quinta-feira, 21 de agosto de 2008

3X Sidney Lumet

Dono de obras-prima que fizeram a fama desse cineasta décadas atrás, seus filmes vinham caindo nos últimos anos. Mas seu mais novo trabalho veio provar que o velho Lumet ainda continua duro na queda e que por trás das histórias simples há sempre algo de complexo. Os três filmes abaixo são prova disso.

Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon, EUA, 1975)


Esqueça os assaltos a banco bem articulados, os planos perfeitos, os bandidos durões e mal encarados. Lumet se utiliza desse quase gênero para alcançar outro patamar de cinema em que o ato criminoso possui razões mais humanas, mas nem por isso menos condenável. O propósito de Sonny, interpretado por Al Patino (em grande fase depois de Serpico (também do Lumet) e das duas partes de O Poderoso Chefão), era praticar o assalto em 10 minutos (a fim de pagar a operação de troca de sexo de seu amante gay!), mas o ato chama a atenção da polícia que cerca o local e toda a cidade passa a saber do acontecido. Começa o dia de cão. Sem pressa nenhuma de desenvolver a narrativa, e também seus personagens, Lumet mantém a tensão sempre em alta (e isso sem nenhum acorde de trilha sonora), e ainda consegue partir para a comédia facilmente. Mas é o roteiro que consegue amarrar tão bem o filme nunca soando cansativo, pois a cada momento algo novo e surpreendente acontece, da forma mais plausível (e estamos também falando de um caso real). A edição ágil contribui muito para isso e cria momentos vibrantes e inesquecíveis (a cena do tiro dentro do banco e a emboscada no carro). Além disso, o texto se utiliza da situação para mostrar o quanto a mídia consegue tornar tudo em um espetáculo a ponto de influenciar a opinião pública a favor de Sonny (ele se torna quase um herói ao invocar a Rebelião no presídio de Attica que em 1971 deixou dez reféns mortos). Existem mesmo vários filmes geniais de assalto, mas com certeza esse aqui só pode ser um dos melhores já feitos.


12 Homens e uma Sentença (12 Angry Men, EUA, 1957)


Este filme marca o início da carreira de Sidney Lumet de forma bastante arriscada. Numa adaptação de uma peça teatral, toda a ação se passa dentro de uma sala onde 12 jurados de um tribunal irão decidir se um jovem é culpado pela morte do pai. E o Urso de Ouro que o filme venceu parece validar a incrível experiência que o filme proporciona. O que poderia se tornar enfadonho, ganha ares de complexidade quando um dos membros do júri (Henry Fonda) passa a acreditar na possibilidade de o rapaz ser inocente e, contrário à opinião de todos os outros, vai tentar reverter a situação e convencer a todos a mudar o veredicto para que o caso continue em investigação. Com um excelente roteiro nas mãos, o filme é um verdadeiro estudo sobre a moralidade que cresce em complexidade pela forma inteligente e profunda com que é tratada, mas nunca enfadonha. Lumet ainda consegue trabalhar muito bem com a noção de espaço ao dirigir seus atores em cena (algo que ele sempre soube fazer), com destaque para Lee J. Cobb cujo personagem se mostra o mais reticente em aceitar a possibilidade de inocência do réu. Mais uma vez, a narrativa se desenvolve sem pressa e à medida que nos apresenta as circunstâncias do caso que estão analisando, podemos fazer também um estudo daqueles personagens ali reunidos. Uma estréia digna de um grande autor.


Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (Before the Devil Knows You’re Dead, EUA, 2007)
Dir: Sidney Lumet


Por trás da história dos dois irmãos que arquitetam um plano para assaltarem uma joalheria, existe um forte drama familiar. É nessa sacada do roteiro que reside o grande charme do filme. Hank (Ethan Hawke), divorciado, tendo de pagar pensão à filha e abarrotado de dívidas, não resiste ao convite do irmão Andy (Philip Seymour Hoffman), um rico porém infeliz empresário, para cometer o tal crime e verem seus problemas financeiros diluírem. Engrossa ainda o elenco Marisa Tomei, esposa de um, amante de outro, além de Albert Finney como o pai dos dois. Com um time desses, o filme vai longe. Apresentando uma narrativa totalmente não-linear, o veterano diretor Sidney Lumet investiga as conseqüências trágicas e inevitáveis das ações egoístas e rancorosas de seus personagens, encontrando na desestruturação familiar seus principais motivos. Não é à toa que a frase que serve de epígrafe ao filme é na verdade um aviso: “Que você esteja no paraíso por meia hora antes que o diabo saiba que você está morto”. A partir daí, pode não haver mais volta.

8 comentários:

Anônimo disse...

Com muito lamento, confesso que nunca assisti aos três filmes resenhados no post. Só conheço a refilmagem feita para a TV do clássico "12 Homens e uma Sentença", com Jack Lemmon no papel que foi do Henry Fonda.

Bom final de semana!

Anônimo disse...

Desses, ainda não vi "12 Homens e uma Sentença", ainda que seja considerado o maior clássico do diretor. "Um Dia de Cão" é tudo isso que você falou e um pouco mais, um filme genial. Já o mais recente trabalho do Lumet merece lugar entre seus melhores também.

Társis Valentim Pinchemel disse...

eu sou muito incompetente mesmo. a mesma desatenção que carrego para autores se transfere para diretores. acho que só tenho a manha de lembrar dos compositores mesmo.

mas o fato é que "Um Dia de Cão" e "12 Homens e uma Sentença" são alguns dos meu filmes prediletos, daqueles que já vi mais de 3 vezes (só não supera Mad Max que já perdi as contas)e mesmo assim não me ligava que era o mesmo diretor.

Esse de 2007 tem nome de filme que eu gosto, vou procura-lo já.

Cine Ôba! disse...

Um dia de Cão é uma obra prima! tudo quase perfeito, atuações, roteiro, direção...

os outros dois filmes ainda não vi, mas se forem do mesmo nível de Um dia de cão, já sei que são clássicos!

Gustavo Madruga

fabiana disse...

Totalmente excelentes!

pseudo-autor disse...

Uma trinca imperdível para os fãs do bom cinema! Lumet é um senhor que me agrada muito (a sua maneira de pensar a sétima arte é sempre eletrizante). Um Dia de Cão é simplesmente o melhor e sempre será, acho difícil ser batido algum dia. Recomendo Sérpico e Rede de Intrigas (esse último para ser assistido com toda a calma que merece. É sublime!).

Mídia e cultura:
http://robertoqueiroz.wordpress.com

Rafael Carvalho disse...

Pois então Kamila, todos os filmes são altamente recomendados, quando tiver a oportunidade não perca de vê-lo. E não sabia que havia uma refilmagem de 12 Homens e uma Sentença para a TV. Sei que existe uma dapatação russa para o mesmo filme chamado "12". Foi, inclusive, pré-selecionado pelo Oscar na categoria de Filme Estrangeiro esse ano se não me engano.

Então Vinícius, muitos consideram 12 Homens e uma Sentença o melhor Lumet, mas Um Dia de Cão me impressionou muito mais enquanto narrativa, embora o outro seja bastante marcante. E mesmo depois de anos, o Lumet mostra que ainda é um grande cineasta.

Tá vendo aí Társis? Às vezes a gente não faz mesmo esse tipo de conexão entre os diretores e os vários filmes deles. Eu é que tenho essa mania de sempre ligar o filme ao diretor. E assita mesmo o mais novo trabalho dele (pelo nome, muita gente acha que é de terror) e veja como o cara ainda tá afiado.

Obra-prima mesmo Gustavo, desses que à primeira vista parecem somente mais um filme bom e na verdade é um colosso.

Totalmente Fabiana.

Roberto, como eu tava dizendo, muita gente acha 12 Homens e um Segredo o melhor dele, mas Um Dia de Cão para mim é impatível também. E Rede de Intrigas foi o primeiro Lumet que eu vi, mas faz um tempinho. Sei que gostei muito na época. Serpico ainda estou à procura.

Ygor Moretti disse...

Adorei esse filme, confesso que no inicio0 foi um daqueles que vc quer ver pelo titulo rss , mas observando o elenco e sabendo quem é o diretor do filme vc encontra varios outros motivos pra ver o filme e ao final conferir um otimo trabalho.

Abraço e ate mais.