sábado, 4 de julho de 2009

Pagar sem dever

O Pagador de Promessas (Idem, Brasil, 1962)
Dir: Anselmo Duarte



É incrível como a experiência de assistir a um filme depende tanto da situação do espectador. Visto há alguns anos, O Pagador de Promessas para mim era uma obra comum e simples, mas numa revisão recente o longa cresceu de forma assustadora e confere um orgulho enorme por ser a nossa única Palma de Ouro em Cannes. E merecidamente.

Baseado no texto homônimo de Dias Gomes para o teatro, o filme é bastante fiel ao espírito do material original e possui a mesma consistência em discutir temas relacionados à religiosidade brasileira.

Zé do Burro (Leonardo Villar) é um homem do campo que faz uma promessa para que seu burro de estimação não morra enfermo. Com a cura do animal, ele cumpre a promessa de levar uma cruz nas costas de sua fazenda, a pé, até o interior de uma igreja na cidade de Salvador, além de ter dividido suas terras com camponeses mais pobres. No entanto, vai ser impedido pelo padre de terminar seu martírio por ter feito penitência em nome de Santa Bárbara, não de Nossa Senhora.

É evidente aí a questão do sincretismo religioso, tão marcante na cultural de nosso país, em especial na Bahia onde os negros souberam burlar espertamente as rígidas regras de conduta e adorar seus orixás através dos santos católicos. Todo o conflito do filme se dá pelo argumento do padre de que a promessa foi feita num terreiro de candomblé, e não em nome de Deus (e isso possui um caráter de atualização porque até hoje determinados grupos conservadores da Igreja rejeitam o sincretismo, demonstrando mais uma forma de intransigência).


Existe também na narrativa um marcante conflito entre o homem da cidade e o homem do campo, já que a chegada de Zé e sua história inusitada se torna motivo de chacota e até de interesse pelas pessoas, desde o cantador popular que tenta explorar a história de Zé para vender mais trovas, ao jornalista que tenta deturpar a história do pobre homem, até o cafetão Bonitão (Geraldo Del Rey) que vai se aproveitar da ingenuidade de Zé para seduzir a mulher dele, Rosa (Glória Meneses, novíssima).

Está certo que o texto afiado de Dias Gomes ajuda muito o roteiro, mas Anselmo Duarte sabe filmar com classe posicionando e movimentando a câmera de forma a não parecer exibido, e o faz com propriedade e sem exageros. A cena final é de uma força incrível e ainda me emociona muitíssimo porque a luta de um homem tão ingênuo e de intenções tão puras acaba por esbarrar na ignorância da sociedade, tornando-o um incompreendido.

9 comentários:

Wallace Andrioli Guedes disse...

É um filme espetacular mesmo, mas que também foi visto por mim há um bom tempo e, portanto, merece uma revisão.
Não acho, nem de longe, o melhor filme brasileiro de todos os tempos, e gostaria que outros tivessem também levado a Palma de Ouro, mas é inegável que sua vitória é um orgulho, ainda hoje.

Fred Burle disse...

Que escolha acertadíssima postar sobre esse filme, Rafael! E pensar que esse filme ganhou a Palma de Ouro concorrendo com filmes de diretores como Fellini, Vittorio de Sica, Agnès Varda, Antonioni, Buñuel, Visconti, Truffaut e Sidney Lumet.
Um feito sensacional e merecido!

Mudando de assunto, recebi um selo e um dos meus escolhidos para repassá-lo foi você. Depois dê uma olhada lá no blog.

Abraço!

Diego Rodrigues disse...

Eu concordo com o Wallace, não é o melhor filme brasileiro de todos os tempos, como é considerado por muitos. Porém é uma pequena obra-prima que merece ser vista e revista.

Cara, tem um blog no meu blog lá pra ti. Quando puder dê uma passadinha lá, ok?

Vinícius P. disse...

Sempre tive muita curiosidade de ver esse que é considerado um dos nossos maiores clássicos, mas nunca tive a oportunidade...

Nothingman disse...

Tenho que começar a ver mais filmes brasileiros. Antigos, quero dizer, pois tenho seguido os bons filmes recentes que têm feito por ai.

Filmes antigos acho que só vi os de José Mojica Marins e "Deus e o Diabo na Terra do Sol" do grande Glauber Rocha.

Cumprimentos.

Gustavo H.R. disse...

Outra obra essencial analisada aqui, que tenho em DVD mas ainda não vi.

Rafael Carvalho disse...

Bem Wallace, acredito que se eu fizer uma lista com os melhores filmes nacionais, esse entra, sim. Acho o trabalho de direção e o texto excepcionais. Mas só percebi isso numa revisão.

Pois é Fred, o filme tinha uma concorrência incrível, mas essa coisa de sincretismo religioso é algo que o estrangeiro gosta muito de ver, acho que entendo porque ele foi agraciado. E é muito bom. Valeu aí pelo selo, já indiquei os meus.

Diego, como disse para o Wallace, acho que entraria numa lista minha de melhores brasileiros, sim. Fiquei emocionado e arrepiado ao mesmo tempo no fim do filme. E obrigado pelo selo, meus indicados já estão no blog.

Então Vinícius P., vale muito a pena ver, é um grande filme e começa bem devagar, mas vai crescendo até um grande final.

Então Nothingman, a produção de clássicos brasileiros é bem rica, dá uma garimpada que vai encontrar grandes obras. Do Glauber recomendo O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro e Terra em Transe.

Gustavo, tá fazendo o que aí, cara? Vai assitir ao filme. Corre!!!

Anônimo disse...

esse filme é sensacional. um dos melhores do nosso cinema.

Rafael Carvalho disse...

Assino em baixo!