domingo, 12 de outubro de 2008

Historietas

Foi minha amiga Indhira quem me lembrou que hoje é dia das crianças. Talvez por isso a tarde do sábado tenha sido reservada para filmes mais focados no universo infantil ou para esse público. Nada que criançonas como eu (nós) não possa prestigiar. Mas apesar da boa disposição do longa Pequenas Histórias para narrar suas historietas, foram os três curtas que fizeram a tarde valer a pena.

Icarus (SP/BR, 2007)
Dir: Victor Hugo Borges


Essa animação em stop-motion traz um garoto que imagina que em todas as noites seu pai visita seu quarto, mas ele sempre está dormindo. Com uma sutileza muito grande, o filme trata da perda e da solidão. Victor Hugo Borges já tinha feito Historietas Assombradas (para crianças malcriadas) (Veja aqui), exibido dois anos antes na Mostra, e capricha mais uma vez na composição das cenas, bastante detalhista nos mínimos objetos do quadro. O filme ainda celebra o poder da imaginação, como fuga da realidade, que parece se perder à medida em que vamos ficando mais grandinhos.


A Peste da Janice (RS/BR, 2007
Dir: Rafael Figueiredo


Numa escola só para meninas, a história da pequena Janice, de origem humilde, filha da faxineira, que ganha uma oportunidade de estudar junto com as garotas de classe alta. Tenta fazer amizade com Virginia, mas sofre com o abuso das outras meninas que sempre que tocam em Janice, dizem estar contaminadas com a peste, a peste da Janice. O filme nunca cai no óbvio, embora esteja lá a velha história da menina que se sente excluída no ambiente escolar. Por mais que Janice tente, ela sempre está à parte das brincadeiras; Virginia parece ser a única que pode quebrar esse gelo. O final deixa uma excelente interrogação sobre a possibilidade de compreender o próximo e sobretudo sobre a conquista da amizade. (Ver aqui)


Passo (SP/BR, 2007)
Dir: Alê Abreu


Esse curta bem curtinho (são 3 minutos) revela o processo de criação na mão daquele que faz o desenho. A gravura ganha movimento e cor na figura de um pássaro que procura fugir de uma gaiola. Uma animação das mais simples, com traçados finos e econômicos, que ainda traz uma surpresinha no final. Mais uma vez, nossa imaginação é celebrada, agora como metáfora do próprio pássaro que ganha a liberdade. (Ver aqui)


Pequenas Histórias (MG/BR, 2007)
Dir: Helvécio Ratton



Depois do duro e politicamente engajado Batismo de Sangue, apresentado ano passado na Mostra, o cineasta mineiro Helvécio Ratton volta o seu olhar para histórias mais leves, “causos” da cultura popular oral. O filme conta com uma personagem-guia (Marieta Severo) que narra histórias simples e do imaginário popular. Mesmo que pareça ser mais direcionado ao público infanto-juvenil, o texto é um tanto óbvio e as histórias não passam de engraçadinhas (por vezes um humor caricatural), outras um tanto bobinhas. E só!

A primeira é sobre um pescador (Maurício Tizumba) que encontra uma sereia (Patrícia Pilar) na beira do rio e em troca de pescaria farta, se casa com ela. Uma história um pouco longa para um desfecho bem fraco, acompanhado de lição de moral (é preciso tratar bem quem você ama!). Depois, um aprendiz de coroinha (Miguel de Oliveira) passa a se assustar com a terrível história da procissão das almas que toda última sexta-feira do mês aparece nas ruas. Nesse conto, a força da imaginação surge como viés para sustentar a fantasia e o medo do garoto.

Deixando o tom fabuloso, o próximo segmento mostra o encontro entre um Papai Noel desastrado e arrogante (Paulo José) com um menino de rua. Aqui, o tom fica mais piegas com direito, mais uma vez, a liçãozinha de moral (é preciso ajudar aos mais necessitados!) e final piegas. Por último, a história do atrapalhado Zé Burraldo (Gero Camilo), um sujeito cuja principal característica é sua burrice sem igual. Aqui temos talvez os momentos mais engraçados (a encenação da peça de teatro, por exemplo), embora o riso às vezes seja um tanto forçado. Mas me parece o melhor segmento.

O filme ainda faz uma homenagem à tradição da cultura oral responsável por passar adiante as histórias dos mais velhos. Logo de início, Marieta Severo indaga sobre a possibilidade daquele que conta o conto em “aumentar um ponto” e da recriação cada vez que alguém (ou a mesma pessoa) reconta a história. Além disso, a personagem aparece como uma costureira que trabalha numa espécie de colcha de retalhos e bordado enquanto narra os contos. Nada mais ilustrativo para um filme que se constrói a partir de pequenos fragmentos de história para formar um todo.

4 comentários:

Indhira A. disse...

Acho que toda tarde com cinema vale a pena. Ou seria todo dia com cinema? Bem, o fato é que nosso Dia das Crianças foi bem engraçadinho. Gostei muito de Icarus, dei boas risadas nos contos do Ratton, apesar da obviedade de alguns , como você ressaltou muito bem - eu destaco o conto do papai noel, com um humor mais irônico, mais minha cara... rsrs
Mas a noite do dia das crianças foi muito melhor, rs. Aguardo ansiosa a crítica sobre Crítico!
beijos, Rafa!

Anônimo disse...

Não sabia que "Pequenas Histórias" era do Helvécio Ratton, por isso mesmo a decepção deve ser ainda maior. Enfim, nenhuma expectativa...

Anônimo disse...

A Peste da Janice tem uma história triste de tentativa de conquista de amizade, mas é intrigantemente sutil quando se chega o final. A fotografia é bem trabalhada, deixando um pouco de melancolia e mesmo tristeza na tela.

Rafael Carvalho disse...

É Indhy, tirando alguns momentos bem fraquinhos e óbvios do filme do Ratton, a tarde foi bem legal mesmo. E diferente das outras, essa foram três curtas (muito bons, por sinal).

Não acho que a decepção seja maior por saber que é dele não Vinícius, não sou dos maiores fãs de seus filmes. Batismo de Sangue é um bom filme e só!

Iulo, pensei que no final teria uma resolução (se ela passaria a peste ou não), mas me surpreendi com a interrogação deixada, fica algo para a gente pensar.