quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Memória viva

As Praias de Agnès (Les Plages d’Agnès, França, 2008)
Dir: Agnès Varda



Agnès Varda faz parte de um seleto grupo de cineastas já velhinhos (Alain Resnais, Manoel de Oliveira) que, mesmo com a idade avançada, ainda filmam com vigor e jovialidade bonitos de se ver. Do pedantismo que se podia esperar, eis que a única mulher da Nouvelle Vague nos entrega um filme sincero e cheio de vida, surpreendente ainda mais por ser um retrato autobiográfico.

Esse tipo de projeto, tão pessoal assim, parece um prato cheio para que qualquer um se perca nas próprias reminiscências. Mas Varda sabe como ninguém explorar os fatos de sua vida sem o menor traço de lamentação ou mesmo de bajulação. Muito pelo contrário, aquela senhora “velhota, roliça e tagarela”, como ela mesma se autodenomina no início do filme, reserva muita ternura e graça para falar de si mesma e dos momentos que marcaram sua carreira, essa que se confunde com a própria Nouvelle Vague.

Varda se mune de fotografias antigas, trechos de filmes e depoimentos (atuais ou gravados há tempos) como faria qualquer outro documentarista. A diferença está na forma como ela apresenta e intercala esses elementos, dramatizando algumas poucas coisas, brincando com os objetos em cena, fundindo imagens, projetando outras em algum ponto do quadro, emprestando seu próprio corpo para relembrar momentos específicos, seja numa balsa, sentada na areia fina, na barriga de uma baleia de pano montada na praia, no pátio da antiga casa reconstruído num estúdio. Enfim, é um filme de entrega.

O melhor, no entanto, é o texto fluido e pontuado de sutilezas e poesia que ela vai costurando (“Se abríssemos as pessoas, encontraríamos paisagens. Mas se abrissem a mim, encontrariam praias”, explica assim o título do filme, revelando sua fascinação por esses lugares). Dessa forma, faz do filme uma surpresa a cada nova cena, em paralelo a uma montagem esperta e dinâmica.

Assim vai se revelando a infância da cineasta, sua transição da fotografia para o cinema, expõe momentos de emoção pura, quando, por exemplo, fala de seu companheiro de longa data, Jacques Demy, também cineasta da Nouvelle Vague (dentre os mais famosos de seus trabalhos, Os Guarda-Chuvas do Amor e Lola, A Flor Proibida) que só a morte os separou. Sabe rir de si mesma e valorizar os vários amigos que a ajudaram nos seus mais diversos projetos.

Varda filma como se a Nouvelle Vague tivesse começado há alguns anos, com sua anarquia, desprendimento e gosto pela experimentação. Mesmo tendo estreado no Brasil com grande atraso (o filme é de 2008), e pouco visto e discutido, As Praias de Agnès revela, mais uma vez, a veia poética da grande cineasta por trás e à frente das câmeras, num documentário lúdico-lúcido dos mais inesperados e gratificantes dos últimos tempos, uma ode ao cinema e ao recordar.

2 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Preciso conhecer melhor o cinema de Varda.
Belo post!

Cumprimentos cinéfilos e Feliz 2012!

O Falcão Maltês

Rafael Carvalho disse...

Antonio, eu também preciso ver mais coisas dela. O filme de estreia, Cléo das 5 às 7, é bem bom.