terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Criançinhas

Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road, EUA/Inglaterra, 2008)
Dir: Sam Mendes


Em determinado momento de Foi Apenas um Sonho me lembrei da premissa do bom Pecados Íntimos, de Todd Field. Ali, personagens se veem rodeados de problemas nos seus relacionamentos e acabam agindo como crianças mimadas ao enfrentá-los. O problema é que esse não é o caminho pretendido pelo mais novo trabalho de Sam Mendes, mas é por aí mesmo que o filme envereda, no que parece uma DR interminável (muita gente deve concordar que discutir relação é um saco!). No entanto, boas atuações salvam a obra, assim como alguns diálogos inspirados, e o filme consegue captar essa sensação de não conseguir fugir do sistema.

Encaixar-se nos padrões do modo de vida americano é tudo que Frank (Leonardo DiCaprio) e April (Kate Winslet) não querem, mas do qual não conseguem se desvencilhar. A aparente felicidade e satisfação escondem um casal frustrado com a vida apática que levam (tema que Sam Mendes já tratou brilhantemente em Beleza Americana). Ela é uma atriz fracassada que agora vive como a dona do lar; ele passa o dia num trabalho burocrático e enfadonho de escritório. Os dois planejam viver em Paris para a total estranheza do círculo íntimo de amigos do casal

De início, parece um tanto ingênuo se mudar para Paris, onde ela trabalharia como secretária em alguma agência governamental enquanto ele se divertiria na cidade de Luz (?!?). Por outro lado, é dessa estranheza que emana o sentimento de angústia dos personagens e sua motivação em fugir daquela vida padronizada, mesmo que a solução não seja das mais comuns. No entanto, não conseguem escapar do sistema, e daí, dá-lhe discussões e mais discussões que vão se tornando repetitivas durante o filme. Isso quando elas não soam infantis, como quando April, nervosíssima, grita para Frank: “Se você tocar em mim, eu vou gritar”. Adivinha o que ele faz? Pega nela. Adivinha o que ela faz? Ela grita!

Nesse sentido, é muito interessante quando entra na história o filho com problemas mentais do casal de vizinhos. John (vivido intensamente por Michael Shannon e indicado ao Oscar de Coadjuvante, a despeito do pouco tempo em cena), um “louco”, é justamente aquele que consegue captar, entender e jogar na cara a situação de aparências pela qual os dois passam. Assim como o April e Frank, ele está aparte do mundo, não se encaixa no padrão, foge da regra, e por isso mesmo os entende tão bem.

O texto parece melhor porque temos aqui bons atores que sustentam seus personagens e as situações com muita verdade e afinco. Com destaque para uma Kate Winslet intensa e sóbria, sem exageros, o filme ainda tem essa passagem desconcertante de Michael Shannon. A trilha sonora de Thomas Newman vai do agradável ao prenúncio de uma tragédia, nunca querendo ser maior que o filme, bem discreta.

Dessa forma, a incapacidade de fugir do sistema só pode levar à desestruturação do casamento, algo que se torna muito evidente pelos casos extraconjugais que ambos arranjam em momentos distintos. A Estrada Revolucionária, rua onde os personagens vão morar no início do filme, é a mais pura ironia para vidas que precisavam justamente disso, de uma revolução, mas continuam presas. Presos ao sistema, presos em si mesmos. Como crianças que não sabem o que fazer quando desaba o castelo de areia.

9 comentários:

Matheus Pannebecker disse...

Acho que a única coisa que realmente deu certo nesse filme foi a atuação de Winslet e as limitadas aparições de Michael Shannon (mas mesmo assim não o acho digno de uma indicação ao Oscar).

Anônimo disse...

Acho que este texto foi um dos melhores que li sobre o filme até agora. :-)

Unknown disse...

Rapaz, eu não vi o filme. Até por que entrar em cartaz aqui tá dificil! Mas, pelo visto a ida à capitá rendeu bons filmes, ou pelo menos atuais, à você, hein?
Queria ver este e Benjamin Button, mas cabe a mim... só esperar. Diferente de alguém que viaja 500km pra isso (risos)

Anônimo disse...

Na verdade "Foi Apenas um Sonho" é mesmo um bom filme, só acho que o Sam Mendes pode fazer muito melhor que isso. Vale mais por alguns aspectos individuais do que por seu conjunto...

Hélio Flores disse...

Bem mais do mesmo, sem novidade alguma.

Dia desses eu estava pensando que tenho medo de rever Beleza Americana e descobrir que nao gosto mais... O fato é que desde entao Mendes nao me impressiona em nada. Mas gosto dos atores nesse Revolutionary Road.

Abraços!

Unknown disse...

Eu já li bastante sobre o filme, mas até agora me parece que o roteiro não é bem amarrado, nem original - é mais do mesmo como disse o camarada do comentário acima. Mas ainda não o vi, são só conjecturas. Como eu não gosto de Beleza americana, talvez não goste desse... Vou esperar o DVD...

Abs!

Rafael Carvalho disse...

Matheus, acho um bom filme, apesar das repetições, e também não acho que merecesse uma indicação ao Oscar, embora o filme tenha muito a cara do prêmio da Academia.

Obrigado Kamila, eu me esforço para escrever alguma coisa que preste de vez em quando, viu!

Elizio, meu velho, esse eu nem vi em Salvador, mas deu para eu ver muita coisa legal lá. E não viajo à capital só para ver filmes, vou no shopping também... Ah, e a espera por Button não serviu muito hein!

Vinícius, se a gente for lembrar dos bem fraquinhos Estrada para Perdição e Soldado Anônimo, o filme novo do Mendes é ótimo. Mas se a gente lembrar da obra-prima que é Beleza Americana, acho que vai ser muito difícil ele se superar.

Então Hélio, o filme não tem mesmo nada de novo, mas nada contra isso, história bem contada e bem atuada. Com Beleza Americana aconteceu uma coisa engraçada comigo: quando vi pela primeira vez achei péssimo (falta de maturidade, sem dúvida); depois de revisto há pouco tempo acho uma obra-prima. E também concordo que os outros filmes dele depois deste são bem fraquinhos.

Ita Dudu, você não gotou de Beleza Americana? Porque esse filme tem muito a ver com o mais novo dele, embora não tenha o mesmo brilho. Como você não possui essa mesma percepção, pode até gostar de Foi Apenas um Sonho. Recomendo!

Indhira A. disse...

Apesar do tema batido, acredito que o filme é consistente nos seus argumentos. E claro, eu me estranharia se o filme não fosse de Sam Mendes. Acho que o filme não critica somente um modo de vida americano, mas como soa estranho aos outros destoar de uma realidade que para muitos é a única. Acho incrível a vitalidade com que Winslet e DiCaprio interpretam um casal jovem, que aparentemente conquistou tudo, mas que concluem que nada têm. E o desfecho não poderia ser mais realista possível, uma vez que a própria realidade nos banha com água gelada quando sonhamos em destoar do comum. E o personagem Michael Shannon é, o tempo todo, o cara mais lúcido do filme.

Rafael Carvalho disse...

Ei Indhy, o filme é bem a cara do diretor mesmo. Lembra um pouquinho a acidez da crítica social de Beleza Americana, embora aquelas discussões de relação comecem a ficar um tanto cansativas. De início até eu estranhei a ideia do casal de ir morar em Paris, e acho que é essa a intenção pretendida, causar estranheza, desconforto e de como isso transparce durante todo o filme. E o personagem do Shannon é mesmo o grande coringa. Um louco lúcido. DiCaprio e Winslet estão ótimos.