sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Em desarmonia

Biutiful (Idem, Espanha/México, 2010)
Dir: Alejandro González Iñárritu


Biutiful é um projeto bastante distinto dentro da filmografia do cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu. Em parceria com o roteirista (e hoje também diretor – bem fraquinho, diga-se de passagem) Guillermo Arriaga, o cineasta conduziu filmes em que a trajetória de determinados personagens se entrecruza na narrativa (o que, de alguma forma, acabou popularizando os filmes de histórias paralelas).

Aqui, Uxbal (Javier Bardem) precisa cuidar dos dois filhos pequenos, lidar com a ex-mulher desequilibrada, com os negócios escusos de exploração do trabalho de imigrantes ilegais e ainda com seus poderes mediúnicos. Tudo se intensifica quando descobre um câncer de próstata incurável que promete lhe matar em dois meses.

Assim, Biutiful parecia ser uma investida por novos ares. Diferente dos demais, o diretor se apega a esse personagens com todas os obstáculos que ele traz. Se por um lado isso é bem agradável, o resultado não é dos mais satisfatórios. A história parece perdida em suas próprias possibilidades, que se abre para muitas nuances e oportunidades, mas são bastante mal aproveitadas.

Dessa forma, o filme acaba forçando situações que se querem profundas e carecem de maior desenvolvimento. Talvez a maior delas seja o dom de Uxbal de se comunicar com os mortos, muito embora a prática não lhe agrade tanto (mesmo que tenha de se servir dela para conseguir uma grana extra). O fato de estar perto de morrer torna tudo mais interessante, mas o filme parece se esquecer disso, dando pouco valor a essa questão, tratando-a como um simples detalhe.

Já outras situações beiram a gratuidade, como o relacionamento gay entre os chineses donos da fábrica ou o caso da ex-mulher de Uxbal com seu irmão ou a relação nunca muito clara com o pai já falecido. Na realidade, o filme faz seu protagonista passear por várias situações complicadas sem nunca aprofundar um ponto específico, em busca de uma certa poesia alcançada através da brutalidade. Cansa um pouco.

E Iñárritu filma bem, com uma câmera nervosa na mão, sem chamar muita atenção para si mesma, que condiz muito bem com a situação limite de seu protagonista. Há ainda o fator humanista que sempre se faz presente em seus trabalhos, com destaque para os trabalhadores ilegais que tentam sobreviver nas grandes cidades europeias, muito embora o filme sabe ser duro com seus personagens. O grande problema de Biutiful é que ele aposta demais na força de sua história, sem desenvolvê-la.

É possível dizer, então, que a maior força do filme reside na atuação potente de Javier Bardem. O ator confere nuances ao protagonista, um grande e complexo personagem, sem torná-lo maniqueísta em momento algum. Transita do mais cruel ao mais arrependido, sem nunca forçar. E merece palmas também Maricel Álvarez, como a ex-mulher de Uxbal, passeando entre o desequilíbrio e o carinho pela família.

Começando como uma bela promessa de novos ares e expondo cada vez mais um projeto frouxo, Biutiful desperdiça duas horas e meia de duração. Em vários momentos, a história promete engatar, mas não passa disso. Existe muito coração em todo o filme, mas não segura sua narrativa. É tão falho quanto a grafia acidental do título.

3 comentários:

Wallace Andrioli Guedes disse...

Sou daqueles que, apesar de reconhecerem os problemas do cinema do Iñarritu, ainda assim curtem seus filmes. Gosto muito de AMORES BRUTOS e enxergo qualidades em 21 GRAMAS e BABEL. E aguardo ansiosamente por esse BIUTIFUL, até pela presença geralmente marcante do Bardem em cena.

Kamila disse...

Quero ver este filme por causa dos dois profissionais principais envolvidos nele. Mas, a impressão que me dá é a de que o Inarritu, desde "Babel", perdeu muito a mão...

Rafael Carvalho disse...

Wallace, por mais que a atuaçao do Bardem seja realmente impressionante, uma das melhores de um ano que promete, achei o filme muito solto, como que atirando para vários lados. Imaginei que o Iñárritu fosse se recuperar com esse filme, um decepçao. Mas veja e depois volte aqui para dar sua opniao.

Kamila, nao sei se o diretor tenha perdido a mao, acho que ele filma muito bem, aqui até melhor do que em Babel, mas a história nao ajuda muito, acho por demais solta, atirando para vários lados. Ele precisa de um bom texto. Mas o Bardem é a alma do filme, com cereteza.