quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Por trás das cortinas

A Questão Humana (La Question Humaine, França, 2007)
Dir: Nicolas Klotz


A Questão Humana é um filme que só se entrega no terço final, e aproveita para, antes disso, preparar o terreno para o que virá na forma de um soco no estômago. Um filme denso e introspectivo, guiado por um personagem que começa fazendo seu trabalho e vai se chocar com a estrutura perversa do mundo capitalista/empresarial e, mais impactante ainda, com o lado mais perverso do ser humano.

O filme tem no roteiro de Elisabeth Perceval e François Emmanuel seu grande trunfo, talvez um dos melhores do ano. Simon (Mathieu Amalric) trabalha como psicólogo no departamento de Recursos Humanos numa empresa francesa, filial de uma major alemã. Quando Mathias Jüst (Michael Lonsdale, excelente), diretor geral da instituição, começa a se comportar estranhamente e a denunciar os colegas de trabalho (provavelmente, um desequilíbrio mental), Simon é chamado para investigar discretamente o que está acontecendo.

Esse foi mais outra obra que eu precisei rever. O próprio Simon diz no início, em off, que é muito difícil contar tudo cronologicamente. Acompanhamos os passos da investigação e descobrimos muito sobre o próprio Simon, sua relação conturbada com a namorada e seus métodos para fazer render os funcionários da empresa (o que inclui a realização de raves). Jüst, por sua vez, se mostra um personagem fascinante: suas atitudes descontroladas (mas sempre modestas) se contrapõem com as verdades que parece haver no seu discurso aparentemente desequilibrado.

A partir disso, o filme se torna bem mais revelador. O que move Jüst é um remorso familiar do passado, ligado ao trabalho sujo de seu pai, que mais tarde parece ser reafirmado por Karl Rose, um dos chefes da empresa e seu amigo próximo. A ligação que o pai e o amigo de Jüst tinham com o nazismo é a chave de toda a narrativa. Ao mesmo tempo, Simon começa a questionar a validade de seu próprio trabalho e começa a sofrer psicologicamente com aquilo que vai descobrindo (a cena em que ele confunde a amante com a namorada na boate é potente e reveladora).

As performances de Mathieu Amalric e, principalmente, Michael Lonsdale são de um minimalismo exato. Isso fica claro na seqüência em que Simon visita Jüst em sua casa. O anfitrião o convida para ouvir música e de repente começa a falar despropositadamente que estava apanhando de várias pessoas, e então saí da sala irritado. A tensão crescente se revela a partir do olhar perplexo de um e perdido do outro. Ambos possuem uma presença marcante no filme.

Nicolas Klotz não tem pressa em desenvolver uma narrativa que vai se revelando aos poucos. O filme ganha em complexidade à medida que o estudo dos personagens se torna algo maior, envolvendo um período problemático da nossa História, que exterminou uma quantidade absurda de judeus. O texto final em off, uma pérola, cala fundo, porque escancara atrocidades que só o homem foi capaz de cometer. Essa é a questão humana que nós precisamos reconhecer e encarar.

7 comentários:

Hélio Flores disse...

Filme difícil e hipnotico. Quero rever pra poder falar sobre. Amalric deve ser o melhor ator frances da atualidade, nao?

Viu que Woody Allen vai chegar no moviecom? Incrivel! Estarei la pra revisao.

Abraços!

Unknown disse...

Me parece um bom filme! Está em cartaz ou nas prateleiras?

Abs!

Anônimo disse...

Ainda não assisti ao filme, mas gostei muito do que vi do trabalho do Mathieu Amalric em outros longas e é bom saber que ele está ótimo neste "A Questão Humana".

Diego Rodrigues disse...

Obrigado pela visita :D

Teu blogue também ta linkado no meu lá.

Sobre o filme, ainda não consegui assistir a este, mas está na lista das prioridades pra esse ano.

Sam disse...

Caro Moviola Digital,

O Keyzer Soze’s Place convida o moderador deste blogue a participar na votação dos Óscares de Marketing Cinematográfico, iniciativa que nomeará o melhor em publicidade de Cinema no ano de 2008.

A votação pode ser efectuada em http://sozekeyser.blogspot.com/2008/12/scares-de-marketing-cinematogrfico.html.

Está disponível até ao dia 31 de Janeiro.

Desde já, apresento o meu profundo agradecimento na sua disponibilidade em participar nesta iniciativa.

Cumprimentos cinéfilos!

Anônimo disse...

Opa, primeira vez que passo aqui.
Ainda não vi o filme, mas sou muito fã do trabalho do Mathieu Amalric, então já estava ansioso, agora depois de ler seu texto, fiquei ainda mais.

Rafael Carvalho disse...

Hipnótico mesmo, Hélio. A primeira vez que vi, fiquei intrigadíssimo, mas tava um tanto cansado. Precisei ver novamente. E é um filmão. O Amalric é um grande ator, mas daí a ser o melhor francês da atualidade, não sei. O Allen também penso em rever, gostei bastante, só não acho que seja melhor que Match Point.

Dudu, Kamila e Diego, vejam o filme assim que puderem, é um dos melhores do ano. E Dudu, eu acabei baixando o filme; em cartaz não está, mas não sei se já se encontra em DVD.

Sam, eu que fico profundamente agradecido, valeu pelo convite. Achei bastante interessante essa idéia para premiar o marketing cinematográfico. Vou me informar melhor dos concorrentes e logo estarei votando. Abraço!

Seja bem-vindo então, Lucas. O Amalric está mesmo muito bem no filme, assim como o Lonsdale (um dos meus atores coadjuvantes do ano), e veja o filme assim que puder.

Abraços a todos!!