domingo, 31 de maio de 2015

IX Cinefuturo – Parte I


Meu Amigo Hugo (Mi Amigo Hugo, Venezuela, 2014)
Dir: Oliver Stone 



Está posto desde o título: Meu Amigo Hugo é um filme de companheirismos, uma espécie de louvação e homenagem que nunca esconde sua natureza afetiva. O fato do retratado ser uma figura controversa da política latino-americana como o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez não intimida o filme a ser um estudo mais “jornalístico”.

Daí que, apesar da validade dos registros pessoais, de certa forma de uma intimidade que Chávez expõe à câmera de Oliver Stone, o espectador pode sempre colocar em questão o aspecto de chapa-branca do filme. Não só Stone se coloca nessa posição de amigável admirador, como ele busca nas pessoas próximas a Chávez e outras lideranças da América Latina posições sempre muito positivas e favoráveis, como nas palavras de Lula, Evo Morales e Cristina Kirchner.

No fundo é bem fácil atacar o filme por seu lado enviesado, especialmente por aqueles que não possuem simpatia pelo ex-líder venezuelano. Também pela omissão em revelar aquilo que de oposição e contrariedade se pensa sobre Chávez, e isso pode ser o mais arriscado aqui.  

O filme é, na realidade, um produto feito de encomenda para a multiestatal TeleSUR, televisão latina com sede na Venezuela. Trata-se, portanto, de um telefilme com a pretensão camuflada de conferir um olhar mais aprazível à pessoa de Chávez. Se uma qualidade aqui é essa transparência, o filme perde muito quando, ao final, investe nas ideias conspiratórias que acreditam num possível assassinato de Chávez e não morto naturalmente de câncer. Nesses momentos, fica mais difícil defender as boas vontades do filme.


Onírica (Onirica – Field of Dogs, Polônia/Itália/Suécia, 2014)
Dir: Lech Majewski


Lech Majewski, como artista plástico, possui um lugar muito curioso na produção cinematográfica. Não é de se estranhar que seu cinema seja muito influenciado pela pintura e pelas artes visuais, ganhando na dimensão do audiovisual outra maneira de realizar uma espécie de poesia visual, ao mesmo tempo em que se preocupa em contar histórias.  

Ainda que essas narrativas passeiem pelo surreal, existe aqui um pé na realidade da Polônia, país natal do cineasta. Ao apresentar o filme no Cine Futuro, Majewski falou da influência direta de
A Divina Comédia, ressaltando o quanto o livro, obra-prima do italiano Dante Alighieri, lhe parecia pictórico. E mais ainda, como o texto parecia lhe questionar sobre aquilo que é possível dizer sobre seu país.

Para isso, o diretor utiliza a história de Adam (Michał Tatarek), um poeta e professor de literatura que perde a esposa num acidente de carro. Ele, então, troca seu trabalho intelectual para se tornar caixa de supermercado. É uma forma de escape, mais ainda quando o filme se abre para os momentos de ilusão e sonho/pesadelo que Adam vivencia nesse seu percurso de luto.

Onírica está menos preocupado em contar essa história de forma cronológica, surpreendendo o espectador com sequências inesperadas, nunca caindo no previsível. Outras são também muito bonitas visualmente, como a do anjo adentrando a catedral ou o corpo dos amantes enlaçados flutuando no ar. O filme peca talvez por insistir nessas imagens que se querem o tempo inteiro impactantes, muito bem fotografadas, aliás, mas que por vezes emperra um tanto a história.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Festival CineFuturo - IX Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual


Ele está de volta: o antigo SemCine, agora CineFuturo, retoma depois de quase dois anos ausente do calendário de festivais de cinema da Bahia. Com uma carga política muito forte, o evento conta com exibições de filmes contemporâneos, curtas e longas, mas também abre amplo espaço para uma série de discussões e palestras acerca do cinema. E mais outras atividades culturais que terão espaço durante o festival.

O homenageado desta edição é o mestre italiano Federico Fellini. Uma mostra significativa de seus filmes será exibida na Sala Walter da Silveira, além de se discutir a obra do diretor. Inclusive durante a abertura, que acontece hoje às 15h no auditório do Teatro Castro Alves.

É momento de ver e falar de cinema na Bahia. Confiram no site a programação completa do evento. Pretendo fazer a cobertura crítica dos filmes que for vendo nesses próximos dias, até o domingo do encerramento. Nos vemos por lá.

domingo, 17 de maio de 2015

O absurdo do banal

Um Pombo Pousou num Galho Refletindo Sobre a Existência (En Duva Satt På En Gren Och Funderade På Tillvaron, Suécia/Alemanha/Noruega/França, 2014)
Dir: Roy Andersson
 


Um pombo num galho, empalhado, numa redoma de vidro; um homem, bastante pálido, observa o animal. O tempo parece suspenso, a câmera está fixa, pouco movimento dentro do quadro, fotografia monocromática. Assim começa esse curiosíssimo filme que parece se mover em uma outra dimensão de realidade. 

Esse tipo de tableau vivant se repetirá formalmente por todo o longa. Na verdade, trata-se de um dispositivo narrativo já usado por Roy Andersson em seus trabalhos anteriores, Vocês, os Vivos e Canções do Segundo Andar. Perfazem uma espécie de trilogia dos absurdos cotidianos, via humor negro na maneira de olhar para pequenas desgraças humanas.

Ou não tão pequenas assim: esse novo filme começa com observações sobre a morte e algumas de suas idiossincrasias – sem deixar de serem hilárias, diga-se. Mas logo torna-se um amontoado de situações em que os personagens misturam-se e retornam momentos depois, enfrentando conflitos por vezes banais, porém com consequência tragicômicas.

O absurdo filosófico e um tanto quanto calculadamente “pedante” do título ganha um contorno perceptível: as mini-situações aqui apresentadas são pinçadas de uma realidade que se querem nonsense e, por isso mesmo, interessantes de serem postas em cena. O aspecto morto-vivo que os personagens sustentam, o rosto de uma palidez assombrosa, só contribui para esse estado de suspensão em que parecem circular aquelas almas. 

Há algo de Jacques Tati nessa construção de quadros em que a atenção do espectador pode ser levada a se fixar em certo ponto, diversos são os elementos que estão distribuídos no plano. É o tipo de filme que brinca com as percepções daquilo que temos diante de nós e daquilo que somos levados a perceber mais detidamente. Pode soar formalista demais, mas no fundo é muito gracioso, perseguindo situações bizarras. Tão estranhas como pode ser o próprio dia a dia.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Elogio da adrenalina

Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, Austrália/ EUA, 2015)
Dir: George Miller 


O primeiro Mad Max é um filme independente, feito com poucos recursos para um projeto desse tipo e, talvez por isso, cheio de uma inventividade que o tornou cult em fins da década de 1970. E arrecadou também muito dinheiro, o que tornou o segundo Mad Max um filme padrão hollywoodiano (apesar de ter corpo e alma australianos), mas ainda assim prezando pela adrenalina da aventura que se basta por si só.

E é justamente nessa mesma chave (mas em nível mais insano e grandiloquente) que também nos chega Mad Max: Estrada Furiosa, um revival da franquia de sucesso, comandado pelo mesmo George Miller, idealizador e diretor do projeto inicial. É uma chegada bem-vinda porque o filme põe em xeque algo que se incorporou ao cinema blockbuster contemporâneo: a necessidade de se fazer filmes de ação/aventura com algo de adulto, subtextos psicológicos ou questões morais/sociais que engrandecem a história com camadas relevantes, para além da diversão.

Mad Max vem pra mostrar que é possível hoje fazer um filme de ação sem discutir grandes questões, sejam elas sociais, familiares ou pessoais de seus protagonistas. Talvez obras como Batman Beggins e X-Men 2 sejam os projetos que inauguraram e melhor solidificaram esse tipo de proposta nos filmes de ação e de super-heróis, criando uma espécie de “nível de qualidade” a ser seguido.



George Miller retorna ao coração de sua proposta inicial e nos entrega um filme que não tem vergonha de ser um elogio da adrenalina, feito à base de poeira e velocidade. Encontramos Max (Tom Hardy) depois de perder esposa e filha para um bando de arruaceiros, num mundo pós-apocalíptico. Agora é prisioneiro do temido e bizarro Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), chefe de uma cidadela sitiada com acesso a água abundante e preciosa gasolina.

O filme apresenta esse novo universo, duro e degradante, e suas novas formações sociais. Interessante como, aos poucos, o espectador vai entendendo as regras que regem aqueles grupos, os papeis e funções de cada um, como sobrevivem e o que está em jogo no arriscado plano de fuga encabeçado por Furiosa (Charlize Theron), uma das esposas do vilão, tudo isso sem nunca soar didático.

Trata-se de uma bela orquestração narrativa que confere maior destaque ao percurso de fuga e perseguição e do qual Max é envolvido por acaso. De qualquer forma, as motivações dos personagens são extremamente simples: um quer sobreviver, outra(as) quer(em) fugir, outro(os) quer(em) servir. Mas essas motivações nunca são simplistas. É incrível como Theron, por exemplo, confere destemor a sua personagem e como o filme nos leva a entender e torcer por sua luta e por aquilo que representa, sem necessidade de investir num grande subtexto.

E nesse ponto, se há algo de questionável no longa é a insistência da trama em retomar o passado trágico de Max que não consegue se esquivar da perda da família; sua mente traumatizada faz questão de trazer isso à tona. É um confronto particular que não acrescenta muita coisa à história. Corre-se o “risco” do filme querer insistir numa proposta psicológica, porém, felizmente, a aventura desenfreada não permite. 

Sem grandes temas a desenvolver e enfrentar, Mad Max: Estrada Furiosa é ainda um belo filme de excessos. Não só pelas incríveis sequências de perseguição e confronto, mas mesmo no tom operístico que a causa daqueles indivíduos ganham em intensidade e adrenalina, brutalidade e bizarrice (um dos veículos do vilão possui um guitarrista e uma de banda de percussão que tocam em meio à perseguição!). É o retrato de um mundo pavoroso e sujo em que tudo é uma questão de viver ou morrer.