quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Vida que segue vagarosa


O tom arrastado do longa da segunda noite de mostra, No Meu Lugar, não agradou muita gente, não. A frieza com que as pessoas receberam a proposta (nem houve os famosos aplausos costumeiros) foi bem evidente. Para mim, os curtas foram os que menos empolgaram e o longa continua tão bom quanto da primeira vez que eu vi:


Ave Maria ou A Mãe dos Sertanejos (PE/BR, 2009)
Dir: Camilo Cavalcante


A despeito das belas imagens que esse filme faz da vida dos sertanejos, sua rotina de trabalho, de labuta diária e sacrificante, esse tipo de projeto ainda me causa certo desconforto. É o retrato de um povo simples que se apega à religião, apesar dos desprazeres da vida. Sempre às 18h, eles param para rezar (em especial as mulheres). E essa correlação é extremamente sincera e verdadeira, mas não me acrescenta muita coisa porque a ligação/crença/apego que o povo do campo possui com a religião não é nenhuma novidade. Passa, portanto, como estética vazia e com um quê de gratuita, uma espécie de exibicionismo do bem (o que aproxima, estranhamente, esse filme com o curta exibido ontem na mostra, Haruo Ohara).



Bailão (SP/BR, 2009)
Dir: Marcelo Caetano


Bailão é um filme-panfleto (no bom sentido) contra a homofobia. Até aí nada demais, mas chama muito atenção por uma trazer um olhar diferente: apresenta os tabus e preconceitos decorrentes do homossexualismo em homens mais velhos, coroas mesmo. Para os desavisados, o filme começa como uma apresentação de um local de dança, uma espécie de clube, para depois introduzir o tema do homossexualismo e então apresentar aquele lugar que serve como ponto de encontro amigável para gays (não que o local seja restritivo a pessoas mais velhas, mas acaba sendo seu público). Uma pena que o filme não parece saber como filmar os depoimentos de alguns desses senhores, preenchendo o curta de imagens vazias, como das ruas movimentadas de carros ou de senhores caminhando nas calçadas. Eles que descobriram ainda jovens sua preferência sexual, e hoje, tentam resgatar a satisfação de conviver bem na sociedade com isso. No fim das contas, o filme acaba por ser mais um protesto, mas com muito carinho por seus documentados.


No Meu Lugar (RJ/BR, 2009)
Dir: Eduardo Valente


A revisão de No Meu Lugar me deixou a mesma boa impressão que tive quando vi o filme pela primeira vez. O crítico de cinema Eduardo Valente se arvora nesse que é seu primeiro longa-metragem, depois de alguns curtas premiados mundo afora, em especial no Festival de Cannes, onde esse seu longa foi exibido em sessão especial.

De longe, o filme pode soar como um repeteco de um tipo de narrativa em que as histórias de vários personagens se entrecruzam a partir de um episódio em comum, através de uma edição paralela. E na verdade ele não traz nada de novo, nada que venha subverter o que se espera desse tipo de estrutura. Valente, inclusive, chega a utilizar uma metáfora bem pobre para reforçar essa narrativa quando focaliza, em determinado momento, várias peças de um quebra-cabeças.

A tragédia que une as histórias é a morte acidental de um homem, rendido em sua própria casa por um bandido, quando um tenente da policia entra na residência e acaba atingido-o mortalmente. A partir daí, o filme intercala os núcleos familiares do policial, da mulher do homem assassinado (ambos posterior ao acidente) e do entregador de compras de um supermercado (antes da tragédia), que terá participação no assalto.

E o grande valor do filme está no estudo desses personagens, que ganham complexidade num roteiro que consegue fugir totalmente do estereótipo e do maniqueísmo barato (e sem nunca idiotizá-los também, como acontece em muitos filmes assim). Além disso, apresenta todos eles em momentos críticos da vida, ao mesmo tempo em que não há uma tentativa de encontrar uma explicação para seus atos, tornando-os mais interessantes.

Todo o ritmo lento e arrastado do filme só reforça esse estado de espírito melancólico, a necessidade de tomar decisões, esse momento em que é preciso colocar suas vidas no devido lugar (ou pelo menos tentar isso), tomar um rumo, achar seu lugar. É mais um fator (e até mais importante) que os personagens compartilham, que os une. O filme se arrasta porque a vida dos personagens também se arrasta naquele momento.

Com esse intuito, o filme precisou de um trabalho cuidadoso de montagem, muito bem realizado não só no sentido de equilibrar as tramas paralelas, mas também criando fluência entre as partes (gosto particularmente do momento em que as crianças ouvem um barulho de copo quebrando e logo em seguida o filme corta para a cena de uma mulher, na cozinha, com um pano na mão, manchado de sangue). Destaque também para uma trilha sonora lindinha (que passei a valorizar mais nessa revisão), acentuando o momento delicado dos personagens.

Longe das facilidades de jogar personagens em uma trama fragmentada, como se por si só isso fosse garantia de sucesso (e de “sintonia” com o cinema atual), Eduardo Valente faz um filme simples em sua proposta, mas bastante rico em tipos humanos. Não há grandes mistérios, não há um clímax, mas vale pelo carinho com que defende e observa os caminhos tortos de seus heróis e anti-heróis.


PS: A projeção de hoje estava bem melhor, sem o ruído rosa! Uma pena que o público insiste em ficar conversando durante os filmes.

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