segunda-feira, 30 de junho de 2008

Dança da solidão

Chega de Saudade (Idem, Brasil, 2008)
Dir: Laís Bodanzky



Uma noite no clube de dança de salão Chega de Saudade é o suficiente para que a diretora Laís Bodanzky nos apresente uma gama de personagens e os desenlances amorosos que lhes surgem naquele ambiente. O filme é uma espécie de celebração da vida e da busca pelo amor, independente da idade de cada um.

Marquinhos (Paulo Vilhena) é o técnico de som que trabalha há cinco anos no tal baile e resolve levar para ajudá-lo sua namorada Bel (Maria Flor), que vai se encantar com os galanteios de Eudes (Stepan Nercessian, super canastrão) para o azar da antiga paquera do cara, a viúva Marici (Cássia Kiss, ciumenta mas discretíssima). A noite também não promete ser boa para Elza (Betty Faria) ao ver seu paquera se encantar pela amiga que ela levou naquela noite. Há ainda o casal Álvaro e Alice (respectivamente Leonardo Villar e Tônia Carrero) enfrentando uma crise no casamento. Essas são algumas das figuras que farão do salão não só um lugar de dança e diversão, mas também de boas brigas e disputas.

A seleção de músicas (todas ocasionais, claro) é uma delícia de sambas, boleros e mesmo as canções bregas recebem aqui certa dignidade. Só não me agradou o fato de algumas delas refletirem em suas letras as situações vivenciadas pelos personagens como se elas não se explicassem por si sós. Exemplos: “Você não vale nada, mas eu gosto de você” toca justo quando a personagem de Cássia Kiss encara o amante no momento em que ele dá em cima de Bel ou quando o namorado de Bel, vendo-a dançando com o garanhão Eudes, interrompe a música justo quando esta diz: “Tô doidão, tô doidão, porque tão querendo roubar minha mina no salão”.

Além disso, o tom casual que me agradou tanto no início do filme, vai perdendo lugar para uma necessidade de deixar todos os pontos entre os personagens bem explicados e mastigados. Por outro lado, uma edição entrecortada faz com que a narrativa nunca perca fluidez ao apresentar a história de todos os personagens; os desdobramentos da situação de cada um nunca se tornam confusos e o filme ainda nos faz sentir empatia por todos naquele baile.

Mas a grande sacada do filme é a câmera na mão (de Walter Carvalho) que explora todos os mínimos espaços do ambiente como um voyeur em busca de cada movimento daquelas pessoas (talvez por isso a grande quantidade de planos-detalhes de pés em movimento). Por isso também é acertada a decisão de se utilizar tomadas em planos bem fechados, pois a substância do filme parece estar nas expressões, nos olhares dos personagens, como se cada sensação, à flor da pele, fosse capturada quanto mais a câmera se aproximasse dos atores.

E nesse clima de proximidade em meio a um ambiente aberto a novas experiências amorosas, é como se o filme nos matasse de inveja por desejarmos estar num lugar empolgante como aquele, conhecendo pessoas interessantes. Sem dúvida, esse é o maior mérito do longa.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Curtinhas – Dr. Jones

(Antes tarde do que nunca OU Mais um retorno)

Problemas vários me deixaram fora da blogosfera por um bom tempo, mas sempre ansiamos pelo retorno e já que o assunto é esse, por que não recomeçar as atividades com outra volta? Sim, ele, Dr. Jones. Mas como meu contato com a série Indiana Jones se resumia a algumas cenas exibidas na Sessão da Tarde, me aventurei a fazer uma vistoria dos filmes do Spielberg protagonizados por esse mítico personagem de chapéu e chicote na mão. O bom e velho cinema de entretenimento nunca mais foi o mesmo e parece que não vai voltar a ser tão cedo.


Os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark, EUA, 1981)


Com certeza, ver esse filme hoje não é o mesmo do que presenciar o nascimento de um personagem que provocou uma revolução no cinema de entretenimento quando a década de 80 estava começando. O famoso arqueólogo surge numa aventura em plena América do Sul e logo será levado a procurar a lendária Arca Perdida, onde se acredita conter o que restou da tábua dos Dez Mandamentos. Mas também os nazistas estão atrás da relíquia, e é contra ele que o herói deve lutar (não esquecer que a trama se passa em 1936). O maior mérito do filme é que todos ali envolvidos parecem acreditar de fato naquela aventura, por mais absurda que seja (todo o desenrolar da história e as várias reviravoltas são sempre desenvolvidas de forma inteligente). Acredito que esse seja o maior elogio que um filme de aventura pode receber: não o fato de ser totalmente verossimilhante, mas o fazer acreditar nessa verossimilhança. Aqui, algumas seqüências deixam qualquer um de queixo caído: no início, o assalto ao bar que acaba em chamas, a briga aos pés do bimotor nazista e logo depois a perseguição ao caminhão que está levando a arca. E se o grandioso e inconfundível tema musical criado por John Williams já foi imitado diversas outras vezes, é aqui que ele apareceu pela primeira vez. O coração até bateu mais rápido!


Indiana Jones e o Templo da Perdição (Indiana Jones and the Temple of Doom, EUA, 1984)


Não é difícil imaginar a continuidade de um filme de aventura quando o primeiro da série fez tanto sucesso. Uma pena que, de início, O Templo da Perdição tenha os defeitos de um caça-níqueis com direito a vilões caricaturais (os chineses no bar), ações descabidas (a fuga do bar) e exploração de culturas exóticas (aqui a chinesa e indiana). A trama se passa um ano antes da aventura do filme anterior quando o Dr. Jones se vê perdido numa aldeia indiana marcada pela miséria, com crianças sendo raptadas e sacrificadas em rituais mágicos, depois que uma pedra sagrada foi roubada do lugar; nem é preciso dizer que sua missão passa a ser o resgate da pedra a fim de salvar a aldeia. Dessa vez, o inimigo são povos tribais antigos e seus rituais de sacrifício. A primeira metade do filme é enfadonha e precisamos suportar a irritante personagem de Kate Capshaw que, na tentativa de trazer alívio cômico ao filme, diminui muito o nível de inteligência dos diálogos. E convenhamos que a tentativa de causar impacto (e náusea) quando são servidos num jantar miolos de macaco, sopa de olhos, enguias vivas e coisas do gênero é extremamente apelativa e desgastante. Mas quando personagens descobrem o templo, a ação começa pra valer, vai até o fim e é adrenalina pura. Então o filme se transforma e o talento de Spielberg para construir cenas de ação, misturadas ao clima de terror macabro, eleva muito o nível do filme. De quebra, essas cenas são engrandecidas por uma excelente fotografia em tons fortes e pesados, bastante adequada à situação. Enfim, nem tudo estava perdido.


Indiana Jones e a Última Cruzada (Indiana Jones and the Last Crusade, EUA, 1989)


Se o segundo episódio pareceu que ia se tornar um desastre e foi salvo em sua metade, infelizmente o mesmo não se pode falar desse terceiro. O filme está sempre tentando levantar vôo, mas nunca consegue, principalmente por conta de um roteiro fraco e cheio de furos. Na nova empreitada, Indy precisa encontrar o Santo Graal (aquele usado por Jesus na Última Ceia) e resgatar o líder de uma expedição que havia começado a busca, líder esse que é justamente seu pai, interpretado por Sean Connery. O diferencial do filme é precisamente a relação familiar entre pai e filho, ao mesmo tempo em que passamos a conhecer um pouca mais da vida íntima de nosso herói. De fato, existe uma ótima química entre Ford e Connery, mas confesso que esperava mais sobre a relação dos dois personagens, que é discutida em alguns momentos, mas sempre acaba em tom cômico, nunca é aprofundada. Talvez essa seja uma cobrança descabida, já que estamos falando de um filme de aventura e não de um drama familiar, mas no fundo me pareceu uma oportunidade perdida, de transformar o filme em algo mais do que somente ação. Essa, inclusive, deixa muito a desejar. O filme não possui um terço do sentido de aventura e adrenalina dos três outros filmes e muitas das cenas de ação soam completamente inverossímeis (o que é aquele avião nazista em chamas passado dentro de um túnel ao lado do carro? E aquele encontro patético de Indy com Hitler? Só não invoco o nome de Cristo porque é uma blasfêmia). Até a música do grande Williams me pareceu mais chocha dessa vez. Uma pena para uma série que começou tão bem.


Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, EUA, 2008)


19 anos se passaram para que o arqueólogo-herói Indiana Jones nos voltasse em mais uma aventura. Nada contra as continuações mas a bronca em relação ao filme está mais ligada ao fato de a nova aventura não tiver outro propósito do que o lucro da produtora de George Lucas em cima de um personagem mítico. Digo isso porque o novo filme vem em doses cavalares de exagero propiciados por efeitos especiais que não estavam à disposição dos realizadores na década de 80 e que fazem o espírito de aventura dos primeiros filmes da série se perderem em meio a situações improváveis e um roteiro por vezes furado. Durante a Guerra Fria, nosso herói é convencido pelo jovem Mutt Williams (Shia LaBeouf) a procurar a lendária Caveira de Cristal, artefato mítico possuidor de grandes poderes, possivelmente encontrada por um outro arqueólogo amigo de Indy, o Prof. Oxley (um John Hurt totalmente subaproveitado). Logo, ele estará na selva amazônica atrás do objeto e tendo em vista o momento histórico da trama, dessa vez os vilões da história são os russos, personificados pela ambiciosa espiã vivida por Cate Blanchett. O desenvolvimento dos pontos do roteiro deixou há tempos de ser o forte dos filmes de aventura, que prezam mais pela ação despropositada capaz de impressionar pela grandiosidade e não pela veracidade (Exemplos do filme: a explosão nuclear ou a queda dos personagens num carro por três cachoeiras seguidas sem grandes lesões para ninguém). Mesmo assim, há boas surpresas como o reaparecimento da personagem de Karen Allen, que foi o interesse romântico de Indy no primeiro filme, e volta trazendo uma ótima surpresa: a notícia de que ele tem um filho. Daí surgem os momentos mais engraçados do longa. De qualquer forma, dá uma saudade enorme do senso de aventura do primeiro filme, mas no fim das contas, reféns que somos desse tipo de estrutura, vale a diversão e a torcida pelo sucesso dos mocinhos.


PS: A remasterização dos três primeiros filmes abusa demais dos efeitos especiais e acaba por minimizar um tanto o impacto de algumas cenas. Droga!

PPS: Uma característica que eu adoro no Spielberg, e que aparece em todos os filmes dessa série, é a utilização de sombras para causar efeitos vários, que nos remete diretamente à escola expressionista alemã. Maravilhoso!