segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Curtinhas

Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (You Will Meet a Tall Dark Stranger, EUA/Espanha, 2010)
Dir: Woody Allen


Enquanto Wody Allen fizer esses filminhos pequenos recheados de personagens interessantes e cheios de dilemas, apresentados através de bons diálogos, eu vou continuar gostando de suas obras, mesmo que pareçam mais do mesmo. Nessa altura do campeonato, não dá mais pra ficar exigindo que ele arrisque ou enverede por searas desconhecidas. Muito provavelmente Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos é um dos filmes mais fracos dessa sua nova safra (que reveza dramas e comédias), mas garante alguns risos de canto de boca, com seu habitual frescor. Se o título (em especial na versão original) traz certa ambiguidade cínica em que o homem negro pode representar um novo amor ou a morte, o filme trabalha na dualidade que nossas vidas podem tomar em determinados momentos.

Assim, todos os personagens precisam tomar decisões corajosas e definitivas, seja o escritor fracassado (Josh Brolin), seja a esposa do escritor (Naomi Watts) que não agüenta mais a pressão de bancar o casal, ou a mãe divorciada que encontra alento em uma cartomante (Gemma Jones, de longe a melhor do elenco), ou o pai, (Anthony Hopkins) cinquentão que resolve se casar com a loira fútil (Lucy Punch, ótima). Cada qual faz suas escolhas, para o bem ou para o mal. Mas Allen continua salpicando aquela sua velha pitada de pessimismo. Mas, ao final, ele não resiste em apontar a ilusão como o melhor remédio para os males do mundo. E que melhor ilusão do que o próprio cinema?


Dois Irmãos (Dos Hermanos, Argentina, 2009)
Dir: Daniel Burman


O cinema de Daniel Burman é marcado pelo tema da família e com esse seu mais novo trabalho não podia ser diferente, dessa vez mirando o olhar sobre os dois irmãos do título, já entrando na terceira idade, ambos falhos. Ele (Antonio Gasalla) é mais sentimental, cuidava da mãe doente e vivia sem grandes regalias. Ela (a ótima Graciela Borges) é o lado rabugento e frio, uma caloteira do setor imobiliário. Quando a mãe morre, eles precisam a prender a conviver juntos.

Apesar da situação “dramática”, o filme aposta num humor sabido que os argentinos conseguem produzir muito bem (coisa de que carece muito o cinema nacional). Pena que o roteiro, para fazer muitas situações acontecerem, precisa forçar atitudes bobonas da dupla de protagonistas, somente para tirar uma piada, aquela frase de efeito cômico. Sofre com isso os personagens que acabam soando deslocados, enfraquecendo o filme. Se levarmos em consideração os filmes anteriores do diretor (O Abraço Partido, As Leis de Família e Ninho Vazio), todos com grande força dramática, essa incursão dele na comédia foi uma experiência que não conseguiu sair do raso.


José e Pilar (Idem, Portugal/Brasil/Espanha, 2010)
Dir: Miguel Gonçalves Mendes


Esse filme compartilha com Senna a mesma qualidade: nunca supervalorizar seu documentado. Até porque, nesse caso, o gênio de José Saramago não precisa mais ser explicado ou defendido ou referenciado. Ao mostrar os três últimos anos de vida do escritor português, o filme revela seu cotidiano de trabalho que, se por vezes é bem vagaroso, ganha um contraponto ao mostrar as muitas viagens feitas e comparecimentos em compromissos vários, como forma de atender a tantas solicitações e pedidos de partes tão díspares do mundo. E o mais interessante é perceber como esse esforço pôde ser prejudicial à saúde do Saramago nos seus últimos anos de vida, a despeito de sua grande disposição.

Mas o grande destaque desse filme é nos revelar uma figura que esteve por muito tempo por trás da carreira do escritor, uma verdadeira força de sustentação: a esposa do escritor, Pilar Del Río. O documentário acaba se tornando uma reverência a essa mulher destemida e apaixonada que administrou a vida, obra e rotina do marido com uma sabedoria, carinho e determinação exemplares (não à toa, desde o final dos anos 80, quando eles se casaram, que Saramago dedica todas as suas obras a ela). E aí o filme sai ganhando, pois revela muito de Saramago através do trabalho de sua mulher, além de registrar a intimidade do casal bem de perto, o que humaniza demais a figura dele. Esse grande homem que tem, por trás, uma grande mulher.


Um Homem que Grita (Un Homme que Crie, Chade/França/ Bélgica, 2010)
Dir: Mahamat-Saleh Horoun


Esse filme do Chade, ganhador do Prêmio do Júri no último Festival de Cannes, parecia ser o tipo de projeto que recebe prêmios pelo simples fato de ser de um país de pouca cultura cinematográfica, mas que conseguiu produzir algo de relevante. E até mais da metade da projeção, a história parecia rumar para o vazio, sem ter muito o que contar, reforçando essa impressão inicial. Mas eis que a espera é recompensada quando o filme mostra realmente ao que veio e é bastante duro nesse sentido. Primeiro, temos um país devastado pela guerra civil. Num hotel de luxo, o ex-campeão olímpico de natação Adam (Youssouf Djaoro) cuida da piscina do local, mas vai ser substituído pelo filho, notícia que lhe deixa muito triste.

Mas o grande choque do filme é aquilo que esse pai vai ser obrigado a fazer contra esse filho, pressionado pelas circunstâncias políticas do país. A situação cresce em densidade quando a namorada grávida do rapaz aparece em casa (Aliás, a reação dela depois de ouvir uma gravação do namorado é, que eu me lembre, um dos momentos mais tristes do cinema neste ano). Por mais que se inscreva numa atmosfera de urgência, o filme é bastante complacente em acompanhar as desventuras de seus personagens, e os dilemas de Adam crescem e enriquecem o filme, à medida que também o tornam perigosamente ambíguo. Complexidade essa que é muito bem representada pelo ator. Assim, Um Homem que Grita perde um pouco de força com sua primeira metade um tanto dispensável, guardando toda sua potência para o final.


Ondine (Idem, Irlanda/EUA, 2009)
Dir: Neil Jordan


Se levarmos em consideração a destreza de Neil Jordan para os dramas mais sentimentais, como no excepcional Fim de Caso, ele seria o diretor com sensibilidade ideal para dirigir esse Ondine. O fato dele já ter lidado muito bem com o tom fantasioso em Café da Manhã em Plutão é mais uma qualificação. Uma pena que o roteiro de seu mais novo trabalho vai despencando à medida que a narrativa avança e não consegue se desprender dessa atmosfera fantástica quando ela já não se sustenta mais na história. Temos a história de um pescador (Colin Farrell) que puxa em sua rede uma bela mulher (a desconhecida Alicja Bachleda). Inicialmente, a relação entre os dois é de cumplicidade, pois ela se manterá escondida numa cabana somente de conhecimento de ambos.

Mas à medida que a bela moça for se revelando aos olhos de todos do vilarejo, as dúvidas quanto a sua origem se tornam mais misteriosas. No entanto, a relação de proximidade com a filha do pescador (dona de uma doença rara que a torna cadeirante) é um problema, pois a garotinha irá defender que a moça é uma selkie (figura da mitologia nórdica, uma espécie de mulher-foca que pode assumir as duas formas), defendendo, com seu instinto infantil, a fantasia da situação. Assim, o filme abraça esse tom fantástico quando ele já se mostra um mero pretexto, o projeto não consegue se assumir e continua a farsa por mais tempo que devia.

4 comentários:

Anônimo disse...

'Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos' está longe daquilo que Allen consegue alcaçar, mas tem bons momentos.

http://filme-do-dia.blogspot.com/

Wallace Andrioli Guedes disse...

Assino embaixo do que você disse sobre o novo do Allen. Eu também não deixo de me interessar pelo seu cinema, mesmo em filmes feitos no piloto automático como esse.
Sobre JOSÉ E PILAR, acho absolutamente lindo, delicado, um dos filmes mais bonitos do ano. Merecia mais uma estrela aí, não?

Gustavo disse...

A bem da verdade, essa fase atual de Allen não suscita grandes paixões no mundo cinéfilo, mas desconheço esses últimos filmes dele, então nem comento. Ele agora parece fazer filme para espairecer, pelo que se lê em entrevistas.

Rafael Carvalho disse...

Exato Kahlil, mas mesmo assim eu ainda gosto desses filminhos dele.

Wallace, pra quem já fez várias obras-primas (Manhattan, A Rosa Púrpura do Cairo, Crimes e Pecados, para citar alguns), esses filminhos despretensiosos dele parecem pura diversão, para ele e para nós!

Gustavo, mesmo com várias críticas, têm filmes do Allen dessa fase atual que são maravilhosos (como Match Point e Vicky Cristina Barcelona), apesar de alguns apenas bobinhos.