sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Mostra de Tiradentes – Parte III


Revoada (Idem, Brasil, 2014)
Dir: José Umberto Dias 
 
Ao apresentar seu filme na Mostra Autorias, reservado a cineastas veteranos, o cineasta José Umberto Dias fez uma relação entre a arquitetura e arte barrocas vistas em Tiradentes com a estética de seu próprio filme. Nada mais apropriado, pois Revoada alimenta-se do excesso e do rebuscamento formal para olhar para o fim do cangaço, tema tão caro ao cineasta.

O filme acompanha um grupo de cangaceiros liderados por Lua Nova (Jackson Costa). Eles recebem a notícia da morte de Lampião e seu bando. Resta então seguir em fuga ou partir para o enfrentamento, já que a polícia (ou os macacos, como são chamadas) está em seu encalço.

A escolha de José Umberto é menos fazer um apanhado de cunho histórico e mais uma alegoria visceral, ainda que o filme permaneça num mesmo tom até o fim. Corisco e Dadá, os mais fieis seguidores de Lampião, sobreviventes da chacina que matou o líder, surgem diluídos em outros personagens, nunca explicitamente nomeados. Mas são suas figuras de resistência e destemor que compõem esses tipos que enfrentam aquele mundo de poderes opressores.

São evidentes no filme referências cinemanovistas, especialmente com ecos de Glauber Rocha. José Umberto parte do excesso, seja nos cortes rápidos e secos, nos diálogos marcados pela fala sertaneja bem carregada, uma trilha sonora retumbante e até mesmo no colorido das roupas dos personagens, tudo para dar uma atmosfera quase operística ao longa.

É certo que esse o tom excessivo por vezes soe exagerado ou até mesmo cansativo em alguns momentos, já que o filme mantém esse ritmo do início ao fim. É fácil confundir o que há de atropelo com a própria estética vivaz do filme. Mas sua proposta é mesmo de ser uma narrativa de urgência, potente e desafiadora.


As Fábulas Negras (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Rodrigo Aragão, Joel Caetano, Petter Baiestorf e José Mojica Marins

A Mostra de Tiradentes programou uma sessão pós meia-noite para exibir um exemplar sui generis do cinema de horror trash que vem sendo cultivado numa certa cena independente do Brasil. O responsável apaixonado por esse tipo de produto B cult é o capixaba Rodrigo Aragão, já um expoente contemporâneo do gênero.

Aqui, ele se reúne com outros cineastas, com presença luxuosa de José Mojica Marins, para criar um mosaico de narrativas deliciosamente aterradoras, com algo de humor, mas muito de podridão, sangue e vísceras.    

Monstros de esgoto, Saci, a loira do banheiro, lobisomem, Iara. Figuras míticas e lendas urbanas tão brasileiras são reinventadas aqui em outra chave de gênero. Se temos o costumeiro longa dividido em episódios dirigidos por cineastas diferente, é fácil perceber uma unidade plástica que agrupa o espírito travesso dos contos. Certamente alguns são melhores que outros.

O segmento da loira do banheiro, comandado pelo Joel Caetano, é o que mais se sobressai. Olhando com cuidado, nota-se ali uma noção muito apurada de encenação, rendendo bons momentos de suspense, numa história não tão previsível como poderia ser. 

Mojica, o eterno Zé do caixão, que também faz uma ponta no episódio do lobisomem dos pampas gaúchos, é mais do que uma presença ilustre – seu curta é mais interessante por tê-lo de volta à ativa do que por criar uma narrativa de destaque, apesar do Saci macabro ser uma novidade. Mas como pai de uma estética trash no cinema de horror nacional, sua presença só coroa um projeto muito coeso – e aterrador – como esse.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Mostra de Tiradentes – Parte II



O Animal Sonhado
(Idem, Brasil, 2015) 
Dir: Breno Baptista, Luciana Vieira, Rodrigo Fernandes, Samuel Brasileiro, Ticiana Augusto Lima e Victor Costa Lopes



Um coletivo de jovens realizadores trouxe para o festival de Tiradentes o primeiro filme da competição na Mostra Aurora. O Animal Sonhado é um esforço conjunto de jovens que estão concluindo ou acabaram de terminar o curso de cinema no Ceará. Impressionam mesmo pela maturidade com que exploram um tema tão subversivo.

O filme possui alto teor erótico e acompanha pequenas histórias de jovens que lidam com a pulsão sexual e os desejos do inconsciente. Trata-se um filme-mosaico, formado por vários episódios, mas muito coesos entre si. A própria maneira muito fluida com que passamos de uma história a outra já revela a unidade do filme.

A coerência narrativa encontra-se tanto na temática, quanto na estrutura formal, o que revela uma sintonia muito grande entre seus realizadores: Breno Baptista, Luciana Vieira, Rodrigo Fernandes, Samuel Brasileiro, Ticiana Augusto Lima e Victor Costa Lopes. É importante citar cada um deles porque, sendo muito jovens, alimenta uma curiosidade de vê-los seguindo adiante, já que todos filmam sexo muito bem, artigo cada vez mais difícil no cinema recente.

O sexo aqui é visto ausente de moralismos e também sem fetichismos baratos. Trata-se um retrato muito cru das relações entre jovens quando o tesão fala mais alto. Um filme altamente provocador, mas nunca gratuito, ainda que algumas histórias não passem de uma situação pontual (os amigos mais que amigos do início, o pai tarado), enquanto outras investem pesado na introspecção (a garota mais gordinha) e no subconsciente (o bacanal que fecha o filme). 

Todas as histórias exploram muito apropriadamente os corpos dos seus atores e também as taras que muitas vezes permanecem encerradas nos pensamentos. Em muitos momentos é possível questionar o que está acontecendo de fato e o que é fruto da imaginação deles. É talvez essa marca dos desejos reprimidos e inconfessáveis (somos, nós, espectadores, os privilegiados então) que faz unir tão bem esses contos que exploram a tensão do tesão.


Teobaldo Morto, Romeu Exilado (Idem, Brasil, 2015) 
Dir: Rodrigo de Oliveira

O segundo dia da mostra competitiva em Tiradentes trouxe um filme mais desafiador. Teobaldo Morto, Romeu Exilado, do capixaba Rodrigo de Oliveira, é um conto solene e introspectivo sobre dois homens que se confrontam em situação inusitada. Tem lá seus preciosismos de encenação (talvez muito disso), mas é possível colher ali bons momentos.

O filme começa com algo de muito afetuoso na maneira como João (Alexandre Cioletti) deixa a mãe e a esposa grávida para partir numa espécie de retiro numa fazenda. Lá ele tem a inesperada visita de Max (Rômulo Braga), um antigo amigo dado como morto, o que reacende traumas e feridas do passado.

A história logo assume um tom mais duro, com algo também de onírico (e posteriormente mitológico), além de marcar desde o início um tom muito não-naturalista. Tudo acentua o desconforto que aquele encontro gera, à medida que vamos entendendo os embates que existem entre eles, fazendo aflorar as mágoas e obrigando o acerto de contas.

É certamente um trabalho que exige do espectador um tipo de entrega que o filme pouco retribui. As duas horas de duração podem cansar até mesmo os mais exigentes e a impressão é de um diretor que não consegue enxugar sua narrativa, deixando-a inchada, em prol de um tom misterioso e nunca óbvio que a história assume. Existe um apego nítido por uma plasticidade que corre o risco de soar gratuita muitas vezes.

Mas não deixa de ser uma evolução no cinema que Rodrigo de Oliveira faz. Seu filme anterior, Horas Vulgares, é bem mais pretensioso esteticamente, verborrágico e pouco acessível. Afasta mais do que gera interesse. Aqui nesse novo projeto o diretor se mostra muito mais seguro das opções estéticas de que lança mão, só precisava de um pouco de freio. 

O plano longo, com poucos e lentos movimentos de câmera, o apreço pelo tempo morto, tudo é muito melhor trabalhado aqui, o que demonstra um cineasta que domina o tipo de linguagem que prefere utilizar para compor um certo estilo. O filme tem momentos de muita força estética e dramática (a entrada em cena de Max, a briga entre os dois em campo aberto, o inesperado "entendimento" que surge entre eles da forma mais íntima possível), mas teria maior impacto se exercitasse melhor a síntese.

Como é bom ser over

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance, EUA/Canadá, 2014)  
Dir: Alejandro González Iñárritu



Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) poderia ser somente um filme sobre um ator em busca de uma aclamação artística, ser querido pelo público e pela crítica. Birdman é isso também, mas faz de sua composição narrativa um jogo de excessos que dá conta da turbulência emocional em que vive seu protagonista: um ator que teve um tempo áureo quando protagonizou uma série de super-herói, mas agora vive esquecido, tentando montar um espetáculo na Broadway.

Riggan Thomson deseja mais do que aquele afagozinho no ego. Michael Keaton constrói um personagem perturbado por fantasmas, seja pela voz do Homem-Pássaro que ele viveu tempos atrás (que se personifica no filme també), dando-lhe conselhos pessimistas, seja por aqueles com quem ele tem de lidar ao conduzir a peça: atores e produtores, amante, ex-mulher e filha, críticos e público.

É um verdadeiro inferno astral o que toma o personagem num momento-chave que pode lhe trazer de volta os holofotes do prestígio. Por isso o filme está o tempo todo um tom acima, sempre ácido e sarcástico, consigo mesmo e com esse homem que vê chegar a idade, mas não o sucesso. O excesso é a marca de Birdman e, descaradamente, o filme não faz cerimônia em ser over.

A narrativa nos dá a impressão de um filme todo feito em plano-sequência, em que a câmera se movimenta quase sempre, fazendo questão de chamar atenção para si. Os muitos personagens que encontramos por entre as coxias do teatro conversam o tempo todo, os diálogos mesmo do roteiro têm essa verborragia exagerada, às vezes polifônica, misturados aos conflitos que afloram dos encontros de tantos personagens com interesses distintos.

O ator problemático vivido por um inspiradíssimo Edward Norton talvez seja o mais excêntrico deles, cheio de si e caricato. Quando se envolve com a filha de Riggan, uma ex-dependente química interpretada por Emma Stone, a coisa ganha outros ares e conflitos para as relações que já se atropelam entre todos ali naquele ambiente. A conversa entre os dois na sacada do prédio é muito interessante como forma de fazer enxergar o outro e a si mesmo, sem nunca soar didático, piegas ou melancólico.



No fundo, toda essa perfumaria estética esconde um propósito muito simples (e que poderia soar muito banal): o de uma autorreflexão imposta pelas circunstâncias. É nessa corda-bamba em que Riggan, debatendo-se com tantas questões e dificuldades, põe em xeque seus passos e repensa sua carreira e vida. O filme não edifica nem ridiculariza esse personagem, porém brinca com os embates internos que surgem dessa confusão armada.  

E é muito bom ver o cineasta Alejandro González Iñárritu remodelando-se, depois de uma queda evidente na força de seus dramas introspectivos (seu último trabalho, Biutiful, é uma lástima). Birdman é um filme incomum que faz chacota de si mesmo para edificar personagens aparentemente tão banais, mas tão ricos em suas fraquezas. É a celebração do herói que existe em cada um.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Mostra de Tiradentes – Parte I


Órfãos do Eldorado (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Guilherme Coelho



Uma Amazônia mítica, um tanto exótica e bucólica, é a paisagem para que Arminto (Daniel de Oliveira) reencontre seus fantasmas em Órfãos do Eldorado, primeiro longa de ficção de Guilherme Coelho, baseado na obra do escritor amazonense Milton Hatoum. O filme abriu a 18ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes com casa cheia.

Arminto faz um retorno doído à sua terra natal e às memórias de um passado doloroso, com questões de família em aberto. Em especial com o pai, uma relação nitidamente traumática (a cena do reencontro dos dois é duríssima). O filme apropria-se desse mote um tanto batido e é uma pena que tenha dificuldade em avançar, em fazer crescer seu personagem, sempre tomado de conflitos internos nem sempre explícitos.

A história logo abandona os embates de família e se concentra na perturbação que duas mulheres impõem à existência do protagonista. Florita (Dira Paes) surge como uma paixão avassaladora e mal resolvida, ecoando um passado juntos que ambos retomam com volúpia. É uma composição realmente instigante a que Dira Paes se entrega. Dá vida a uma mulher que sabe expressar dureza e doçura, misteriosa, mas apaixonada. 

Mas ela cede espaço no imaginário de Arminto para a figura de uma jovem mulata (Mariana Rios) que povoa seus sonhos mais tórridos – e que remete a uma imagem marcante de sua infância –, o que o leva a empreender uma busca incansável por essa mulher hipnótica. 

É aí que Órfãos do Eldorado se prende a uma estrutura narrativa excessiva em que o conturbado estado psicológico do personagem reflete muito de suas indecisões. Porém o filme perde em vigor porque insiste na mesma operação de caça, marcado pelo frenesi da busca, deixando de lado muitas outras coisas que também fazem parte das angústias de Arminto.

Para além de cutucar certas questões políticas – como a fase áurea da exploração da borracha, tendo o pai do protagonista como um dos grandes empreendedores do negócio no passado –, Órfãos do Eldorado aposta (e se prende) muito mais no universo mítico que parece aprisionar Arminto. Também não deixa de filmar essa bela paisagem com tom exótico. 

De certa forma, o filme pode ser visto como uma revisitação ao mito da Iara, índia amazônica que enfeitiça e cega os homens, só que aqui assumindo o ponto de vista masculino. Se isso fica muito evidente na cena final, só revela o quanto filme se fecha ao idílico. Talvez na ânsia de criar uma narrativa elíptica, com muitas questões em suspenso, Coelho deixa de explorar outras facetas dessa história.
 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

18ª Mostra de Cinema de Tiradentes


18ª Mostra de Cinema de Tiradentes abre o calendário de festivais de cinema no Brasil. Há aqui um olhar curatorial que valoriza os filmes nacionais do cenário independente e os cineastas que estão começando e arriscando na linguagem.

Essa é minha primeira vez na aconchegante cidade de Tiradentes, para uma mostra que sempre me interessou pela coragem de dar visibilidade a um cinema mais vigoroso, desafiador, por vezes sem concessões, exigente. Farei cobertura para o Jornal A Tarde, mas também escreverei sobre os filmes aqui no blog, na medida do possível. E componho também o júri do Prêmio Canal Brasil de Curtas, que escolhe o melhor curta da Mostra Foco.

A Mostra de Tiradentes começa hoje com exibição de Órfãos do Eldorado, de Guilherme Coelho, baseado em obra de Milton Hatoum. Cerca de 120 filmes, entre curtas e longas-metragens, serão exibidos aqui em nove dias de evento. A atriz Dira Paes é a homenageada desta edição que conta também com debates e seminários. Mais uma vez, é hora de ver e pensar cinema. Vamos nessa. 

O site oficial do evento pode ser acessado aqui.
 

Cédula de melhores de 2014


Ainda pra fechar o ano de 2014, divulgo aqui minha lista de melhores em diversas categorias. A lista é referente a meus votos para os prêmio anual tanto da Liga dos Blogues Cinematográficos, quanto da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos, grupos das quais faço parte (o prêmio da Associação Brasileira de Críticos de Cinema – Abraccine – já foi votado e divulgado aqui). Cerca de 150 filmes, lançados comercialmente no Brasil em 2014, foram vistos por mim e considerados aqui. Segue a relação:

Melhor Filme

O Lobo de Wall Street
Cães Errantes
Cortinas Fechadas
Bem-Vindo a Nova York
Nebraska
Amantes Eternos
A Imagem que Falta
O Menino e o Mundo
Sob a Pele
Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum


Melhor Diretor

Tsai Ming-liang (Cães Errantes)
Martin Scorsese (O Lobo de Wall Street)
Manoel de Oliveira (O Gebo e a Sombra)
Jonathan Glazer (Sob a Pele)
Jafar Panahi (Cortinas Fechadas)

Por um fio: Joel e Ethan Coen (Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum)


Melhor Ator

Gérard Depardieu (Bem-Vindo a Nova York)
Lee Kang-sheng (Cães Errantes)
Leonardo Di Caprio (O Lobo de Wall Street)
Michael Lonsdale (O Gebo e a Sombra)
Joaquin Phoenix (Ela)

Por um fio: Bruce Dern (Nebraska) e Robert Redford (Até o Fim)


Melhor Atriz

Leandra Leal (O Lobo Atrás da Porta)
Marion Cotillard (Era uma Vez em Nova York)
Luminita Gheorghiu (Instinto Materno)
Scarlett Johansson (Ela)
Agata Trzebuchowska (Ida)

Por um fio: Paulina Garcia (Glória)


Melhor Ator Coadjuvante

Vincent Piazza (Jersey Boys – Em Busca da Música)
Jesuíta Barbosa (Praia do Futuro)
John Goodman (Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum)
Jonah Hill (O Lobo de Wall Street)
Antônio Fagundes (Quando Eu Era Vivo)

Por um fio: Satoshi Tsumabuki (Uma Família em Tóquio)


Melhor Atriz Coadjuvante

Erica Rivas (Relatos Selvagens)
Carey Mulligan (Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum)
Agata Kulesza (Ida)
Jacqueline Bisset (Bem-Vindo a Nova York)
June Squibb (Nebraska)

Por um fio: Suzanne Clément (Mommy) e Jeanne Moreau (O Gebo e a Sombra)


Melhor Elenco

Relatos Selvagens
Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum
O Gebo e a Sombra
O Lobo de Wall Street
O Lobo Atrás da Porta

Por um fio: Nebraska e O Grande Hotel Budapeste


Melhor Roteiro Original

A Imagem que Falta
Relatos Selvagens
O Grande Hotel Budapeste
Ela
Nebraska

Por um fio: O Lobo Atrás da Porta e Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum


Melhor Roteiro Adaptado

O Lobo de Wall Street

O Gebo e a Sombra
Sob a Pele
Uma Família em Tóquio
Quando Eu Era Vivo

Por um fio: O Homem Mais Procurado


Melhor Filme Brasileiro

O Menino e o Mundo
O Lobo Atrás da Porta
Eles Voltam
Quando Eu Era Vivo
Os Dias com Ele

Por um fio: O Homem das Multidões e Ventos de Agosto


Melhor Documentário

A Imagem que Falta
Os Dias com Ele
Que Estranho Chamar-se Federico
Dominguinhos
Libertem Angela Davis


Melhor Animação

O Menino e o Mundo
Uma Aventura Lego
Vidas ao Vento
Como Treinar Seu Dragão 2
Operação Big Hero


Melhor Trilha Sonora

Sob a Pele
Ela
O Lobo de Wall Street
Interestelar
Garota Exemplar

Por um fio: O Homem Duplicado


Melhor Canção

Aos olhos de uma criança (O Menino e o Mundo)
Please, Mr. Kennedy (Inside Llewyn Davis)
Quando Eu Era Vivo (Quando Eu Era Vivo)
The Moon Song (Ela)
Lost Stars (Mesmo Se Nada Der Certo)

Por um fio: Serpente da noite (Quando Eu Era Vivo)


Melhor Fotografia

Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum
O Gebo e a Sombra
Ida         
Era uma Vez em Nova York
Sob a Pele

Por um fio: Ela e Saint Laurent


Melhor Direção de Arte

O Grande Hotel Budapeste
Ela
O Gebo e a Sombra
Saint Laurent
Era uma Vez em Nova York

Por um fio: Jersey Boys – Em Busca da Música


Melhor Figurino

Saint Laurent
Trapaça
O Grande Mestre
Caçadores de Obras-Primas
O Grande Hotel Budapeste

Por um fio: Brincante


Melhor Montagem

O Lobo de Wall Street
Cães Errantes
Garota Exemplar
Os Dias com Ele
Sob a Pele

Por um fio: Cortinas Fechadas


Melhor Maquiagem

Guardiães da Galáxia
X-Men: Os Dias de um Futuro Esquecido
Malévola
O Grande Hotel Budapeste
Virgínia


Melhores Efeitos Visuais

Guardiães da Galáxia
Planeta dos Macacos: O Confronto
Sob a Pele
Lucy
X-Men: Os Dias de um Futuro Esquecido

Por um fio: Godzilla


Melhor Som

O Menino e o Mundo
Sob a Pele
Godzilla
Capitão América 2: O Soldado Invernal
Até o Fim

Por um fio: Vidas ao Vento


Melhor Cena

Parede no final (Cães Errantes)
Popeye (O Lobo de Wall Street)
Reencontro na porta do elevador (Praia do Futuro)
Revelando os cartazes (Cortinas Fechadas)
Cilada para o urso (Vic + Flo Viram um Urso)

Por um fio: Mordendo lâmpada (O Espelho)


Filme de Estreia
                      
O Menino e o Mundo (Alê Abreu)
O Lobo Atrás da Porta (Fernando Coimbra)
Fruitvale Station: A Última Parada (Ryan Coogler)
Eu, Mamãe e os Meninos (Guillame Gaillene)Avanti Popolo (Michael Wharmann)

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A América e a vitória

Foxcatcher – Uma História que Chocou o Mundo (Foxcatcher, EUA, 2014)
Dir: Bennett Miller


John du Pont quer ver a América vencer, Mark quer ser o melhor do mundo no que faz. Ele pratica luta greco-romana, du Pont é um amante dos esportes. Milionário, construiu um centro de treinamentos onde é o técnico obstinado a conduzir à vitória os jovens lutadores. Mark tem um irmão, David, também lutador como ele, que o treinava com poucos recursos. Ambos aceitam ser capitaneados por uma oferta tentadora de du Pont e terem condições de concretizar seus sonhos, simbolizados por troféus, reconhecimento e dinheiro.

Foxcatcher concentra-se na relação entre esses sujeitos, que vão se estranhando cada vez mais à medida que as atitudes de du Pont se tornam mais impositivas. Ele se contrapõe à fraqueza emocional de Mark, sujeito pelo qual du Pont parece atraído, relação não muito bem esclarecida pelo filme. Um assassinato vai brotar daí, caso verídico que é o mote da história, apesar do filme interessar-se mais pelo processo que levou a isso, ainda que sem explicações lógicas.

Esse tom de estranheza é estabelecido, de cara, pela composição do personagem de du Pont. Steve Carrell abandona seus tipos cômicos e dá corpo a um personagem bruto, cada vez mais prepotente, carregando algo de doentio no olhar, na respiração ofegante e na determinação cega pela conquista de seus ideais, ainda que por meio de tortura psicológica. Channing Tatum funciona muito bem como o homenzarrão inseguro de si, não demora a entrar em conflito com o irmão, vivido por um Mark Ruffalo excelente no papel. Um time de boas atuações conduzidas seguramente por Bennett Miller.

E estamos lidando não com o diretor do verborrágico Moneyball – O Homem que Mudou o Jogo e sim com o cineasta do denso Capote. É nesse terreno do drama psicológico que o diretor sustenta um filme que carrega uma dolorosa melancolia no ar desde o princípio, não abandona nunca o peso de uma atmosfera que logo testemunhará uma tragédia.

É cada vez mais difícil no cinema norte-americano recente um olhar tão cuidadoso e demorado para personagens fadados ao sofrimento, num clima tão opressor, talvez o maior mérito do filme. Miller aprisiona o espectador numa atmosfera densa, sem deixar de olhar afetuosamente para seus personagens. 

Como retrato de uma América superior e idealizada (por toda uma sociedade, diga-se), o comportamento de John du Pont não passa de um reflexo de um país fracassado na perseguição doentia por antigos e arraigados valores.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Sobre homens e monstros

Leviatã (Leviathan, Rússia, 2014)
Dir: Andrey Zvyagintsev


De dureza parece viver uma parte do cinema russo recente. Podemos pensar aqui nos trabalhos-pancada de um Sergei Loznista, por exemplo. Leviatã é mais um exemplar de porrada bem dada no espectador, apesar de o fazer com certa elegância, mas sem concessões a seus personagens. O filme de Zvyagintsev, prêmio de roteiro no último Festival de Cannes, é rígido e bravio tal qual a própria região onde os personagens circulam.

O mecânico Kolya (Aleksey Serebryakov) vive com sua família numa região ao norte da Rússia, lugar que o prefeito da cidade (Roman Madyanov) quer desapropriar para construir um centro de comunicações. Não se engane pensando que se trava aqui uma luta de desiguais, o poder público contra o pobre civil. No fundo há isso também, mas o protagonista está longe de assumir a postura de cidadão exemplar oprimido pelo Estado.

Kolya carrega o traço da brutalidade em seu dia a dia, homem de modos rudes tanto na forma de lidar com os negócios e a ação de despejo que sofre da prefeitura, quanto no tratamento ao filho do primeiro casamento e a nova esposa. A família vive uma espécie de relação endurecida, ainda que seja possível flagrar ali certo companheirismo – apesar da esposa parecer se distanciar cada vez mais.

O embate com a administração pública se dá de forma mais calorosa possível, o grito e a violência sendo a principal arma para resolver os conflitos, de ambos os lados (e a bebedeira como fuga). Soa tão natural para aqueles personagens agir dessa maneira que exala daí até mesmo certo senso de humor em alguns momentos – o piquenique nas montanhas é um exemplo evidente. Mas nada que desvie a atenção da natureza brutal dessas pessoas e dessa história sem concessões.

Certamente que as representações do Estado e sua soberania autoproclamada tratam de esmagar seus opositores. Aqui, instituições como a justiça e religião marcam presença forte como norteadores do destino das pessoas, com sua moral oblíqua a serviço dos mais poderosos. Há um cinismo ácido nas palavras do padre cristão ortodoxo que sabe muito bem o que espera Kolya, enquanto os entraves judiciários que o protagonista enfrenta estão claramente contra ele – a juíza lendo a decisão da corte como se metralhasse o homem com sua oratória ininterrupta e seca é uma das imagens mais contundentes do filme.

Kolya, mesmo repleto de defeitos morais, é a pedra no sapato que se torna a vítima oprimida, ainda que ninguém use (ou queira usar) a máscara da inocência. Os desdobramentos para seu desajustamento comportamental só fazem complicar sua situação, assim como destroçam a vida de todos ao redor. O roteiro sabiamente omite certas resoluções, mas deixa o rastro de uma tragédia cuja responsabilidade recai fortemente sobre o poder do Estado, a mãe Rússia vista sem compaixão.

Existe ainda um comentário implícito que coloca as crianças e jovens do filme em situação vulnerável. Brincam com armas e presenciam atos violentos, são testemunhas inocentes de um mundo delinquente e vil, mas exemplares a seus olhos (algo que já estava no longa anterior do diretor, Elena, e também em O Retorno, seu premiado primeiro filme). 

Evocando o monstro bíblico Leviatã que nenhum homem é capaz de enfrentar e destruir, Zvyagintsev discute o destino inexorável daqueles que se contrapõem a algo maior, impiedoso e cruel. O diretor filma com rigor e precisão não só esses embates, como também a natureza inóspita que parece observar o implacável choque de força dos homens.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Pulsão de juventude

Depois da Chuva (Idem, Brasil, 2013)
Dir: Cláudio Marques e Marília Hughes 


Talvez a maior força de Depois da Chuva seja a de construir uma narrativa micro que dê conta de comentar um contexto macro. Se a questão é focar o momento de abertura política brasileira no início dos anos 1980, com a insurgência do movimento das Diretas Já em prol da democracia, o contexto da criação de um grêmio estudantil num colégio soteropolitano parece o espelho ideal de uma realidade sócio-política que estava sendo construída naquele momento.

A anarquia e a vontade de enfrentamento são a mola propulsora de Depois da Chuva, filme de estreia dos baianos Cláudio Marques e Marília Hughes. O punk rock da trilha sonora não está ali por mero capricho, mas por fazer parte da cultura underground dessa Salvador pré-axé music. Ele traduz muito bem o próprio espírito inspirador de luta, de embate, via vontade jovem de mudar o mundo.

É por ali que trafegam Caio e Fernanda (Pedro Maia e Sophia Corral), adolescentes de classe média que vivenciam esse período turbulento, numa cidade pintada de cores anarquistas de um punk rock contestador. Ao mesmo tempo, cumprem o rito de passagem para a vida adulta. Caio vive uma aproximação amorosa com Fernanda, entra em conflito com a mãe e sente falta do pai que vive longe após o divórcio.

Parece um terreno muito arriscado, tipo de filme que pode facilmente cair no tom mais panfletário, seja no discurso político, seja no âmbito mais intimista. Por isso é interessante ver como os diretores vão driblando cada um desses possíveis lugares-comuns. Tudo surge e evolui com uma naturalidade invejável (ainda que em certos momentos o filme se arraste mais do que devia - nas cenas em que os amigos se encontram para fumar e tocar, por exemplo). Mas essa impressão de verdade se deve muito a um texto enxuto, ancorado num elenco que funciona exemplarmente bem num filme tão à vontade nas questões que mobiliza.

Há mesmo um forte eco de certo cinema francês, jovem e combativo, que se interessa tanto pelo contexto histórico, quanto pela vida afetiva de seus personagens. Vai desde Amantes Constantes em que Philippe Garrel defende com muito amor a militância política, até o Olivier Assayas de Água Fria, naquilo que tem de mais pulsante nos impulsos da juventude, ou mesmo o recente Depois de Maio, ao colocar os jovens numa perspectiva realista diante das utopias políticas contestadoras. 

O filme acompanha a passagem política do país a partir de uma transição que se dá nesse pequeno espaço de disputas políticas e individuais por onde Caio transita. É por onde ele também tropeça, arrisca, aprende, decepciona-se. A cena final, carregada de pessimismo, obriga o espectador a pensar na vida política do presente. A partir de um olhar muito aguçado para nossa História recente, Depois da Chuva torna-se um filme muito contemporâneo ou, antes disso, que seja tão revelador sobre o nosso tempo.

sábado, 17 de janeiro de 2015

Despedaçado

Invencível (Unbroken, EUA, 2014)
Dir: Angelina Jolie 



Bate impressão muito forte de que Angelina Jolie quer, com Invencível, provar para o mundo (ou para si mesma) que sabe conduzir um filme – e um essencialmente masculino, rígido, áspero. Mas ao invés de se arriscar, ela prefira a velha história de superação, do homem que enfrentou as mais temíveis provações, mas se manteve puro e resistente, do tour de force em que quanto mais sofrer o protagonista, melhor será sua redenção valorativa. Nada mais cristão.

Parece mesmo uma releitura da paixão de Cristo, via trajetória errante do jovem Louis Zamparini (Jack O’Connell). Filho de imigrantes italianos, grande corredor que sempre quis ser um corredor olímpico, acaba sendo enviado como soldado para os fronts da II Guerra Mundial, sofre acidente de avião e fica à deriva no mar por mais de 40 dias até ser feito prisioneiro pelos japoneses.

Não é à toa que há no início uma cena na igreja onde o jovem Louis escuta o sermão do padre sobre a importância de perdoar até mesmo nossos inimigos. O calvário que é a prisão no campo japonês demonstra o quanto o filme se esforça ao máximo para revelar a resistência física e emocional de seu protagonista, com grandes doses de masoquismo.

E isso é louvável por si só (não esqueçamos que se trata de uma história real – como se faz sempre questão de destacar). Mas a condução de Jolie segue um caminho raso, o mais fácil deles, buscando no espectador um cúmplice para se identificar instantaneamente com a agonia imposta ao bravo Louis (não à toa algo que muito aproxima o longa com A Paixão de Cristo, filmada por Mel Gibson, inclusive com direito a cena com simbologia bíblica em momento chave do filme).

Ainda que as cenas no front de batalha e no campo de prisão sejam muito realistas, o roteiro é hábil em soltar muitas frases de efeito ao longo de todo caminho de penitência de Louis, acompanhado por trilha sonora edificante e emotiva. É tudo mais problemático do que a direção acomodada de Jolie, que conta com a câmera sempre competente de um grande diretor de fotografia como Roger Deakins. 

É difícil mesmo acreditar que existe a mãos dos irmãos Coen na escrita do roteiro, tão rico nos lugares comuns do filme de superação, pesando a mão no maniqueísmo que parece feito para esse tipo de história. Invencível tenta posar com propósitos humanistas redentores em tempos de guerra, mas não passa de um filme despedaço em clichês na sua construção narrativa. 

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Autoencontro

Livre (Wild, EUA, 2014)
Dir: Jean-Marc Vallée



Quando Livre começa, encontramos a protagonista já de mochila nas costas, no meio de uma trilha, com o pé ferido, perdendo os sapatos. Os apertos e perrengues são essenciais nesse tipo de filme porque os personagens estão ali pra sofrer, já que assim se justifica o esforço físico de uma longa caminha com um mochilão nas costas.

Daí que uma primeira curiosidade que o filme planta no espectador é o que motiva aquela jovem a fazer esse percurso que se torna de auto-conhecimento, uma espécie de retiro interior, embrenhando-se na natureza selvagem (alô, Sean Penn!) para fugir (ou se encontrar). Porque Cheryl Strayed não aparenta ser uma mulher esportista que cultiva um estilo de vida radical.

Por isso vai parecer um tanto frustrante entender por que ela empreende tal tarefa. Através de flashbacks, descobrimos o passado dessa jovem e seus problemas com a família, especialmente com o marido (traições e drogas fazendo parte da soma). Há ali uma espécie de auto-redenção, mais uma maneira de provar a si mesma certo valor pessoal, uma força interior, do que uma razão concreta, objetiva.

É uma pena que tamanho esforço seja exigido de Reese Witherspoon, uma atriz limitadíssima, que poucas vezes consegue dar conta da complexidade de suas personagens. Aqui, ela pouco se esforça, para além da entrega física. Parece que o perfil da mulher com certa frescura, ao se aventura sozinha numa jornada nada glamourosa pelo meio do mato, por si só, já garantisse a “força” de sua performance. Mas a personagem pede mais e só ganha uma tradução anódina desse esforço que tem muito de psicológico também. 

Jean-Marc Vallée dirige com certa frouxidão uma história que se vende como algo de determinação e força, mas que no fundo é mais uma muleta para se falar de superação, da forma mais banal possível, ele que já  vem do bem fraco Clube de Compras Dallas. Livre assemelha-se a um livro de autoajuda que vem com lições de vida no final, literalmente, porque são expostas verbalmente pela protagonista. Strayed chega ao fim de sua jornada e entrega, de bandeja, tudo aquilo que se espera desse tipo de história.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Impressão de vida

Boyhood – Da Infância à Juventude (Boyhood, EUA, 2014)
Dir: Richard Linklater



É realmente uma experiência muito agradável acompanhar o desabrochar da infância e juventude de um personagem em crescimento num filme realizado ao longo de 12 anos. Um mesmo ator empresta seu desenvolvimento físico a um garoto retratado nas fases iniciais da vida – ali onde se forma seu caráter.

Daí que Boyhood – Da Infância à Juventude torna-se um filme sem par na produção atual, ao mesmo tempo ideia simples e “grandiosa” nas suas pretensões, além de bem executada. O mais próximo que se chega a esse espírito de tempo em fluxo no cinema está no trabalho desenvolvido pelo próprio Richard Linklater na trilogia formada por Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia-Noite: vemos o desenrolar de um romance e as perspectivas de vida do casal Jesse e Julie com o passar dos anos, homem e mulher em formação.

O charme (e talvez risco) de Boyhood esteja na vivacidade com que se conta essa história de gente comum sem fazer alarde. Mason (Ellar Coltrane) começa como um garotinho que vive com a mãe (Patricia Arquette) divorciada do pai (Ethan Hawke) e tem uma irmã mais nova (Lorelei Linklater). Brinca e frequenta a escola com os amigos do bairro. Não há nada de necessariamente extraordinário na sua trajetória.

A menos que pensemos na vida de todo dia, a nossa vida cotidiana, como algo cheio de possibilidades, riscos e aprendizados. Por trás da aparente banalidade das ações de seus personagens, Boyhood faz ver que é nas pequenas coisas, alegrias e decepções, que se encontram as chaves de formação de um indivíduo social.


Os rumos que a vida de Mason seguirá são pontuados pelas experiências e o contato com aqueles que estão a seu redor e fazer parte de sua rotina (ainda que por pouco tempo, como os padrastos com quem ele vai conviver).
Boyhood pega emprestado a trajetória desse garoto para construir a impressão de vida real transcorrendo na tela.

Pode não ser algo de tão excepcional assim, mas é louvável ver um filme que de longe pareça tão “banal” ganhando dimensões maiores à medida que se pensa nele (ou o sentimos). Também porque Linklater mantém uma direção segura do início ao fim (e devemos pensar que são 12 anos segurando a onda), ainda que a ideia seja soar o mais objetivo e clássico, sem perfumaria. Nem combinaria com a história que quer contar. Os diálogos naturalíssimos (e um elenco que entende muito bem o que isso significa para o sucesso do projeto) só reforçam o conceito concreto do todo. 

É certo que Boyhood tenha conquistado muita gente por essas suas qualidades. Pareceria um tanto exagerada tanta adoração em torno do longa (é o filme a se bater na temporada de premiações), mas entende-se que é justamente nesses trabalhos menos óbvios que a força do bom cinema revela-se, tocando as pessoas sem nenhum tipo de apelação dramática. Boyhood é um filme vivo.