
Assédio (Besieged, Itália/Reino Unido, 1998)


Quando numa briga, por exemplo, ele assume seu amor por ela, cena e texto soam deslocados, quase que emperrado. Na mesma cena, ela muda de assunto imprevisivelmente e pede para que ele ajude-a a tirar o marido da prisão, em mais um momento deslocado. Outras cenas do filme pecam por esse mesmo constrangimento, embora a vantagem é que Bertolucci nunca se mostra óbvio. A veia politizada do filme surge na forma como expõe os problemas políticos dos países africanos e os governos despóticos que ainda imperavam em alguns deles, mas sem nunca especificar um em questão. Porém, importa mais ao cineasta o dilema dessa personagem dividida entre a luta em reencontrar o marido e a nova paixão pelo músico. O final ambíguo só reforça o tom provocador do filme.
O Conformista (Il Conformista, Itália/França/Alemanha Ocidental, 1970)


Tudo na vida dele é tratado com frieza. Bertolucci aproveita ao máximo a soberba fotografia de Vittorio Storaro que contrasta cores quentes e frias compondo imagens fortes, cheias de vida, encontrando oposição na passividade total de seu protagonista. A montagem ágil e inteligente já se configura, nesse momento, como uma marca do autor, em que cada corte guarda uma surpresa no sentido de que ele nunca revela o óbvio, além das narrativas paralelas da própria história. Talvez o melhor filme de Bertolucci, O Conformista se arma de um rigor formal classudo para revelar um homem perdido no tempo. O final, ao se inscrever já na decadência do fascismo italiano, aponta para uma nova forma de encarar a sociedade, e Marcello está pronto a aceitá-la sem contestações.
O Céu que Nos Protege (The Sheltering Sky, Reino Unido/Itália, 1990)


Eles parecem saber exatamente isso que se passa, o que fica evidente na sequência em que eles se encontram num penhasco (a mais bonita e também ácida cena do filme). Bertolucci não nos poupa das intempéries do destino, tendo em Kit a personagem que buscará de forma surpreendente superar a lacuna de amor correspondido, se perdendo ela mesma na paisagem africana. Mais uma vez, Vittorio Storaro nos entrega imagens de uma beleza gráfica pela aridez da África. Tão árido quanto os relacionamentos mal-resolvidos de seus personagens, apesar dos desejos que existem.
Beleza Roubada (Stealing Beauty, Itália/França/Reino Unido, 1996)


De qualquer forma, o filme é cheio de vigor e de uma tensão sexual incrível. Liv Tyler, luminosa, esbanja sua beleza virginal. Bertolucci filma de forma mais clássica, um tanto diferente de seus filmes mais conceituais, sem imprevisibilidades técnicas (em especial através de uma montagem totalmente linear). O resultado revela um rito de passagem para a idade adulta dos mais bonitos, sincero com os dramas e dilemas emocionais de seus personagens, apontando para a necessidade de se desnudar para se (re)descobrir.
La Luna (Idem, EUA/Itália, 1979)


Mesmo assim, o filme dá muitas voltas para chegar num terço final em que o drama inicial parece perder lugar para outras questões, envolvendo a paternidade do garoto. Não existe uma preocupação do filme em nos mostrar a resolução do vício dele (como seria até uma cobrança descabida pois o filme não se pretende a um estudo de problemáticas sociais, muito menos de lição de moral), mas a narrativa aponta para um final que se abre demais. Nada contra eles, desde quando bem contextualizados na obra. La Luna revela o mesmo Bertolucci provocador e ácido, inserido aqui num contexto novo, mas que peca pela resolução desencontrada da história.
O Último Imperador (The Last Emperor, China/Itália/Reino Unido/França, 1987)


A pouca aproximação com a história da China pode dificultar o acompanhamento de todas as reviravoltas do filme (a obra, no pior sentido, ganha aqui ares de “filme histórico”, que o deixa muito preso a um certo padrão documental dos fatos). No entanto, Bertolucci contrapõe isso criando um espetáculo visual pomposo e grandiloquente, se beneficiando dos ícones da cultura oriental e da representação de um personagem de linhagem real. Vale destacar como as cenas vão, cronologicamente, perdendo sua coloração viva e os planos mais abertos do início para ganhar mais densidade com uma luz mais fria e planos fechados ao final, proposta condizente com a própria trajetória de seu protagonista.
Ranking Bernardo Bertolucci
Depois dessa maratona, uma lista (que não ofende ninguém) das minhas preferências dentro da filmografia do cineasta:
O Conformista
O Último Tango em Paris
O Céu que Nos Protege
Os Sonhadores
Beleza Roubada
Antes da Revolução
O Último Imperador
La Luna
Assédio

6 comentários:
Gosto de todos os filmes de Bertolucci.
Estou com o DOSSIÊ GRETA GARBO. Apareça! Abração,
O Falcão Maltês
Então, do Bertolucci adoro O ÚLTIMO TANGO EM PARIS, OS SONHADORES e 1900. O CONFORMISTA e ANTES DA REVOLUÇÃO são ótimos, e O ÚLTIMO IMPERADOR é mesmo um bom drama histórico, mas excessivamente quadrado, pouco condizente com a filmografia do diretor. BELEZA ROUBADA eu vi há muito tempo, precisava rever...
Sempre prezo a palavra de admiradores de diretores quanto leio comentários porque eles entendem bem sua obra, seus temas, o contexto, toques pessoais, etc. No caso de Bertolucci, várias coisas ficaram além da minha visão porque não consegui ver nada de especial em Conformista, Céu e Imperador (fora o visual), mas que diabos, sempre estou disposto a absorver opiniões alheias mais bem informadas e rever os filmes.
Antonio, gosto muito do Bertolucci, principalmente quando ele se mostra mais atrevido e estimulante em seus filmes.
Wallace, Novecento eu acabei perdendo na mostra, mas gosto de todos os que você citou, com a mesma ressalva a O Último Imperador. Beleza Roubada, visto pela primeira vez, bateu muito forte, principalmente pela presença luminosa de Liv Tyler.
Gustavo, esse é um exercício muito interessante, se interessar mesmo pelos filmes e realizadores que à primeira vista não nos apaixonam. Mas digo que no caso do Bertolucci a prestreza visual está a serviço de história poucas vezes óbvias e das mais provocadoras.
neste blog tem alguma postagem sobre "The Dreamers"?? eu não encontrei...
É um filme maravilhoso para quem gosta de cinema, um dos meus preferidos do Bertolucci...
blog muito bom. Parabéns.
Anônimo, gosto muito de Os Sonhadores também, mas não tenho postagem sobre ele aqui no blog. Escrevi sobre o filme em outro espaço que eu tinha antes, o post está aqui: http://www.cinematografo21.blogspot.com/2007/05/sexo-e-poltica-e-cinema.html.
Mas dê um desconto, é um texto bem capenguinha, de 2007, da época em que eu tava começando a escrever sobre cinema. E que bom que gostou do blog, volte sempre aqui.
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