segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Panorama Coisa de Cinema – Parte I

Com a abertura da 7º edição do Panorama Coisa de Cinema (site aqui) na última quinta-feira, dou início (já atrasado) aos posts com os filmes que eu vou vendo. Como fui selecionado para integrar o júri jovem, que escolhe o melhor longa e curta da Competitiva Nacional, não quero escrever sobre os filmes dessas seleções. Depois que o evento terminar, publico minhas impressões sobre esses filmes. Até então, ficamos com esses aqui:


Morrer como um Homem (Idem, Portugal/França, 2009)
Dir: João Pedro Rodrigues


Morrer como um Homem, assim como O Fantasma (texto abaixo), ambos do português João Pedro Rodrigues, parecem filmes muito melhores um tempo depois de vistos do que durante as sessões. É preciso considerar o universo particularíssimo do cinema desse diretor, tanto temática quanto estilisticamente. No caso deste filme, adentramos o universo da transexual Tônia (Fernando Santos), veterana das casas de shows de Lisboa.

Mais que isso, encontramos essa personagem em momento de decadência, tendo de se esforçar para lidar com o namorado viciado em heroína, Rosário (Alexander David), as relações com um filho misterioso sempre fugindo dela (com nossa suspeita de que sequer ele exista), os conflitos com as outras “garotas” da casa de shows e as próprias limitações de seu corpo que já reclama das transformações a que ela se submeteu (silicones que vazam dão muita angústia nesse sentido).

Rodrigues filma com uma segurança incrível os caminhos tortos que essa personagem vai percorrendo, entrelaçada pela culpa católica que ela carrega pelos atos em prol da afirmação de sua sexualidade. Com seus habituais planos longos e tempos mortos, o diretor, além de dar consistência aos dramas dessa sua personagem que já percebe estar numa espécie de ato final de sua própria vida, encontra momentos dos mais nonsense (como o encontro com duas outras transexuais em sua residência no meio de uma mata) e até mesmo fantasiosos (a cena do canto na floresta, por exemplo, que é sublime de tão inusitado e bonito).

O filme só tem a ganhar com tudo isso porque passa do registro real puro e simples da decadência dessa personagem para complexificar ainda mais sua relação consigo mesma e com os que a rodeiam. Ao mesmo tempo, existe toda uma espécie de calmaria e aceitação do fim, apesar de tudo. Se Tônia pretende morrer como um homem, ela permanecerá “viva”, porque lembrada por sua arte, como a mulher que assim se fez reconhecer.


O Fantasma (Idem, Portugal, 2000)
Dir: João Pedro Rodrigues


O que durante a exibição de O Fantasma poderia parecer voltas em torno de uma mesma ideia, foi se revelando algo muito mais pertinente dentro da narrativa. Essa primeira impressão que eu tinha ao ver o filme foi se esvanecendo à medida em que se percebe a importância de uma progressão para a construção desse personagem.

Estamos falando do solitário Sérgio (Ricardo Meneses), catador de lixo em Lisboa que vive à procura de aventuras sexuais com homens desconhecidos, sempre com contornos mais fetichista. E o filme se concentra por muito tempo nos encontros casuais (e mesmo arriscados) do personagem. Ele não possui amigos, e sua companheira de trabalho, que parece se interessar por ele, não encontra o mesmo retorno afetivo.

João Pedro Rodrigues não tem receio de mostrar cenas bem explícitas de sexo, filmadas com rigor ao mesmo tempo que soam muito naturais na narrativa, sem gratuidade. Há poucos diálogos no filme todo também, reforçando a ideia de concentração nas ações sexuais e, principalmente, de solidão como um todo. A necessidade pelo sexo a que Sérgio precisa tanto dar vazão pode ser visto pelo fator instintivo, e o filme revela isso através da forma como ele, muitas vezes, age como um cão, tendo na irracionalidade animal uma representação muito pertinente a ele.

Os perigos que Sérgio corre por conta dessas aventuras (e os que ele inflige aos outros) ganha contornos de degradação moral e perversidade, fazendo esse personagem ir se “transformando” (inclusive, com distinção física) num ser que mais se assemelha a um bicho em busca do prazer, mesmo que a contragosto dos outros. Mas a ideia de “fantasma” é ideal para esse jovem que, à margem da sociedade, parece se refugiar na sombra, encontrar seu lugar nos lugares mais sujos e degradantes, para satisfazer sua loucura, à margem da sociedade.

5 comentários:

Wallace Andrioli Guedes disse...

Rapaz,
sou uma negação para filme português, vi uns 2 do Manoel de Oliveira e só. Tenho esse O FANTASMA aqui em casa, e seu texto aumentou meu interesse com o filme.

Anônimo disse...

putz, não vi nenhum filme dele, apesar de te-lo conhecido pessoalmente...manda seu e-mail rafa para te mandar o link do TT para vc fazer suas consideraçoes profissionais.
geoneri23@yahoo.com.br

Rafael Carvalho disse...

Wallace, também tenho essa falta na minha vida, fora algumas coisas do Manoel de Oliveira, referência suprema nesse quesito, claro. Mas gostei muito dos cinema seguro do João Pedro Rodrigues e agora devo embarcar em algumas coisas do João César Monteiro. Os gajos são bons, viu!

Grande George, o cinema do cara é bem consistente, viu! Vale a pena dar uma procurada depois. Vou entrar em contato contigo, sim.

Carlos Natálio disse...

Aconselho Miguel Gomes, Teresa Vilaverde e claro, João Canijo! Saudações de Portugal!

Rafael Carvalho disse...

Opa, obrigado pelas sugestões, Carlos. Do Miguel Gomes conheço e gosto de Aquele Querido Mês de Agosto, o único dele que chegou por aqui. Não sei se ele tem muito mais coisa, mas enfim. Já ouvi falar da Teresa Vilaverde, mas não desse João Canijo. Tem muita coisa boa por aí, viu! Recentemente tenho visto algumas coisas do João César Monteiro. Abraços e volte sempre.