quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Últimas curtinhas

Mais um ano que se finda. Mesmo com algumas irregularidades no que diz respeito à periodicidade de postagens, esse blog ainda se mantém de pé, apesar dos pesares. Muitos filmes mais eu poderia ter comentado aqui, mas não é momento para reclamar. Somente para agradecer a visita de todos que acompanham e fazem desse espaço um ambiente vivo. Um feliz 2009 para todos nós. E que venham os filmes.


Feliz Natal (Idem, Brasil, 2008)
Dir: Selton Mello


É com um grande vigor que Selton Mello estréia na direção de um longa-metragem. Vigor não só na forma como filma, com longos planos e câmera na mão, destacando especialmente os olhares de seus personagens, mas também na densidade da trama. Na noite de Natal, Caio (Leonardo Medeiros) retorna à casa de sua família para rever a mãe (Darlene Glória), o pai (Lúcio Mauro), divorciados, e o irmão (Paulo Guarnieri). O clima de aparente confraternização logo desaba e escancara as richas familiares que se expõem ainda mais com a visita de Caio. O filme não se prepõe a revelar os motivos de tanta desunião e ódio que vão surgindo na tela; apesar de alguns indícios, a história se interessa mais na desestruturação daquela família que parece não encontrar soluções.

Não é à toa que Caio trabalha num ferro velho, algo bastante significativo para representar um desgaste tão grande daquelas pessoas. A mãe encontra em Darlene Glória a intérprete perfeita para uma personagem tão perdida e descontrolada, dona de cenas intensas como quando, num mesmo plano-seqüência, rejeita o filho, discute com o ex-marido, briga com a nora e acaba desmaiada no banheiro. Tudo isso seguido pela presente direção de Selton Mello que, embora saiba muito bem o que quer, se excede em alguns momentos de exibicionismo técnico. A seu favor, há uma clara influência do cinema da argentina Lucrecia Martel (principalmente pela família em situação estanque e na tragédia que se configura ao fim) e do clima claustrofóbico da obra de John Cassavetes. Por tudo isso, é um talento por trás das câmeras que merece muita atenção.


O Silêncio de Lorna (Le Silence de Lorna, Bélgica/França/Itália /Alemanha, 2008)
Dir: Jean-Pierre e Luc Dardenne


O estilo dos irmãos Dardennes é inconfundível: câmera na mão, justificada pelas situações limites vivenciadas por seus personagens, sempre de moral torta, e longos planos. Junta-se a isso nesse O Silêncio de Lorna um roteiro com alta capacidade de surpreender o espectador. Lorna (Arta Dobroshi) é uma albanesa que vive na Bélgica para, num esquema de casamento comprado, conseguir cidadania belga. No entanto, seu “marido” é um viciado em crack que trará dificuldades para os planos dela. Em vários momentos, a história parece desandar, mas logo as coisas se ajeitam e ganham sentido na narrativa, fazendo jus ao prêmio de Roteiro que os irmãos levaram para casa no último festival de Cannes. A câmera dos irmãos se limita a acompanhar os personagens em suas desventuras, sem interferências. E o que nos filmes anteriores da dupla eram somente ações impulsivas de seus personagens, aqui ganha contornos psicológicos interessantes. Arta Dobroshi, a atriz principal, se agarra com muita intensidade em sua Lorna. Mais uma anti-heroína na filmografia dos irmãos belgas.


Gomorra (Idem, Itália, 2008)
Dir: Matteo Garrone


Gomorra, prêmio especial do júri no último Festival de Cannes, é uma obra bastante sóbria. Para retratar a máfia italiana conhecida como Camorra, o diretor Matteo Garrone se utilizou da história de pessoas envolvidas indiretamente com a organização criminosa, com ênfase nos jovens que desejam ou de alguma forma são impelidos a entrar para o clã. É o caso do garoto que trabalha com entregador de mercadorias, mas como é constantemente testemunha das ações criminosas do grupo, sente fascínio pelo status que poderia alcançar. Ou então os dois jovens delinqüentes e inconseqüentes que querem ser os “reis” do local, enfrentando descabidamente autoridade dos “chefões” do pedaço. Interessante notar como o filme nunca sensacionaliza a máfia, nem tem pretensões de revelar como ela funciona internamente; não existe um tom panfletário de denúncia. A denúncia se faz presente pela simples exposição das ações e conseqüências que provém das atitudes dos personagens (podem eles estar envolvidos com alta costura ou a deposição de lixo tóxico). Talvez essa abordagem diminua o impacto da narrativa, mas constitui uma visão mais naturalista para um filme do gênero.


Um Jogo de Vida ou Morte (Sleuth, EUA, 2007)
Dir: Kenneth Branagh


Se o início do filme promete um embate intelectualizado entre dois personagens dentro de um mesmo ambiente (uma casa equipada com alta tecnologia) por todo o filme, esse efeito se esvai logo que os personagens se mostram tão idiotizados. Milo Tindle (Jude Law) vai à casa de Andrew Wyke (Michael Caine) a fim de convencê-lo a conceder o divórcio a sua esposa, com quem Milo pretende se casar. Começa então um jogo de gato e rato em que cada um tenta desmoralizar o outro. As estratégias dos personagens só não são mais infantis do que a disposição do adversário em comprá-las tão facilmente, num exemplo clássico de narrativa que se desenvolve às custas de atitudes patéticas e forçadas; a coisa pior ainda mais quando notamos tratar-se de personagens tão polidos, tipicamente britânicos. Nem o talento dos atores, principalmente Michael Caine, consegue salvar o filme. Reviravoltas como a que envolve o aparecimento de um terceiro personagem (fictício) piora ainda mais as coisas.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Voltando com os Curtinhas

Depois do Casamento (Efter Brylluppet, Dinamarca/Suécia, 2006)
Dir: Susanne Bier


O que seria uma viagem de negócios, torna-se para Joacob (Mads Mikkelsen) um confronto com assuntos do passado, marcado por uma grande descoberta e a necessidade de encarar uma situação que mudará os rumos de sua vida. Depois do Casamento começa como uma interessante crítica social sobre esse homem dinamarquês que mantém um orfanato na Índia. Mas vai ganhando proporções devastadoras a partir do momento em que ele volta ao seu país de origem a fim de conseguir recursos para sua causa social junto ao arrogante dono de uma grande empresa; ele acaba reencontrando sua ex-mulher casada com o tal proprietário. Encanta no filme o fato de Susanne Bier filmar todos os personagens com muito carinho, todos bem desenvolvidos pelo roteiro; não existe o vilão e o mocinho, à revelia do que se configura no início. A câmera se aproxima de cada detalhe do corpo daquelas pessoas (olhos em potencial) à procura de sensações à flor da pele. Uma narrativa ágil dá conta de desenvolver muitas reviravoltas e boas surpresas, ao passo que todos os personagens passam por mudanças drásticas em suas vidas.


Estamos Bem Mesmo Sem Você (Anche Libero Va Biene, Itália, 2006)
Dir: Kim Rossi Stuat


Essa produção italiana começa de forma bem sucinta, nos apresentando a uma família de pai e um casal de filhos. A mãe dos garotos está ausente há vários anos e parece ter abandonado a família sem maiores explicações. Mesmo assim eles vivem bem, apesar dos apertos financeiros do pai e de sua correria para criar sozinho os dois filhos. Tommi (o ótimo ator mirim Alessandro Morace), o filho mais novo, é o personagem central do filme e sob seu olhar se desenrola a história, embalada por uma banda sonora melancólica. Tudo parece bem calmo até o momento em que a mãe dos garotos aparece para voltar à família. Nesse momento, inesperadamente, o filme avança para um turbilhão emocional explosivo, tal a resistência do pai em aceitar a mulher de volta. Tommi não se mostra muito confortável com a situação pois sabe que a volta da mãe pode não durar muito, como ela já fez antes. Enquanto isso, o garoto vai vivendo sua juventude com a descoberta de novas amizades, a aproximação com garotas da escola e o campeonato de natação. O mais interessante disso tudo é perceber o quanto a instável presença da mãe mexe com o emocional de cada um dos três. Ainda assim ainda há uma disposição em seguir em frente (e Tommi parece ser o mais consciente dessa necessidade), tendo na união familiar sua força motriz. Apesar de tudo, eles estão indo bem.


[Rec] (Idem, Espanha, 2007)
Dir: Jaume Balagueró e Paco Plaza


Todo filmado em câmera subjetiva, [Rec] é o típico filme “experiência”. Quando a sensação de suspense toma conta do espectador, ela permanece conosco até o fim. O filme é apresentado como a gravação de um programa de TV (bem sensacionalista, diga-se de passagem) que vai passar uma noite no quartel dos bombeiros e os acompanhará em algum caso que aparecer na noite. Mal sabem eles que o primeiro chamado a um prédio levará a uma senhora descontrolada, toda coberta de sangue, que ataca um dos policiais. Quando tentam fugir, percebem que o prédio está interditado pela polícia e ninguém pode sair do local. Sem saber muita coisa (e nós também), outros ataques vão surgindo e ao que tudo indica algo está infectando as pessoas, as transformando em monstros assassinos. O filme possui bastantes semelhanças com o recente Cloverfield, principalmente na utilização da câmera (todos crias de A Bruxa de Blair), embora essa produção espanhola tenha sido rodada anteriormente. Incrível como o filme consegue transmitir tanta veracidade nos ataques e possui uma noção de espaço perfeita, se aproveitando de todos os ambientes do local. O descontrole da câmera, a sensação de medo diante do desconhecido, a intensidade dos ataques, acompanhados pelos vários sustos, criam um filme angustiante e aterrador. Tudo isso minimiza o clichê dos recortes de jornal ao fim do filme que tenta explicar a situação e alguns momentos forçados em que os personagens conseguem fugir dos infectados. Mesmo assim, acho que eu nunca saí do cinema tão espantado.


Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada (Dan in Real Life, EUA, 2007)
Dir: Peter Hedges


Comédias românticas com um título desses não prometem muita coisa. Mas antes de ver o nome do filme, eu me detive no elenco, mais precisamente no nome de Juliette Binoche, que me parecia o atestado de qualidade para o longa. Mas havia também a presença de Steve Carell que nunca me desanimou em um filme do gênero. Fui ver sem medo. Não me arrependi nem um pouco. A história pode ser batida: homem de meia idade, viúvo e pai de três filhas, se apaixona pela namorada do irmão, sem saber desse detalhe. Com a família toda passando um final de semana juntos, ele vai tentar lutar contra esse sentimento. O filme funciona bem como comédia (a cena da aula de dança é hilária, principalmente pela gag corporal de Carell), tendo na relação amorosa entre os membros daquela família um dos pontos mais legais. Mas o filme também surge como um drama que não precisa exagerar na intensidade, dando conta de um personagem melancólico pela vida insossa de pai solteiro; a relação conflituosa dele com as filhas - mais por sua culpa - também cativa e nunca soa artificial. O grande destaque aqui é a presença de Carell que faz muito por seu personagem numa atuação nunca acima do tom de chacota nem de melancolia. Na verdade, é a presença dele o atestado de qualidade do filme.


Queime Depois de Ler (Burn After Reading, EUA/Inglaterra/França, 2008)
Dir: Joel e Ehan Coen


Depois do denso e pesado Onde os Fracos Não Têm Vez, os irmãos Coen voltam à comédia de humor negro, gênero que os marcou. Queime Depois de Ler nada mais é do que uma paródia sobre os filmes de espionagem coroado pelo texto ácido dos diretores-roteiristas. Um CD contendo informações secretas da CIA vai parar nas mãos de Linda (Frances McDormand) e Chad (Brad Pitt), instrutores de uma academia de ginástica, que passam a chantagear o dono do material confidencial, Osbourne Cox (John Malkovich). Para complicar, entra na história Harry (George Clooney), o amante de Katie Cox (Tilda Swinton), que é esposa de Osbourne. São esses personagens que farão parte dos desencontros da narrativa, num roteiro intricado que não parece ter um protagonista definido. As atitudes idiotas de seus personagens não são por acaso, pois é o típico personagem dos Coen, em última análise uma representação do povo norte-americano. E são eles que conferem as situações mais engraçadas (a cena da cadeira é de rachar de rir), tendo em Chad a construção mais hilária, afetado e atabalhoadamente irresponsável, assim como o inseguro e bon vivant Harry de George Clooney. Mesmo assim, é preciso destacar todo o elenco que funciona tão bem em conjunto como solo. Porém, por mais que o texto possua fluidez narrativa e tiradas bastante originais, ainda me ficou a sensação de rapidez em terminar logo o filme. Falta também um tratamento respeitoso a seus personagens, por mais idiotas que sejam (não gosto da forma como se lida com o destino de Chad). De qualquer forma, os Coen mais uma vez surpreendem, sem cair na obviedade. E é preciso apreciar muito isso no cinema atual.


007 - Quantum of Solace (Idem, EUA, 2008)
Dir: Marc Forster


Quantum of Solace perde e muito em relação ao filme anterior da série: não tem um pingo do charme narrativo e das situações inteligentes de Cassino Royale. A continuação não parece fazer sentido pois tudo soa forçado e pretexto para mais explosões e correrias. A própria aposta em cenas de ação em maior quantidade é frustrada pela forma como elas são filmadas. São frenéticas e suntuosas, mas isso que poderia ser uma qualidade se transforma em defeito porque uma edição relâmpago faz com que o espectador, em muitos momentos, não consiga identificar como essas cenas se desenrolam (algo que não acontecia no filme anterior). Sem contar com alguns furos de roteiro aqui ou ali. Sei que muita gente pode dizer que não é esse o tipo de coisa a se esperar num filme de ação, mas chega um ponto em que esses defeitos tornam o público em espectadores que se contentam com qualquer cena, contanto que existam explosões e tiros. Existe uma tentativa de encaixar um subtexto sobre a necessidade de Bond em ser menos egocêntrico, e pôr menos pessoas em risco, mas soa somente como pretexto pois o filme não leva isso muito a sério. Por incrível que pareça num filme como esse, o que salva é um elenco afiadíssimo. Daniel Craig entende muito bem o que é ser um agente 00; Judi Dench e sua personagem são cortantes como uma navalha; Mathieu Amalric, como o vilão da vez, surge com uma expressividade na medida certa (algo já esperado); e a nova bongirl Olga Kurylenko não faz feio, embora sua personagem seja muito clichê. Mas pelo menos, o filme fecha com uma ótima seqüência, numa cena que relembra a entrada triunfal do velho James Bond.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Poderosa Barcelona

Vicky Cristina Barcelona (Idem, EUA/Espanha, 2008)
Dir: Woody Allen

O que mais impressiona em Woody Allen é a vitalidade em fazer um filme logo após o outro e, na maioria das vezes, manter o alto nível de histórias bem contadas e condizentes com o estilo do diretor nova-iorquino. É esse estrangeiro que aportou na Europa e soube se aproveitar muito bem dos novos ares.

A segura e pé no chão Vicky (Rebecca Hall) leva sua amiga Cristina (Scarlett Johansson), aberta a novas experiências, para férias em Barcelona. Lá irão logo conhecer o pintor e galante Juan Antonio (Javier Bardem), a própria representação do amante latino descompromissado. Só que ele não consegue se dissociar de sua ex-esposa, a descontrolada Maria Elena (Penélope Cruz).

Se à primeira vista os personagens são apresentados com características um tanto estereotipadas, vamos perceber que eles são mais complexos do que aparentam. A primeira abordagem de Juan Antonio às duas amigas é agressiva e transparece seu desejo por sexo; mais tarde ele irá encantá-las de outra forma. Vicky, tão segura de si e prestes a se casar, terá seus sentimentos abalados. Maria Elena, por sua vez, surge problemática e temperamental, mas também possui seu lado amoroso.

São os encontros e desencontros desses personagens que permeiam a narrativa fluida do filme, que sempre encontra uma maneira agradável de fugir do lugar comum, como de costume em Allen. O texto é leve e dinâmico. Mas o melhor é que ao fim tudo parece bem acabado, as arestas do roteiro todas bem aparadas, com o devido carinho por todos os personagens, mesmo que possa surgir um gosto agridoce ao fim da projeção.

Além disso, Allen filma a cidade de Barcelona como um interessado por conhecer cada canto do lugar, sem fugir à proposta da narrativa. A gostosíssima canção Barcelona, dentro de uma trilha sonora bem apropriada, ajuda a compor a atmosfera de amores fortuitos que acompanha as atitudes dos personagens. No clima certo, a cidade espanhola parece ser o lugar ideal para novos, porém conturbados, amores.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Por trás das cortinas

A Questão Humana (La Question Humaine, França, 2007)
Dir: Nicolas Klotz


A Questão Humana é um filme que só se entrega no terço final, e aproveita para, antes disso, preparar o terreno para o que virá na forma de um soco no estômago. Um filme denso e introspectivo, guiado por um personagem que começa fazendo seu trabalho e vai se chocar com a estrutura perversa do mundo capitalista/empresarial e, mais impactante ainda, com o lado mais perverso do ser humano.

O filme tem no roteiro de Elisabeth Perceval e François Emmanuel seu grande trunfo, talvez um dos melhores do ano. Simon (Mathieu Amalric) trabalha como psicólogo no departamento de Recursos Humanos numa empresa francesa, filial de uma major alemã. Quando Mathias Jüst (Michael Lonsdale, excelente), diretor geral da instituição, começa a se comportar estranhamente e a denunciar os colegas de trabalho (provavelmente, um desequilíbrio mental), Simon é chamado para investigar discretamente o que está acontecendo.

Esse foi mais outra obra que eu precisei rever. O próprio Simon diz no início, em off, que é muito difícil contar tudo cronologicamente. Acompanhamos os passos da investigação e descobrimos muito sobre o próprio Simon, sua relação conturbada com a namorada e seus métodos para fazer render os funcionários da empresa (o que inclui a realização de raves). Jüst, por sua vez, se mostra um personagem fascinante: suas atitudes descontroladas (mas sempre modestas) se contrapõem com as verdades que parece haver no seu discurso aparentemente desequilibrado.

A partir disso, o filme se torna bem mais revelador. O que move Jüst é um remorso familiar do passado, ligado ao trabalho sujo de seu pai, que mais tarde parece ser reafirmado por Karl Rose, um dos chefes da empresa e seu amigo próximo. A ligação que o pai e o amigo de Jüst tinham com o nazismo é a chave de toda a narrativa. Ao mesmo tempo, Simon começa a questionar a validade de seu próprio trabalho e começa a sofrer psicologicamente com aquilo que vai descobrindo (a cena em que ele confunde a amante com a namorada na boate é potente e reveladora).

As performances de Mathieu Amalric e, principalmente, Michael Lonsdale são de um minimalismo exato. Isso fica claro na seqüência em que Simon visita Jüst em sua casa. O anfitrião o convida para ouvir música e de repente começa a falar despropositadamente que estava apanhando de várias pessoas, e então saí da sala irritado. A tensão crescente se revela a partir do olhar perplexo de um e perdido do outro. Ambos possuem uma presença marcante no filme.

Nicolas Klotz não tem pressa em desenvolver uma narrativa que vai se revelando aos poucos. O filme ganha em complexidade à medida que o estudo dos personagens se torna algo maior, envolvendo um período problemático da nossa História, que exterminou uma quantidade absurda de judeus. O texto final em off, uma pérola, cala fundo, porque escancara atrocidades que só o homem foi capaz de cometer. Essa é a questão humana que nós precisamos reconhecer e encarar.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Veja, mas repare

Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness, Brasil/Canadá/Japão, 2008)
Dir: Fernando Meirelles


Uma das grandes vantagens de Ensaio Sobre a Cegueira é ser adaptado do texto de José Saramago. O argumento do filme é excelente e diz muito sobre esse momento atual em que a força da imagem impera no mundo, e a importância do enxergar (mais do que somente ver) se tornou preponderante, porém muito banalizada. Mas é uma pena que isso tenha acomodado o roteirista, achando que filme já está ganho. Com uma direção um tanto preguiçosa, o longa consegue cair no convencional à medida que não se arrisca muito, com larga exceção à fotografia espetacular de César Charlone.

Uma epidemia inexplicável de cegueira passar a contaminar várias pessoas numa grande cidade e o governo passa a alojar todos os infectados num local fechado, a fim de impedir o contágio. Mesmo assim, a doença continua se alastrando e mais pessoas vão sendo amontoadas no local. A única que consegue enxergar é a personagem de Julianne Moore, esposa do médico vivido por Mark Ruffalo. Presos nesse local, todos eles vão ter de se adaptar a uma rotina de degradação que leva aquelas pessoas a passarem por situações humilhantes.

Interessante notar que a cegueira, na história, é branca. As vistas dos personagens não são tomadas pelo negrume da perda da visão, o que logo nos leva a uma idéia metafórica. Essa perda representa a própria incapacidade que temos em ver o quanto o ser humano pode ser degradante e vil. Não é preciso estar cego para cometermos as mais perversas atrocidades, ou, por outro lado, lutar cruelmente pela sobrevivência.

Mas aí entra um grande problema do filme: o fato de ser baseado numa narrativa literária (muito mais ampla em conteúdo) faz com que o longa se apresse muito em desenvolver sua narrativa sem uma devida reflexão sobre o que acontece (e muita coisa podia ser melhor absorvido). Ao abraçar um material tão complexo e extenso, o filme não dá conta de aproveitar tantas oportunidades para discutir a essência do ser humano e a necessidade urgente de enxergarmos (no sentido de compreendermos) as mazelas que nos rodeiam.

Entendo que esse é um equilíbrio difícil de ser encontrado, mas dá para sentir no filme como determinados momentos passam muito rapidamente sem a devida reflexão que merecem. No início, me incomoda muito a forma como a mulher do médico consegue acompanhar o marido, por exemplo, ou a confusa seqüência em que os alojamentos pegam fogo e também o finalzinho que podia muito bem ser mais explorado. O filme parece acabar tão abruptamente, assim como os acontecimentos ao longo da narrativa.

Então, ponto negativo para Fernando Meirelles, um diretor que sempre manteve coesão em seus filmes (e que teve bastante liberdade na produção desse aqui), mas que não demonstra o mesmo talento já comprovado anteriormente quando sabia dar unidade a suas narrativas. No elenco, Julianne Moore parece receber mais atenção que os demais, talvez porque sua atuação seja a mais digna, dona de uma personagem forte, mas que carrega um grande fardo.

Mas não dá para negar uma excelente fotografia que se aproveita dos mínimos detalhes para encher a tela de branco (talvez, a melhor do ano). Num filme que trata tanto da necessidade do olhar, César Charlone embaça a nossa visão, ora com o branco intenso, ora com a perda do foco, para nos colocarmos em uma situação no mínimo incômoda. No fim das contas, os verdadeiros cegos somos nós mesmos.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Pelo meio do caminho

Linha de Passe (Idem, Brasil, 2008)
Dir: Walter Salles e Daniela Thomas



Uma mulher e quatro filhos, um outro na barriga. É esse o núcleo familiar que os diretores Walter Salles e Daniela Thomas resolvem observar para compor seu mais novo filme. Digo observar porque seus personagens possuem vida própria e cada qual segue seu tortuoso caminho, acompanhados pelo carinho que os realizadores conferem a cada um deles, em igual tamanho. Depois do ótimo O Primeiro Dia e o excelente Terra Estrangeira, a dupla Salles-Thomas retorna com um filmaço.

Cleuza (Sandra Corveloni) é uma empregada doméstica, fanática por futebol e torcedora fiel do Corinthians, que batalha para sustentar os filhos na periferia de São Paulo. O mais velho é Dênis (João Baldasserini), um motoboy que se arrisca nas ruas da capital; Dinho (José Geraldo Rodrigues) procura na religião uma força para enfrentar a vida; Dario (Vinícius de Oliveira) sonha em ser jogador de futebol e se esforça para entrar em algum time enquanto Reginaldo (Kaique Jesus dos Santos), o mais novo deles e de cor negra, procura por seu pai, diferente do de seus irmãos. Mais uma vez, em Walter Salles, a figura paterna se mostra ausente.

Quando vi o filme pela primeira vez, me incomodou muito a forma como a história de cada um se entrecruzava, me parecia muito retalhado e não conseguiu me envolver. Talvez a expectativa que eu tinha para ver o filme tenha me atrapalhado um pouco e saí do cinema com a impressão de que o filme podia ser melhor. Mas numa revisão, o filme me ganhou de cara e toda essa impressão se esvaiu, à medida que cada uma daquelas pessoas se fortalecia na tela enquanto personagens principais (e são cinco).

Nesse estudo de personagens, notamos como todos eles são pessoas falhas e, por isso mesmo, interessantes. A mãe, grávida, está sempre com um cigarro na mão e solta palavrões o tempo todo, inclusive com os próprios filhos, que apanham dela, mas também recebem o carinho materno na hora certa. Para ser admitido em algum clube, Dario falsifica a carteira de identidade a fim de parecer mais novo. Dênis, na malandragem, passa a roubar dos carros que ficam estacionados no sinal.


O filme ainda foge da idéia comum de lidar com uma família disfuncional. Os problemas dos personagens não são entre si, mas consigo mesmo. Eles brigam muito, é evidente, mas a grande sacada do filme é a trajetória de cada um, os acertos e erros no percurso que eles precisam percorrer. O final em aberto desagradou a muita gente, porque pega os personagens em momentos decisivos, mas isso me parece a tônica de todo o filme: existe um longo caminho ainda a percorrer, apesar dos pesares.

A narrativa do filme é toda marcada pela naturalidade com que os atores compõem seus personagens, evidenciando a entrega de cada um, num elenco em que todos, sem exceção, merecem ser destacados. Uma fotografia escura e pesada muitas vezes põe os personagens na penumbra total, deixando transparecer somente suas silhuetas, fortalecendo a idéia de pessoas rodeadas por dificuldades, mas mesmo assim persistentes. Uma direção segura, ajudada por uma montagem certeira (como quando as mãos dos torcedores no estádio se confundem com as mãos dos fiéis na igreja), enriquece bastante o trabalho.

O filme ainda é cheio de significados, a começar pelo título que, no primeiro momento, evoca no futebol a troca de passes entre os jogadores sem que o adversário tome a bola, nos fazendo refletir sobre a persistência daqueles personagens em continuar no “jogo”. Além disso, “linha” dá idéia de caminho, e no caso dessa família, a linha parece tortuosa, mas nunca finita.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Simplório demais

Simplesmente Amor (Love Actually, Inglaterra, 2003)
Dir: Richard Curtis


A cena de abertura de Simplesmente Amor, em um aeroporto onde vários familiares e conhecidos se reencontram, promete uma visão bem otimista e palpável de como o amor está presente em nossas vidas, onde quer que estejamos. Mas é muito triste perceber que essa idéia fica presa nessa pequena cena, em prol de um emaranhado de histórias que não faz jus ao quanto o filme tenta celebrar o amor mais verdadeiro. Vários personagens, interligados entre si, vivem as mais desventuras contra e sobre o estar amando. A maioria delas, mal resolvidas.

Há o cara que é apaixonado pela esposa de seu melhor amigo, a mulher que está a fim de um colega de trabalho, outra que desconfia da fidelidade do marido, até as mais bobas e absurdas, como o garotinho que sofre de amores por uma coleguinha, o Primeiro-Ministro da Inglaterra que baba pela secretária e o rapaz bobalhão que viaja para os EUA para “pegar” mulher.

Não estou querendo dizer que essas situações não possam ocorrer. Elas são bem comuns. Mas é justamente na obviedade que o filme tenta tirar algo de belo e interessante, mas não passa do “bonitinho”. Além disso, os diálogos são sofríveis, sem inspiração alguma. Para aumentar o clima de “o amor está no ar”, várias musiquinhas romantiquinhas surgem à medida em que a situação se torna mais amorosa.

Com isso, um elenco estelar só poderia ser o grande atrativo de bilheteria do filme. Há algumas atuações inspiradas como a de Laura Linney, numa personagem insegura mas determinada a conquistar seu colega (Rodrigo Santoro, até que bem expressivo) e Emma Thompson, que sofre sozinha pela possível infidelidade do marido (Alan Rickman). Por outro lado, o Primeiro-Ministro de Hugh Grant soa ridículo enquanto Liam Neeson faz pouca coisa como o pai que aconselha seu filhinho nos ditames do coração.

Interessante notar que o melhor dos personagens não está apaixonado por ninguém: Bill Nighy interpreta o cantor de rock cinquentão e desagradável, tentando voltar à fama, numa performance cheia de ironia e trejeitos (a dancinha dele é hilária).

Digo que não sou, de forma nenhuma, contra finais felizes. Muito antes do filme terminar, nada me soava natural enquanto o narrativa se arrastava através das tramas de cada um. O pior de tudo é quando o filme tenta, sem sucesso, reproduzir as cenas reais das pessoas no aeroporto que aparecem na abertura. Ali, sim, o amor parece pulsar da tela verdadeiramente, amor de mãe, de irmão, de namorada, de gente.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

O herói em nós

Corpo Fechado (Unbreakable, EUA, 2000)
Dir: M. Night Shyamalan



Já disse aqui no blog o quanto o cinema do Shyamalan é sempre baseado numa alegoria, geralmente de cunho fantástico ou sobrenatural, para com isso falar de algo maior e humano. Corpo Fechado é mais um exemplo desse projeto de cinema que carrega o talento de seu autor para criar a atmosfera desejada e ainda se beneficia da onda de criatividade de seus primeiros projetos, já que o cineasta indiano parece ter perdido a mão em seus trabalhos mais recentes.

David Dunn (Bruce Willis) trabalha como segurança e num acidente catastrófico que mata centenas de pessoas, ele é o único sobrevivente; sai totalmente ileso. Depois desse incidente, ele conhece Elijah Price (Samuel L. Jackson), um aficionado por revistas em quadrinhos e possuidor de uma doença genética rara que torna todos os ossos de seu corpo tão frágeis a ponto de se partirem ao menor impacto. Elijah tenta convencer David de que há algo especial nele, um homem que em toda sua vida nunca se feriu gravemente e sempre sobrevive a outros acidentes graves.

A abertura do filme traz várias informações sobre revistas em quadrinhos e sendo a figura do super-herói a mais comum numa HQ, vamos descobrir aonde Elijah quer chegar. Se David possui um “dom”, ele não pode ser uma pessoa qualquer. Mas essa idéia não é aceita facilmente por ele, um homem cujo relacionamento com a esposa passa por um momento delicado. A partir disso, ele ainda entra em conflito com o próprio filho, que não consegue se ver espelhado na figura paterna. O caminho da aceitação de David é o próprio percurso do filme.

Com Shyamalan, é sempre preciso comprar uma idéia, vê-la de forma plausível e aceitá-la como metáfora de algo. Feito isso, basta aproveitar o talento do cara para se impressionar com cenas carregadas de tensão. Nesse filme, a narrativa se desenvolve lentamente, sempre num tom carregado e com um texto bastante verdadeiro e elegante. Descobrimos e nos impressionamos junto com David com o desenrolar dos acontecimentos. Essa talvez seja a melhor direção do Shyamalan, com um domínio total sobre cada plano e seqüência de seu filme.

São vários os bons exemplos disso, como a cena de abertura na qual um médico se mostra estupefato com a criança recém-nascida (Elijah) de braços e pernas quebrados. Ou então o momento impressionante quando o filho de David aponta uma arma para ele e ameaça atirar para provar que o pai é imortal. Evocando Hitchcock, há toda uma seqüência em que David impede um assassino de cometer mais crimes, culminando numa bela e imponente cena na piscina.

Mais incrível ainda é seu talento para dirigir atores, indo de um Samuel L. Jackson que, cheio de talento, nem precisa de tanto esforço para criar um vilão ao mesmo tempo imperativo e frágil (tanto física como emocionalmente), até um Bruce Willis numa composição totalmente minimalista, dono de um personagem que cresce muito ao decorrer do filme e vai tomando consciência de suas “habilidades”. Além disso, mesmo em pequenos momentos, a mulher de David e a mãe de Elijah surgem com uma força dramática impressionante na tela.

O filme ainda possui ótimas surpresas ao fim. O conflito pessoal de David consigo próprio como alguém que possui dons especiais se resolve de forma plena, digna dos melhores momentos de uma super-herói e a mais emocionante possível, aliado a sua aproximação com a mulher e o filho. O filme podia acabar aí, mas ainda existe uma outra virada que torna Elijah o triste (anti-)vilão da história. Nesse momento, o filme abre possibilidade para pensarmos no tipo de herói que cada um de nós pode ser, qual “poder” especial nós temos e o que isso significa para quem está a nossa volta.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Colecionador de emoções

Uma Vida Iluminada (Everything is Illuminated, EUA, 2005)
Dir: Liev Schreiber

É uma pena que a estréia na direção do então ator Liev Shreiber tenha sido tão pouco divulgada. A história real do colecionador judeu Jonathan Safran Foer (Elijah Wood) que viaja à Ucrânia para tentar encontrar a mulher que salvou a vida de seu avô é rica em emoções e cheia de significados. É também uma jornada e tanto para seus personagens, não só o protagonista.

Para ajudá-lo na procura, Jonathan conta com os serviços dos guias Alex (Eugene Hutz) e de seu avô Baruch (Boris Leskin), especializados em ajudar judeus ricos a encontrarem familiares perdidos durante a guerra. Se Jonathan surge como uma figura comportada, usa óculos de lentes grandes e possui atitude séria e polida, Alex é uma figura descolada, se veste como um playboy e mantém uma postura ingênua diante de tudo. Já seu avô se mostra o carrancudo da história, vive com óculos escuros pois finge ser cego (todos sabem que é uma farsa) e está sempre de cara fechada. Por isso, ele só anda acompanhado de um cachorro-guia meio demente que atende pelo nome de Sammy Davis Jr. Jr. Está formado o grupo de figuras estranhas.

O tom inicial do filme é bem leve e irreverente, como quando Alex apresenta a si mesmo e os esquisitos membros de sua família (o filme é narrado por ele). Mas a história vai ficando mais densa quando os personagens conhecem a velha senhora Lista (Laryssa Lauret, de uma expressividade incrível) que conviveu com o avô de Jonathan na juventude, antes da guerra acabar com o sonho de todos.

Embora a vontade de Jonathan em conhecer as origens de seu avô mova o filme, é o avô de Alex quem vai passar pela experiência mais intensa. Seu ar sério dá lugar aos remorsos do passado quando descobrimos que essa mesma senhora o conhecia e conviveu com ele. As lembranças desse tempo retomam de forma triste e avassaladora. O encontro irá mexer com os sentimentos de todos eles.

Schreiber mantém uma linha narrativa marcada por um grande cuidado estético, principalmente na forma como enquadra as cenas. A fotografia ainda confere peso aos momentos mais dramáticos, com destaque para os flashbacks, da mesma forma que ilumina e tonifica muito bem a paisagem ucraniana.

Outro destaque é a direção de arte que capricha nos cenários, como a bela imagem da casa de Lista tendo à frente um varal cheio de lençóis brancos e toda cercada por uma enorme plantação de girassóis. Os espaços internos também merecem destaque como a coleção de objetos familiares de Jonathan expostos na parede, ou as pilhas de caixas guardadas na casa de Lista. Tudo isso marcado por um colorido forte que intensifica ainda mais a trajetória dos personagens.

Ao fim, o filme ainda traz uma reflexão interessante. Na volta para casa, Jonathan reconhece nas pessoas que estão no aeroporto o rosto de várias outras pessoas que ele (nós) encontrou na Ucrânia. Dessa forma, o filme celebra o viajante como alguém que carrega para sua vida as experiências coletadas durante a viagem. O que ele presenciou permanecerá sempre consigo. Aquele que vai nunca é o mesmo que retorna.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Imaginação rasa

Vermelho Como o Céu (Rosso Come il Cello, Itália, 2006)
Dir: Cristiano Bertone


Mirco (Luca Capriotti) é uma criança que, depois de um acidente com arma de fogo, começa a perder a visão. É mandando para um colégio interno específico para portadores da mesma deficiência. Lá ele conhece uma garota, moradora da casa ao lado (sem deficiência visual) e cria amizade com outros internos. Se antes Mirco gostava muito de ir ao cinema, agora, cego, ele vai encontrar uma outra maneira de imaginar e contar histórias. Existe um mundo inexplorado de sensações ao seu redor.

Mirco chega à escola contrariado com seu estado (só mais tarde ele vai perder completamente a visão). Mas quando ele descobre que pode, usando um gravador, reproduzir sons e, manipulando-os, construir uma narrativa fantasiosa, ele encontra uma atividade que lhe dá prazer e abrange essa descoberta aos colegas. Nesses momentos, o filme celebra o mais puro poder da imaginação como forma de escape. Além disso, a aproximação com a garotinha resulta nas melhores cenas, como o andar de bicicleta (ele é quem guia) e principalmente o início do “namoro” entre os dois.

Mas à parte isso, incomoda muito nessa produção italiana o simplismo com que carrega um tema tão difícil e cuidadoso. Existe sim uma sensibilidade que permeia grande parte das cenas, mas é carregado de um tratamento tão óbvio e raso que não passa da alcunha de filme “bonitinho”. A história não chega a ser piegas, mas é como se clamasse ao espectador para serem condescendentes com crianças cegas, algo bastante desnecessário. O tom do filme acaba soando panfletário. Os acordes musicais tristes soam nos momentos mais dramáticos.

O filme ainda sofrer pela fraca construção de seus personagens. O diretor da escola, também cego, incorpora o personagem inflexível, que não quer permitir brincadeiras fantasiosas entre os alunos. Nunca sabemos quais suas motivações e as razões de seu posicionamento repressor. Por outro lado, há o professor que vê naquela brincadeira uma forma dos garotos desenvolverem a criatividade e a imaginação e acaba sendo o apoiador dessa “causa”; em determinado momento, ele chega a dizer pelo corredor: “estão roubando dessas crianças o direito de sonhar”. Parecem personagens forjados para cumprir papéis antagônicos.

Mais emblemático ainda é saber que o filme se baseia numa história verídica, o que prende mais ainda o roteiro aos percursos do jovem (Mirco Mencacci) que inspirou o filme. Não que sua história não seja interessante, mas o grau de relevância não passa do possível estereótipo de quem tinha uma grande dificuldade na vida, mas conseguiu vencê-la. O cinema já está cheio disso. Interessante seria encontrar uma forma diferente de mostrar essas histórias (O Escafandro e a Borboleta é um ótimo exemplo). É a falta desse elemento que tanto minimiza Vermelho Como o Céu.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Alguns curtinhas

Era Uma Vez... (Idem, Brasil, 2008)
Dir: Breno Silveira


É uma surpresa enorme constatar o quanto esse novo filme de Breno Silveira é eficiente o bastante para cativar o espectador, da forma mais genuína e simples possível. Depois do bom Dois Filhos de Francisco, lá vem ele com uma historinha de amor, que tinha tudo para cair no sentimentalismo anti-preconceituoso, entre um favelado e uma garota de classe alta, ainda mais com um título tão sem criatividade como esse. Ao mesmo tempo em que Silveira não possui grande apelo estético, ele sabe conduzir cada cena no tom certo, e já me encantou pela maneira como filmou a aproximação entre Dé (Thiago Martins) e Nina (Vitória Frate). A história avança com reviravoltas que fazem total sentido e nunca soam gratuitas, e ainda consegue fazer crítica social. Pra completar, Thiago Martins é um achado e sua composição de um personagem ingênuo, tímido, mas apaixonado, parece falar muito mais através do olhar. Além disso, é filme de urgência e tem os dois pés no chão.


Canções de Amor (Les Chansons D’Amour, França 2007)
Dir: Christophe Honoré


Depois de um incrível Em Paris, cuja melhor cena é uma reconciliação cantada ao telefone, eis que o francês Honoré nos presenteia como o adorável Canções de Amor, dessa vez assumindo de vez o musical como forma. Não um musical clássico, mas um filme em que os personagens se pegam cantando do nada. Ismael (Louis Garrel), Jolie (Ludivine Sagnier) e Alice (Clotilde Hesme, adorável) vivem uma relação a três, quando um terrível acidente muda os rumos de suas vidas amorosas. Completa o elenco uma triste Chiara Mastroianni e ainda o insistente Grégoire Leprince-Ringuet, cada qual com seus bons momentos em tela. O texto leve e gostoso, aliado ao charme de seus atores, se espelha nos números musicais, todos muito bons, como o belo Ás-tu Déjà Aimé, que só perde para o trio Garrel-Hesme-Sagnier cantando Je N’aime que Toi nas ruas de Paris. E mesmo nos momentos mais dramáticos, o filme consegue se equilibrar e nunca perde seu charme. O relacionamento a três e, sobretudo, o desenlance gay que acontece mais ao fim nunca se impõem como algo definitivo, são somente possibilidades apresentadas aos personagens. E se isso lhes faz bem, quem pode julgar? Melhor é aproveitar as ruas (e sons) de Paris.


Mamma Mia! (Idem, EUA, 2008)
Dir: Phyllida Lloyd


Mais uma vez um filme se utiliza das canções de uma banda conhecida e com um repertório cheio de ótimas composições para construir sua história. Em Across the Universe havia uma artificialidade na forma como as músicas eram usadas para montar uma história que soava solta. Aqui nesse Mamma Mia!, se apropriando das canções do Abba, existe um foco, mas frágil pela pouca relevância da história que está contando. Sophie (Amanda Seyfried) não sabe quem é seu pai e no dia de seu casamento convida três ex-namorados de sua mãe (Meryl Streep) para descobrir qual deles a gerou. Como a dúvida só deve aparecer no fim do filme, é preciso criar vários outros momentos para fazer correr o filme e é uma alegria quando alguém começa a cantar porque as músicas do grupo sueco dos anos 70-80 são a melhor coisa do obra (destaque para Dancing Queen e a pouco conhecida Voulez-vous). Nem a competentíssima Meryl Streep consegue trazer algo de proveitoso para o filme. Mas o pior de tudo são as tentativas de trazer humor, poucas vezes eficiente.


O Ódio (La Haine, França, 1995)
Dir: Mathieu Kassovitz


Um dia na vida de quatro marginais inconseqüentes nas ruas de Paris e suas aventuras no submundo da capital francesa rendeu um dos longas mais festejados dirigidos por Mathieu Kassovitz, ator conhecido por fazer par romântico com Amélie Poulain. O filme é duro e potente, ajudado por uma fotografia em preto-e-branco intenso que traz uma atmosfera propícia ao mundo monocromático e sem vida de seus personagens. O malandro Vinz (Vincent Cassel), o negro Hubert (Houbert Koundé) e o descendente árabe Saïd (Saïd Taghmaoui) passam o dia fumando, procurando baderna, falando baboseiras e expostos a todo tipo de violência. O texto é rápido e confere força a seus personagens, na medida em que criamos aversão por Vinz e podemos passar a nos importar com Hubert, por exemplo. São personagens palpáveis. Ao fim, Said retoma a parábola, dita no início, de um homem que cai de um edifício de 50 andares e a cada lance, diz: “até agora, tudo bem”. Pois é justamente esse pensamento que define os personagens: no submundo marginal em que vivem, mal sabem eles que estão em queda permanente e quando o impacto como o solo chega, ele vem de supetão, impiedoso e arrasador, como fica claro na surpreendente cena final.


Missão Babilônia (Babilonia A.D., EUA/França, 2008)
Dir: Mathieu Kassovitz


O mais incrível é saber que o cara responsável por esse Missão Babilônia é o mesmo diretor de O Ódio. Kassovitz já tinha se vendido ao cinema comercial norte-americano com o péssimo Na Companhia do Medo e dessa vez retorna com um filme catástrofe que além de confuso, é mais furado que uma peneira. Vin Diesel é esse cara durão, musculoso, dá porrada em todo mundo e cuja função é levar uma jovem (Mélanie Thierry) aos Estados Unidos, num mundo totalmente arrasado e violento. Ela vive reclusa num mosteiro, afastada de toda a perversidade do mundo, sob os cuidados da Irmã Rebecca (Michelle Yeoh, que faz muito com o pouco que lhe é oferecido) e parece ter dons sobrenaturais, logo chamando a atenção de um grupo religioso extremista que quer seqüestrar a garota. As reviravoltas do filme são patéticas, as cenas de ação são montadas de forma tão bagunçada e rápida que não se sabe exatamente o que está acontecendo na tela; os grandes atores franceses Gerard Depardieu e Charlotte Rampling são totalmente desperdiçados. E já aprendi a fugir de todo filme que traz Vin Diesel na capa – nem Sidney Lumet conseguiu tirar proveito.