domingo, 25 de outubro de 2009

Traídos pelo desejo

Desejo e Perigo (Se, Jie, China/Taiwan/EUA, 2007)
Dir: Ang Lee


Mais um que demora a ser lançado no Brasil, mesmo que o novo Ang Lee, de volta a sua cultura de origem, tenha conquistado o prêmio máximo no Festival de Veneza em 2007 (em 2005 ele havia ganho o mesmo Leão de Ouro por O Segredo de Brokeback Mountain). Agora, ele se apega a uma questão política para construir uma inusitada história de atentado.

Com uma produção caprichadíssima, Lee nos leva à China de meados do século passado para narrar a história de um grupo de estudantes universitários militantes que usam a jovem Wang (Tang Wei, atriz estreante) para seduzir o rico senhor Yee (Tony Leung), colaborador dos japoneses quando esses ocupavam o território chinês. O plano de matá-lo só será realizado se Wang se infiltrar na família dele se passando pela esposa de um rico mercador.

O roteiro focaliza bastante a relação que se constrói entre Wang e o Sr. Yee, dos primeiros olhares tímidos até se tornarem amantes, contando aí com boas doses de sexo, mas nunca gratuitas (além de muito bem fotografadas, como todo o filme), que causaram frisson por onde o filme passou. Mesmo que beirem ao explícito, as cenas são muito pertinentes à trama e a agressividade sexual com que Wang é tratada no início, evolui para uma intensa relação de prazer entre ambos.

Ainda assim, há alguns problemas no filme. Chega a ser um tanto ingênuo acreditar que um grupo de estudantes de teatro tenha conseguido forjar uma fraude por tanto tempo sem que o influente Yee descubra. Mas Lee dirija com tanta segurança e ritmo (apesar das quase três horas, o filme nunca é desinteressante), além de uma elegância nunca pretensiosa, que isso deixa de ser um problema (é frágil também alguns momentos da narrativa, como a primeira tentativa de matar o Sr. Yee).

O que não impede o filme de alcançar ótimas sequências como, por exemplo, a descoberta da farsa dos estudantes, ou então a cena da fuga da joalheria. São momentos assim que elevam o nível do filme. O jogo entre o Sr. Yee e Wang também cria bastante tensão pois parece que a todo instante ela vai ser desmascarada. Fica no ar a dúvida em saber até que ponto o Sr. Yee está sendo totalmente manipulado. E Tony Leung é um grande ator que sabe criar perfeitamente essa nuance de dúvida e ainda trazer dureza a seu personagem. A novata Tang Wei também não faz feio e se equipara em talento.

Figurinos e direção de arte são bastante competentes em retratar aquela época, e há ainda uma bela melodia de Alexandre Desplat que embala os momentos com um minimalismo sóbrio e uma dose de perigo. Mas é a relação entre Yee e Wang a força do filme, construída aos poucos e sempre em evolução. Lee soube aproveitar o clima de tensão política e transformá-la em tensão sexual, mas também fazer nascer dali um quase improvável desenlance amoroso. Mas em Lee, o amor luta contra as disposições do meio em que os personagens estão inseridos, e assim é bem mais difícil vencer as barreiras.

6 comentários:

Wallace Andrioli Guedes disse...

Acho um filme belíssimo. A elegância com que Ang Lee conduz a história, sem deixar de ser ousado (as cenas de sexo são um exemplo disso), me encanta. E a dupla de protagonistas é maravilhosa.

Kamila disse...

Assisti a este filme ontem e a trama dele me lembrou muito o longa "A Espiã", de Paul Verhoeven.

O Ang Lee fez um filme belo do ponto de vista técnico e, como você bem disse, a fotografia está deslumbrante!

Gustavo disse...

Bem lembrado, que demora do caramba. Por que será? Enfim, tudo o que leio a respeito do filme parece tentador. Não vou deixar de conferir ,quando tiver a oportunidade.

Rafael Carvalho disse...

Concordo Wallace, elegante e ousado. Só o roteiro que podia ser melhor cuidado.

Então Kamila, boa lembrança essa sua porque, pensando direito, os dois filmes possuem um clacissismo muito bonito, e são bem explícitos também, embora o Lee seja um pouco mais corajoso nesse sentido.

Gustavo as distribuidoras brasileiras são assim. Tarantino é um queridinho no país e até hoje não lançaram À Prova de Morte, por exemplo, uma vergonha danada. E veja mesmno o filme do Lee, uma ótima pedida.

Cristiano Contreiras disse...

Plenamente intenso, elegante e discreto. Muito bom o filme, boa a sua resenha!

Rafael Carvalho disse...

Ang Lee sabe bem fazer esses dramas clássicos, sem parecer antiquado, Cristiano. Elegância é essencial aqui. Tony Leung está perfeito como sempre.