quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Brega chic

O público do Centro de Cultura, marcado mais pela presença de crianças de escolas públicas, pareceu pouco animado para a tarde de hoje, embora o longa que traz a figura do cantor de música brega Waldick Soriano pareceu ter animado a platéia. Ao fim da projeção, o radialista conquistense Jota Menezes, amigo de Waldick, se emocionou ao falar do cantor, sob aplausos carinhosos da platéia.


Damião Experiença (DF/BR, 2007)
Dir: Jimi Figueiredo


Personagens estranhos, exóticos e que possuem algo a falar, mesmo que da forma mais confusa e efusiva possível, são alvos muito comuns no cinema brasileiro. Muitos querem ser Estamira. O problema é que nem sempre conseguimos enxergar uma importância nisso, ou naquilo que eles têm a dizer (muito já foi dito). O mendigo Damião é fisgado nas ruas do Rio de Janeiro e passa a contar um pouco de sua história pessoal e o que acha da vida, da política, da miséria e coisas assim. Com muita facilidade, ele fala de tudo isso muito embora não sabemos até que ponto é mesmo verdade ou até onde isso é realmente relevante.


Tira os Óculos e Recolhe o Homem (RJ/BR, 2008)
Dir: André Sampaio


A história real do cantor e compositor Jards Macalé quando é preso após um show em parceria com Moreira da Silva se transforma em ficção nesse curta com ares de pastelão e irreverência, em que o próprio Macalé interpreta a si mesmo e outros papéis. Um exagero na caracterização dos personagens é proposital para alcançar um nível de filme bonachão, muito embora algumas cenas pareçam um tanto confusas. Talvez a rapidez com que tudo é executado e a falta de maiores informações sobre o contexto do acontecimento prejudiquem a narrativa. O curta ainda inclui uma seqüência descabida de um sonho em que Macalé aparece caracterizado de Caubói para salvar uma mulata de escola de samba. Uma outra seqüência documental traz o próprio cantor falando do acontecimento. Tudo isso dá uma forte sensação de um curta egocêntrico. Mas tem lá seus bons momentos.


Waldick, Sempre no Meu Coração (SP/BR, 2007)
Dir: Patrícia Pilar


A estréia da atriz Patrícia Pilar na direção de um longa acabou se tornando um filme-testamento. Waldick, Sempre no Meu Coração foi lançado tempos antes do cantor falecer por complicações de um câncer de próstata há pouco mais de um mês. Conhecido por sua música brega (Eu Não Sou Cachorro Não é o exemplo mais próximo), o documentário confere importância ao personagem e expõe detalhes de sua vida nem sempre tão românticos quanto suas músicas.

Daí vem o ponto positivo do filme: não há uma tentativa de vangloriar o personagem, de trazê-lo para o mainstream da música brasileira, embora o apego pela suas canções esteja impresso na obra. Sem correr muitos riscos, o documentário de apenas uma hora se apóia basicamente nos depoimentos, sem preocupações estéticas ou de busca pela construção de significados mais fortes das imagens. Talvez falte a Patrícia Pilar um contato maior com o formato.

O filme contou com o apoio do próprio Waldick que falou de sua árdua trajetória ao sair do interior da Bahia, em Caetité, para trabalhar na capital paulista. Passou por muita dificuldade até ser descoberto por um amigo e gravar uma música que logo se tornou sucesso nas rádios de São Paulo. Daí em diante, sua carreira seria consolidada.

Adentrando o íntimo desse personagem, passamos a conhecer os desenlances amorosos do grande mulherengo que era Waldick. Muitas mulheres passaram por sua vida ( sofrendo bastante) e talvez venha daí a matéria-prima de suas composições. Além disso, o filme revela o desentendimento dele com um de seus oito filhos, expresso numa das passagens mais duras do filme quando, ao se encontrarem, as cicatrizes do passado parecem continuar abertas. Nesse sentido, o filme simplesmente registra e nos entrega não um personagem construído, mas o mais verdadeiro e real possível.

O olhar terno de Patrícia Pillar, por outro lado, tenta encontrar o homem por trás da expressão dura do rosto, marcado pelas rugas do tempo. Talvez essa seja uma misteriosa contradição já que estamos falando daquele que cantou o amor mais rasgado e, principalmente, o mais puro e ingênuo sofrimento amoroso.


PS: as sessões da tarde têm contado com a presença de crianças de escolas públicas que são convidadas a assistir aos filmes. É a Mostra tentando formar público para o cinema brasileiro.

2 comentários:

Anônimo disse...

Dos filmes citados no post, o único sobre o qual ouvi falar foi "Waldick, Sempre no Meu Coração". Uma pena que o filme só tenha estreado após a morte do Waldick Soriano, mas espero que ele tenha tido a oportunidade de conferir o trabalho feito pela Patrícia Pillar.

Anônimo disse...

"Waldick" ganhou uma nova conotação após a morte do cantor e é por isso mesmo que chama a atenção, sem falar na direção da Patrícia Pillar.