeza, Lucrecia Martel (Argentina)
My Magic, Eric Khoo (Singapura)
The Palermo Shooting, Wim Wenders (Alemanha)
Serbis, Brillante Mendoza (Filipinas)
Synecdoche, New York, Charlie Kaufman (EUA)
Waltz With Bashir, Ari Folman (Israel)

Bem, não podemos falar muita coisa sobre os filmes, fica somente a expectativa em relação a alguns nomes. A presença de Walter Salles e Daniela Thomas é algo a se comemorar assim como o destaque para duas produções argentinas, uma delas da ótima cineasta Lucrecia Martel. Os Dardenne são queridinhos do festival, e nomes fortes, bem como os de Clint Eastwood e de Steven Soderbergh, esse último por uma produção espanhola sobre Che Guevara. Win Wenders é diretor clássico, pode surpreender, embora tenha sido muito criticado ultimamente. Mas o maior mistério fica por conta do primeiro filme dirigido pelo excepcional roteirista Charlie Kauffman. É esperar pra ver. Só para lembrar, o presidente do júri deste ano é o ator e diretor Sean Penn.