quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Noite irreverente

Público cativo compareceu ao Centro de Cultura para as exibições do segundo dia de evento. A diretora do curta-metragem A Cidade Cargueiro, Aline Frey, estava presente para apresentar seu filme que disse ter sido feito para crianças, mas que tem conquistado alguns adultos por aí. Mas foi o segundo curta da noite, Dossiê Rê Bordosa, que animou mais a platéia. Pan-Cinema Permanente, longa documental sobre o artista baiano Waly Salomão, foi bem recebido e bem digerido, talvez mais pelo caráter bonachão dado ao biografado do que pelo seu viés contestador.


A Cidade Cargueiro (BA/BR, 2008)
Dir: Aline Frey


Existe nesse curta uma vontade muito grande de ser maior, mas ele se contenta com pouco. Numa ilha bem próxima a Salvador, dois garotos divisam as luzes da cidade além do mar e se valem da imaginação para construir maneiras de chegar à capital. A irritante tentativa de forçar um baianês falado pela gente humilde da região torna o filme confuso, mesmo para os baianos; me parece mais uma tentativa desnecessária de imprimir regionalidade ao texto. O elenco não ajuda muito pela falta de espontaneidade das atuações (principalmente as crianças). A partir daí, dá para pensar que aqueles personagens não parecem existir por si sós, eles são meras construções ao alcance da vontade da diretora Aline Frey. O que fica é o poder de imaginação em contraponto à realidade divergente.


Dossiê Rê Bordosa (SP/BR, 2008)
Dir: César Cabral


Meu primeiro e mínimo contato com Rê Bordosa, personagem do cartunista Angeli, foi através do longa de animação brasileiro Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock’n’Roll. Mas não conhecer a fundo essa personagem de nada atrapalha as boas gargalhadas causadas pelo curta animado Dossiê Rê Bordosa. Feito em stop motion (aquela animação com bonecos de massinha), o curta procura documentar as investigações a cerca do assassinato da personagem cometido pelo próprio cartunista. Personagem essa um tanto... escrota. Rê Bordosa é uma mulher safada, desbocada, vulgar e transa com qualquer homem. Com uma narrativa ágil e repleta de tiradas hilariantes (a maioria relacionadas a sexo, claro), personagens reais ganham versões animadas para (re)construir a relação entre criador e criatura, para daí chegar ao crime. O resultado é o mais divertido possível.


Pan-Cinema Permanente (SP/BR, 2007)
Dir: Carlos Nader


“Alguém que não sabe onde começa a lucidez e termina a loucura”. Assim se auto define Waly Salomão, poeta, compositor e produtor musical baiano que faleceu em 2003, posto em evidência nesse documentário de Carlos Nader. Além do talento com as palavras, Waly se mostra um personagem tão irreverente que por si só já justifica a feitura do filme. Diante de uma câmera, ele solta todo seu verbo e sua eloqüência ora confusa, ora profunda, ora poética.

Logo se percebe o quanto há de teatral na fala e na maneira dele se portar diante da câmera, mas tudo isso no bom sentido. Sua figura revela um homem zombador, mas que sabia falar alto e fazer sua crítica social. Ao mesmo tempo em que era muito espontâneo, essa espontaneidade era vista por seus amigos como construída, forjada (mais uma vez, no melhor sentido). Daí vem a admiração por sua pessoa. Em algum momento, alguém reflete sobre um personagem que parecia fazer parte da personalidade do Waly, com o qual ele “encenava a própria vida”.

Interessante como todos o depoimentos são registrados apenas com voz em off, conferindo mais espaço em tela para a figura de Waly, resgatada a partir de fotos e filmagens antigas. Dessa forma, o diretor mostra o fascínio pela imagem do personagem central, que se justifica pela forte presença física desse artista na tela.

Carlos Nader ainda não tem receio em se expor no filme enquanto profissional que conduz o documentário, mas também como amigo do próprio Waly, mantendo com esse uma relação de pura afetividade. Ele próprio faz um depoimento sobre o artista baiano. E mais uma vez (depois de Booker Pittman) um documentário da Mostra não se preocupa em apresentar linearmente seu biografado, e sim apresentá-lo ao público, o que é muito mais interessante.

O jeito bonachão e irrequieto era a marca maior de um artista tão rico em humanidade e força criativa. Para quem o vê na tela, fica a forte impressão de um menino brincando de viver.

2 comentários:

fabiana disse...

Sinto falta dessas mostras por aqui.

=(

Rafael Carvalho disse...

Pois então Fabiana, essa é uma ótima oportunidade para ver os filmes nacionais já que poucos chegam aos cinemas e também os curtas-metragens que se destinam em grande parte para eventos desse tipo. É uma maratona, mas é bem proveitoso.