quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Faltou amor

Os Homens que Não Amavam as Mulheres (Män Som Hatar Kvinnor, Suécia/Dinamarca/Alemanha, 2009)
Dir: Niels Arden Oplev


Incrível como me bateu uma forte impressão de história mal adaptada depois que eu vi esse Os Homens que Não Amavam as Mulheres, muito embora eu nunca tenha lido uma linha sequer do livro original em que se baseia o filme (faz parte da Trilogia Millennium – já encaminhada para o cinema – que faz enorme sucesso na Suécia).

Comparações pouco positivas com os livros de Dan Brown que ganharam as telonas (O Código Da Vince e Anjos e Demônios) só reforçam o sentido negativo que o projeto possui. Então, uma pergunta: por que adaptar um material desse? Resposta: faz sucesso e vende ingresso. Até mesmo na Suécia!

O problema do filme é que ele parece depender demais de coincidências e acasos para resolver sua trama de mistério que nem envolve tanto mistério assim. O jornalista Mikael (Michael Nyqvist), acusado por calúnia e difamação, é contratado por um rico empresário para desvendar o misterioso desaparecimento de sua sobrinha, há 36 anos antes. Ele, então, viaja para a ilha onde a moça foi vista pela última vez e vai contar com a ajuda de uma investigadora (Noomi Rapace) bastante peculiar em seus métodos.

Existe ainda uma enxurrada de personagens que o roteiro não dá conta de desenvolver satisfatoriamente pelo simples fato de serem muitos. As histórias de alguns deles nem soam tão interessante assim, ou pelo menos não parecem ter tanta importância na trama. O jornalista, por exemplo, enfrenta um caso na justiça, que logo é totalmente esquecido pelo roteiro. A ajudante dele mantém uma relação de dependência com um homem mais velho que chega ao ponto de sadomasoquismo, mas não contribui em nada com o andar da narrativa.

E a própria investigação do desaparecimento parece um tanto desamarrada porque os personagens precisam fazer elucubrações mirabolantes para alcançar determinadas conclusões (sempre certeiras). Sem isso, o filme não conseguiria avançar, mas é uma pequena que o jogo de descobertas e intrigas seja tão frustrante.

Por isso mesmo, quando o filme aposta na atmosfera de mistério, é difícil criar identificação e curiosidade para novas reviravoltas. A narrativa segue cansativa em suas quase 2 horas e meia, embora exista bons momentos de suspense em algumas partes do filme.

Nesse sentido, o filme transcorre como uma sucessão de fatos que precisam se encadear somente, sem transparecer aquela vontade de contar bem uma história, explorando os recursos do audiovisual. Enfim, falta amor.


PS: O pior de tudo é saber que o filme já tem uma refilmagem garantida em Hollywood, não se sabe com que propósito se esse filme já possui um apelo tão comercial. E o diretor é David Fincher. Será que ele tá precisando tanto assim?

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Elegante assassinato

Quem Matou Leda? (À Double Tour, França, 1959)
Dir: Claude Chabrol



Se as atenções em torno do marco inicial da Nouvelle Vague reincidem bastante sobre Truffaut e Godard, há de se fazer jus a outros cineastas que deram impulso ao movimento, em especial se pensarmos no ano de 1959, considerado o ponto de partida da escola francesa. Chabrol seria uma dessas peças fundamentais, o primeiro dos novos cineastas a lançar um longa de ficção (Nas Garras do Vício, em 1958). Quem Matou Leda? foi feito em seguida e acompanha a nova safra de grandes filmes franceses que seriam realizados a partir de então.

O filme, pouco conhecido dentro da vasta obra do cineasta, é uma maravilha de mise-en-scène, numa composição interessantíssima de personagens que ultrapassa o próprio mistério do filme. Na verdade, o título original em português subtende um assassinato que só vai ocorrer depois da metade da narrativa e se soluciona pouco tempo após.

Antes disso, somos apresentados a uma família burguesa que logo transparece seus relacionamentos frágeis. O patriarca Henri mantém um caso extra-conjugal que é do conhecimento de todos na família. A esposa fica cada vez mais transtornada com isso, enquanto o casal de filhos parece indiferente com a situação. É o noivo tresloucado da filha que, quando chega, expõe claramente toda a hipocrisia velada que toma conta daquele ambiente.


E esse personagem vai se tornar ponto central da história. Interpretado por um Jean-Paul Belmondo inspiradíssimo, ícone da Nouvelle Vague (mais conhecido por ter protagonizado Acossado), surge como um oportunista, mal educado e bon vivant. É um corpo estranho dentro daquele ambiente burguês em que tudo precisa transparecer limpeza e sofisticação (o que aproxima muito o trabalho de Chabrol com o de Luís Buñuel). Mas é o mais coerente de todos, além de sua sinceridade torta e muitas vezes descabida.

O cineasta, fascinado pelo trabalho de Hitchcock, vai se utilizar largamente da atmosfera do mistério (espelhada em toda sua filmografia), mas ao mesmo tempo fazer jus a seu próprio estilo que começa a ser construído ali. O cinema do Chabrol se revela muito elegante na forma como conduz os planos, com movimentos de câmera e ângulos sempre bem trabalhados, mas que nunca se tornam exibidos; eles nunca querem roubar a atenção do filme.

Chabrol constrói, portanto, um percurso cujas peças vão se montando calmamente (com a ajuda de dois importantes flashbacks dentro do filme), sempre apegado em pequenos detalhes, enquanto os personagens vão demonstrando sua verdadeira importância dentro da narrativa. A maestria do cineasta está em revelar, aos poucos, as verdadeiras faces da personalidade humana, sempre da forma mais sofisticada possível.


PS: Agradeço o convite do Janela Indiscreta para comentar o filme na sessão dessa terça-feira. A discussão foi bem produtiva.

sábado, 7 de agosto de 2010

Curtinhas

A Bela da Tarde (La Belle de Jour, França, 1967)
Dir: Luis Buñuel


Luis Buñuel adorava espinafrar a classe burguesa, esse era um deus principais temas e preocupações. Em A Bela da Tarde ele utiliza o tema da perversão sexual, de uma mulher casada, para esse intento, tentativa bem-sucedida de bater de frente com o conservadorismo de uma classe alta tão cheia de “princípios” em plenos anos 60. Embora esteja longe de ser um dos meus favoritos do diretor, A Bela da Tarde vale muito por mexer, de forma sóbria e ao mesmo tempo complexa (porque aborda a psicologia e a sexualidade humanas), com aquele estilo direto do diretor.

Catherine Deneuve, poucos anos depois de interpretar a frígida protagonista de Repulsa ao Sexo, do Polanski, personifica essa mulher que, um tanto infeliz no casamento, procura satisfazer seus desejos indo trabalhar num bordel de luxo; mas ela só pode à tarde, ninguém deve suspeitar disso. Buñuel, nunca escandaloso, não possui intenção nenhuma de chocar para chamar atenção para o filme. Sua veia surrealista surge nas divagações sexuais da protagonista, e ainda prega peças no espectador pois muitas vezes não conseguimos distinguir se aquilo acontece no plano psicológico ou não. Mais um belo jogo proporcionado pela mente humana e pelo mestre espanhol.


Sempre Bela (Belle Toujours, França/Portugal, 2006)
Dir: Manoel de Oliveira


Quanta elegância, Sr. de Oliveira. A idade avançada do realizador perece ser o principal fator para tamanho talento e segurança na condução de um filme. Ao mesmo tempo, é tarefa arriscadíssima assumir a continuação de um clássico absoluto do cultuado cineasta Luis Buñuel em sua fase francesa surreal. Oliveira, espertíssimo, soube resgatar a história da mulher casada que passava as tardes num bordel para satisfazer seus desejos. Mas agora o foco do filme não é mais a mulher, ou pelo menos não é a protagonista, lugar esse ocupado por Henri Husson (Michel Piccoli, reprisando seu papel no filme anterior), que reencontra Séverine (agora vivida por Bulle Ogier) depois de muito tempo.

Longe de copiar a escrita direta e pontuada de surrealidade de Buñuel, Oliveira faz jus a seu próprio estilo de filmar: nada transcorre apressadamente, os planos são longos e fixos, o texto é conciso, tudo é econômico. É também um filme sobre uma busca pois Henri, ao ver Séverine num teatro, perde-a de vista e passa a rondar Paris à busca da mulher de seu amigo que, outrora, sob indicação sua, foi trabalhar no bordel. Portanto, conhece o segredo daquela mulher. Nesse caminho, o personagem mantém diálogos interessantes com outras pessoas num bar, como o barman e duas velhas prostitutas; falam sobre amor, tempo, juventude, assuntos que poderiam soar ocasionais se não dissessem tanto sobre os personagens. A direção de arte também faz um belo trabalho, em especial na sequência final do jantar, em que, aí sim, Oliveira evoca Buñuel na dúvida que permanece.


Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, EUA, 2010)
Dir: Tim Burton


Esse filme de Tim Burton soa estranhamente como uma continuação de algum filme anterior que pouca gente parece ter visto. Esse “filme” anterior parece ser o próprio livro homônimo de Lewis Carol que é a base de toda a história. Mas aqui, Alice já está crescida e retorna ao mundo da fantasia depois de já ter estado por lá. Agora, surge como a “escolhida” para derrotar as forças do mal e devolver o poder ao lado do bem (o que me lembrou estranhamente As Crônicas de Nárnia, numa referência pouco positiva).

Parece que Tim Burton não quis fazer mais um filme sobre a menininha curiosa e de mente completamente fértil que adentra um lugar misterioso, muito embora talvez isso fosse bem mais fiel ao universo cinematográfico do diretor. Desde o início eu estava achando estranho o tom de aventuresco do longa e é assim que ele se apresenta. Dessa forma, a obra perde todo o subtexto do poder da imaginação, deixando para trás o misto de encantamento e estranheza de sua protagonista, apostando numa história que se quer épica. Alem disso, a roupagem visual é carregada demais. A fantasia perdeu o encanto.


O Escritor Fantasma (The Ghost Writer, Reino Unido/França/ Alemanha, 2010)
Dir: Roman Polanski


Polanski continua afiadíssimo. Seu mais novo projeto, finalizado pouco antes da reviravolta que o levou à prisão recentemente, é um thriller de competentíssimo apresentado da forma mais clássica possível, adotando aquele ar de puro mistério, recheado de intrigas e suspeitas que podem vir de qualquer parte. No fim das contas, a narrativa é muito simples, nada de grandes surpresas ou reviravoltas megalomaníacas, mas é a partir daí que ele leva seu protagonista, o escritor por encomenda vivido por Ewan McGregor a adentrar o mundo sombrio de Adam Lang (Pierce Brosnam, em ótima performance), um político de rabo preso recentemente sob a mira da mídia por seus negócios escusos.

Polanski tem um ótimo roteiro em mãos e faz com que a narrativa evolua mantendo sempre o interesse na história, à medida em que cresce a tensão, ajudada muito por uma fotografia carregada num tom de azul sombrio. O filme parece reviver os bons tempos de Chinatown ou mesmo do mais recente Busca Frenética, para apostar em momentos de pura tensão. A cena do bilhete passando de pessoa a pessoa (numa última revelação importante) só não é melhor que a cena final, um lembrete de que as consequências pela descoberta da verdade podem ser gravíssimas.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Filmes de julho


1. O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus (Terry Gilliam, Reino Unido/Canadá/França, 2009) **

2. Busca Frenética (Roman Polanski, EUA, 1988) ****

3. A Tortura do Silêncio (Alfred Hitchcock, EUA, 1953) ***½

4. A História Oficial (Luis Puenzo, Argentina, 1985) ****½

5. O Rei da Comédia (Martin Scorsese, EUA, 1982) ****

6. Pacto de Sangue (Billy Wilder, EUA, 1944) ****½

7. Noites de Circo (Ingmar Bergman, Suécia, 1953) ****

8. O Túmulo dos Vaga-Lumes (Isao Takahata, Japão, 1988) ***½

9. Toy Story 3 (Lee Unkrich, EUA, 2010) ****

10. Nazarin (Luis Buñuel, México, 1959) ****½

11. Alice no País das Maravilhas (Tim Burton, EUA, 2010*) **

12. Quase Famosos (Cameron Crowe, EUA, 2000) ****

13. Zona Verde (Paul Greengrass, EUA/Reino Unido/França/ Espanha, 2010) ***½

14. Soul Kitchen (Fatih Akin, Alemanha, 2009) ***½

15. Vidas que se Cruzam (Guillermo Arriaga, EUA/Argetina, 2008) **

16. O Preço da Traição (Atom Egoyan, EUA/Canadá/França, 2009) **½

17. O Búfalo da Noite (Jorge Hernadez Aldana, México, 2007) *

18. Os Homens que Não Amavam as Mulheres (Niels Arden Oplev, Suécia/Dinamarca/Alemanha, 2009) **

19. Os Palhaços (Frederico Fellini, Itália/França/Alemanha Ocidental, 1970) **½

20. Atravessando a Ponte – O Som de Istambul (Fatih Akin, Alemanha/Turquia, 2005) ****

21. Direito de Amar (Tom Ford, EUA, 2009) ***


Revisões:

22. À Prova de Morte (Quentin Tarantino, EUA, 2007)

23. Filhos da Esperança (Alfonso Cuarón, EUA/Reino Unido, 2006)