segunda-feira, 23 de abril de 2012

Negócios profundos

Titanic 3D (Idem, EUA, 1997)
Dir: James Cameron

A revisão de Titanic definitivamente não me fez bem. Eu tinha um filme muito melhor na cabeça, essa que há 15 anos (aos 10 de idade, diga-se) via o gigante de James Cameron como uma grande experiência de catástrofe, tendo de esperar metade do filme para poder presenciar o imenso navio então indestrutível ser transformado em destroços engolidos pelo mar. Mas, na verdade, Titanic trata-se de um grande melodrama, o encontro de opostos no mundo no momento mais adverso possível.

O grande problema está na forma rasteira como esse melodrama se apresenta na narrativa, uma certa aura imaculada que ronda os protagonista enquanto eles se descobrem num amor proibido, ao mesmo tempo em que os algozes se revelam as mais vis atitudes, prontos a darem fim no florescer de uma bela história de amor. O pior é como esse maniqueísmo surge sem máscaras no roteiro. Jack e Rose (Leonardo DiCaprio e Kate Winslet) são os heróis de coração puro, amantes da liberdade, ele ingênuo, ela independente, enquanto o noivo e a mãe da moça (Billy Zane e Frances Fischer) pousam de ricaços metidos, arrogantes e sem coração.

E não adianta dizer que justamente por ser um melodrama esses detalhes são esperados e pouco relevantes, porque há formas diversas de construí-los. Do jeito que se apresenta, Titanic se enfraquece enquanto melodrama mesmo, exatamente uma de suas maiores forças de sustentação (que continua forte, aliás, vide o sucesso, passado e presente, do filme).

Pena que até se desenhar essas figuras e o contorno geral do enredo, o filme traça um ótimo percurso de conhecimento. Mesmo que alongando a película, o início do filme, com a descoberta dos destroços do navio, fazem bastante sentido ainda hoje e funcionam como eficiente forma de narrar a história em flashback.

Mas a outra força do filme permanece intacta: a reconstrução bastante plausível da destruição. E nesse sentido, mais uma vez, não há como negar que o espetáculo da ruína seja tão eloquente na busca por uma verossimilhança que se alcança com primor, apoiado num aparato tecnológico que faz valer a pena todo seu investimento. Desde o momento em que o navio se choca contra o iceberg tudo ganha ares de tensão crescente à medida que o gigante navio vai se reduzindo a nada, levando todos consigo.

Sobre o 3D, já tá ficando chato ter de falar, na maioria dos casos, do despropósito que tem sido ver esses filmes todos com uma promessa de experiência visual mais marcante e sair decepcionado, em especial nos filmes convertidos para a tecnologia, sejam eles novos ou resgatados do fundo do baú. Com Titanic estranha que aconteça a mesma coisa porque é fruto do mesmo responsável por Avatar, uma das experiência mais bem sucedidas do artefato tridimensional (muito por ser feito justamente com esse intuito).

Entre ser um filme que marcou época estando agora resgatado com adicional tecnológico da moda, o relançamento de Titanic nos cinemas só nos revela a grandiosidade das coisas. Não do filme em si, que tem seus bons momentos, seus rompantes de força narrativa, mas enquanto experiência do majestoso, seja ele o amor não concretizado, seja a destruição do navio inabalável, mas ainda, e principalmente, a grandiosidade dos negócios que fazem girar a máquina hollywoodiana de fazer dinheiro.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Movimentos de vida

Pina (Idem, Alemanha/França/Reino Unido, 2011)
Dir: Wim Wenders



É preciso não confundir Pina, de Wim Wenders, com um filme genial. Isso porque genial mesmo é o trabalho da coreógrafa e dançarina alemã Pina Bausch, mulher que abriu os horizontes da dança contemporânea acrescentando mais encenação em seus números. Assim, um filme que toma para si esse retrato da arte não se torna genial somente por evidenciá-lo. Sabendo disso, Wenders dota seu trabalho poético-documental de certas liberdades narrativas, o que confere ao filme, aí sim, um ar independente de força criativa, fazendo jus à própria arte da coreógrafa. Portanto, um belo trabalho.

O que seria um filme sobre Pina Bausch, com a própria participação da coreógrafa, mudou de figura quando ela morreu repentinamente em meados de 2009, vítima de um câncer então recém-descoberto. Daí, o projeto teve de ser remodelado, e Wenders passou a evocar o trabalho, a presença, a importância e a inteligência emocional de Pina através dos depoimentos dos dançarinos de sua companhia, a famosa Tanztheater Wuppertal, mesmo que por vezes imagens e falas de Pina sejam recuperadas para demarcar certas questões.

E esse é um primeiro movimento inteligente que Wenders faz. Como ele mesmo define, esse é “um filme para Pina Bausch”. Assim, nas entrevistas, Wenders pede aos dançarinos que digam o que eles gostaria de falar para Pina, como uma declaração, uma homenagem póstuma. E numa liberdade poética dentro das convenções do documentário, os depoimentos são ouvidos em off, enquanto os depoentes surgem na tela como que pensando aquelas palavras, o que só reforça o intimismo e veracidade de cada fala.


Mas ao mesmo tempo, as lembranças de cada um vão revelando a personalidade da coreógrafa e a força criativa de sua dança, principalmente quando sabemos que ela valorizava bastante as experiências pessoais de seus bailarinos para compor os números dos quais eles participavam. Além disso, ao reunir uma gama de dançarinos de diversas partes do mundo, o filme reforça o caráter de universalidade da dança, uma vez que cada um fala na sua própria língua natal.

Filmado em 3D, Wenders ainda oferece a possibilidade de tridimesionalizar a arte da dança. Pela primeira vez, o 3D é usado não só como potencializador da imagem (e Wenders sabe muito bem se utilizar da profundidade de campo para alcançar um bom efeito do 3D), mas também como comentário subjetivo. É como se o diretor conferisse à dança uma proporção de multidimensionalidade, estética e sensorial, humana e sentimental. E confesso que esse segundo sentido, mais subjetivo, me pareça muito mais rico do que a capacidade da imagem em se estender na tela.

Mas um outro movimento exemplar que Wenders faz é tirar os dançarinos do palco para que as coreografias ganhem as ruas, os espaço aberto, muitas vezes em comunhão com o meio natural. Se o recurso impede que possamos chamar o filme de “teatro filmado” (embora se assim fosse, nada teria de redutor – tudo depende da forma como um cineasta compõe isso), também auxilia na percepção de que a dança é expressão dos anseios da vida cotidiana, se aplica a muito de nossa rotina, embora se expresse através da extrema subjetividade do corpo e de seus movimentos. “Tudo o que você pode fazer é insinuar”, diz Pina no início do filme.

Assim, a dança não se enclausura e o trabalho de Pina Bausch ganha vida aqui através dos movimentos e confissões de seus bailarinos. Wenders se esforça bastante para criar uma composição inspiradora – mas sobretudo cinematográfica – que faça jus às criações de Pina (embora exista todo um sentimento positivo de reverência, um respeito imenso pela coreógrafa), escolhendo belos números para ilustrar o filme. Pina funciona como um retrato de uma grande artista que se foi, deixando boas marcas em seus companheiros de arte e especialmente no público, justo quem sai ganhando com a experiência de sua dança.

sábado, 14 de abril de 2012

Bobos no altar

Meu Primeiro Casamento (Mi Primera Boda, Argentina, 2011)
Dir: Ariel Winograd



Se o cinema argentino contemporâneo vem mostrando vigor e talento na construção de um filmografia de valor mais autoral (podemos falar de diretores com alta personalidade como Lucrecia Martel, Pablo Trapero e Lisandro Alonso), é muito interessante perceber também o lado mais comercial desse cinema. Meu Primeiro Casamento é uma desses casos típicos, exceção de produto que dificilmente chega ao nosso mercado (isso porque o cinema hollywoodiano já alimenta o filão em grandes doses).

Faço essas ressalvas porque, como comédia romântica, o filme argentino do novato Ariel Winograd reprocessa alguns mesmos lugares-comuns do gênero, buscando a graça a partir do nonsense de situações pouco prováveis, mas que ganham espaço no filme como coisas normais de acontecer, por pessoas que não têm nenhum problema com isso. Seu diferencial, no entanto, é não ser apelativo (piadas de baixo calão, envolvendo sexo, principalmente, como certa parte dos filmes nacionais se habituaram a fazer, são bastante comuns nesse tipo de obra).

Narrado em flashback pelos próprios noivos, em separado, o filme demonstra ora a visão de e de outro sobre os acontecimentos do casamento e, principalmente, de como as coisas têm de tudo para dar errado. O noivo Adrián (o ótimo Daniel Hendler) surge como um pobretão, no fundo ainda indeciso sobre se quer mesmo concretizar o matrimônio, um cara de pau nato, enquanto a noiva Leonora (Natalia Oreiro) se esforça para que o casório dê certo na esperança de dobrar definitivamente o futuro marido.

Festas que envolvem familiares e amigos reunidos são proto cheio para a lavagem de roupa suja, reencontros do passado e trapalhadas mil que ganham espaço para diversão e barraco. Nesse âmbito, o filme se esforça para apresentar uma gama de personagens secundários engraçados (uns mais que outros), com suas peculiaridades, muitas vezes beirando o ridículo. É a mãe bêbada, o tio maconheiro, o avô descarado, a madrinha de casamento lésbica que se encanta pela atual namorada do ex da noiva. Mas o melhor deles, sem dúvida, é o primo babaca do noivo, Fede (Martín Piroyansky), cara de paspalho (e nome esquisito para nós) que se junta a suas atitudes sempre descabidas, criando simpatia imediata com o público.

Mas talvez resida aí o maior incômodo do filme: a necessidade que os personagens têm de fazer idiotices sem uma razão específica para isso (a perda da segunda aliança é ridícula, por exemplo, difícil de comprar), pois aposta-se que esse tipo de humor bobo gere risadas. Em alguns casos sim, em outros muito pouco, o que mais acontece nesse filme aqui. Mesmo assim, a graça está presente por conta de algumas boas tiradas, mas principalmente pela ótima performance de Daniel Hendler (ator dos ótimos As Leis de Família e O Abraço Partido), noivo malandro como poucas vezes se vê, um quase anti-herói.

Nessa irregularidade, pena que o filme caminhe para a arrumação das coisas de forma que todos saiam ganhando, o que frustra um tanto pela facilidade de descartar os dramas mais complexos que a trama poderia desenvolver. O cinema argentino, pelo hype que conquistou, tem tido muitas de suas obras aclamadas, às vezes em exagero. Meu Primeiro Casamento não é para tanto; diverte em certa medida, mas oferece muito do mais do mesmo, só que falado em espanhol. Pelo menos, é uma maneira do grande público notar que outras cinematografias consideradas mais “cults” (que termo chato!) podem também ter algo de banal.

Coisa de Cinema


Os trabalhos no Coisa de Cinema continuam. Minhas últimas contribuições são com críticas dos seguintes filmes: Habemus Papam, Anderson Silva: Como Água, Guerra é Guerra, O Espião que Sabia Demais, Tão Forte e Tão Perto, Millennium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres, As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne, Dawson Ilha 10. Visitem, comentem, divulguem.


domingo, 8 de abril de 2012

Da aventura à responsabilidade

Xingu (Idem, Brasil, 2012)
Dir: Cao Hamburger




Existe um conflito ideológico muito interessante nesse Xingu: a despeito de ser um filme nacionalista, seus heróis lutam contra o próprio sistema perpetrado pela Nação que nega a identidade indígena como algo de nossa formação cultural, ao mesmo tempo em que busca justamente certa unidade federal. O problema é que esse senso de integração está mais ligada à terra propriamente dita e o que ela pode oferecer em termos de lucro financeiro do que uma constituição de princípios patrióticos.

É em meio a esse conflito que os irmãos Villas-Bôas, Orlando (Felipe Camargo), Cláudio (João Miguel) e Leonardo (Caio Blat), terão uma importância crucial na luta pela preservação e respeito às culturas indígenas que se descobrem na região central do Brasil. O mais interessante é perceber como essa empreitada surge sem a menor carga de (boas) intenções e acaba se tornando a razão de existência desses homens que largaram vida confortável em São Paulo.

Ao pegar carona na expedição Roncador-Xingu que recrutava trabalhadores braçais (em especial aqueles que não tinham instrução e sem grandes oportunidades de trabalho nas cidades), em meados dos anos 40, os irmãos partem em busca de aventura, sem a menor ideia dos povos indígenas que encontrariam pela frente habitando as regiões virgens do centro do país.

Interessante como o diretor Cao Hamburger constrói com muita parcimônia esse curioso interesse que se frutificou entre os irmãos sobre os nativos, tornando-os líderes de uma causa que pouca gente gostava de defender (ainda mais naquele tempo em que a questão indianista era um certo tabu). Hamburger deixa de lado a sutileza ao tratar de temas espinhosos através de um olhar infantil, como fez no ótimo O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, mas continua atento para questões sociais, sem precisar levantar bandeira ferrenha a favor delas.

Ainda assim, ao retratar essas questões da política nacional e o início de uma rejeição em escala crescente sobre os índios brasileiros, o filme lança luz sobre os próprios conflitos atuais envolvendo as disputas de poder entre os “brancos” e os povos nativos cada vez mais dizimados, situação que vimos se multiplicar nos últimos anos. Mesmo assim, não existe um olhar mais pesado e contundente sobre a questão no filme, como no ótimo Terra Vermelha, ou nos preciosos e humanista documentários Corumbiara e Serras da Desordem, deixando maior espaço para construir essa relação dos irmãos para com causa tão nobre.

Aqui, os índios são revelados nas suas idiossincrasias culturais, sem que se busque uma construção de bom/mau selvagem; são povos confrontados em seu próprio habitat natural. Da mesma forma que não se tenta santificar os Villas-Bôas em sua posição de heróis nacionais que é difícil não admitir que realmente são. Têm lá suas fragilidades e desavenças.

Exibido na Mostra Panorama do Festival de Berlim deste ano, Xingu é ainda um deleite visual, em especial por conta da fotografia de Adriano Goldman que valoriza as belas paisagens naturais, em esplêndidas tomadas gerais do cerrado brasileiro, com luz farta. Mas por tratar de tema complexo, muitas vezes utiliza-se a contraluz que contrapõe a beleza da região com a obscuridade das barreiras e resistências que a questão indianista enfrenta. Mesmo assim, Xingu é um filme feliz, não só pela execução apropriada, mas por fazer jus aos homens que doaram sua vida e seu trabalho a uma causa humana e, acima de tudo, por terem conquistado vitórias que se não são ideais, devem ser festejadas.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Curtinhas

Poder Sem Limites (Chronicle, EUA/Reino Unido, 2012)
Dir: Josh Trank


Filmes que se utilizam da câmera subjetiva acionada e controlada pelos próprios personagens já deixaram de ser uma novidade um bom tempo, perfazem praticamente um novo subgênero. Daí que não se deve cobrar mais originalidade dentro do formato. Poder sem Limites é mais um desses projetos. Seu problema maior é que na maior parte do tempo se mostra desinteressante, com jovens descobrindo e testando seus novos poderes repetidamente, fazendo idiotices e agindo como os adolescentes imaturos que são. Só que com habilidades especiais. Um trio de amigos descobre numa caverna um objeto misterioso cujo contato lhes conferirá certos poderes, como a capacidade de mover objetos e a si mesmos, ou seja, voar.

O filme ensaia um contexto dramático que diz muito sobre Andrew (Dane DeHaan) e sua reclusão, timidez e comportamento antissocial. Enquanto sua mãe permanece de cama como doente terminal, seu pai se revela um sujeito bruto que o espanca constantemente. O lar desfacelado justificaria a necessidade dele em se reafirmar perante os demais, de demonstrar valor (algo muito próprio da adolescência), o que ganha fôlego – e perigo – com as novas habilidades. Mas o filme escorrega em sempre apresentar esse drama de forma rasa e sem muito contexto, preferindo focar muito mais pirotecnias que os jovens são capazes de fazer com seus poderes. Sendo ele o dono da câmera que capta as imagens do filme (embora, por vezes, outras câmeras, de outras pessoas, assumem o “discurso” da narrativa), pode-se justificar essa opção pela própria imaturidade do garoto. Mas aí parece desculpa para encobertar os problemas que o filme apresenta.


A Música Segundo Tom Jobim (Idem, Brasil, 2012)
Dir: Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim


Às vezes não parece haver melhor forma de homenagear um artista e seu trabalho do que colocando esse mesmo trabalho em evidência. O grande mérito desse A Música Segundo Tom Jobim é radicalizar esse processo ao construir toda uma narrativa exclusivamente com trechos de artistas (incluindo ele mesmo em companhia do fiel parceiro Vinícius de Moraes) que catam as músicas que foram orquestradas e/ou compostas pelo famoso maestro. A coragem do projeto vem assinado por um dos grandes expoente do Cinema Novo, o cineasta Nelson Pereira do Santos, em parceria com a neta de Tom, Dora Jobim. Juntos, eles costuraram uma série de vídeos e gravações dos mais variados artistas interpretando as canções. O caráter universal da música fica logo evidente porque ao lado de Gal Costa, Chico Buarque, Elis Regina, Maysa, há também Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Sammy Dvis Jr., bem como os mais contemporâneos, como Adriana Calcanhotto e Diana Krall, todos defendendo com talento alguma canção.

Se o “documentário musical” se tornou uma vertente bastante frutífera na produção brasileira recente, A Música Segundo Tom Jobim renova bem o formato (não há uma única entrevista, uma fala sequer de alguém sobre o que quer que seja), se tornando único em sua proposta. No fundo, é um trabalho extremamente simples, com um resultado agradabilíssimo. Isso porque evoca o simples prazer de ouvir boa música. É como se o filme buscasse uma pureza, primeiro do som, depois da imagem, a fim de alcançar a genialidade criativa do homem que deu vida a tantas composições que hoje se tornaram clássicos da música popular brasileira. E como diz o próprio maestro, “a linguagem musical basta”. O filme faz jus ao recado.


Encurralado (Duel, EUA, 1971)
Dir: Steven Spielberg


Sendo do início da carreira de Steven Spielberg nem é de se espantar que Encurralado seja um filme corajoso, tipo de produto que não encontra mais espaço dentre a filmografia mais comportada e até mesmo moralista do diretor (o que não quer dizer que sejam ruins, muito pelo contrário, como atesta os novos As Aventuras de Tintim e Cavalo de Guerra). E olha que Encurralado foi feito para a TV. A história do homem que encontra pela estrada um caminhão dirigido por um lunático com tendências assassinas, perseguindo e atacando-o a todo custo com seu veículo, é de um senso de tensão crescente e intimidador. A história toda se concentra na perseguição sem motivos que o caminhoneiro desconhecido perpetua contra esse homem comum, deixando-o em maus bocados.

Uma das maiores qualidades do filme é de nunca revelar a identidade do motorista do caminhão, transformando o veículo no verdadeiro vilão da história, filmado como um ser misterioso e ameaçador, um brutamontes das estradas pronto pra te pegar lá fora. Para isso, o diretor abusa dos planos em contra-plongée (ângulo filmado de baixo para cima) ou muito próximos do caminhão, justamente para criar esse efeito de superioridade e opressão. David Mann (Dennis Weaver) é quem vai suar para se livrar da ameaça que se torna cada vez mais perigosa e mortal. Um thriller nonsense e perturbador, dos melhores que os anos 70 nos deixou.


Românticos Anônimos (Emotifs Anonyms, França, 2011)
Dir: Jean-Pierre Améris


Parece bastante estranho que em determinado momento desse filme um carrão desses modernos venha buscar a protagonista num hotel. Digo isso porque Românticos Anônimos trabalha num registro que sugere uma atmosfera à moda antiga, como uma comédia romântica que tem gosto de ingenuidade, dessas tão incomuns recentemente. Na verdade, toda produção do filme (com figurinos e direção de arte) remete a um passado em que se potencializava as histórias de amor através do acanhamento de seus personagens. Pois Angelique (Isabelle Carré) e Jean-René (Benoît Poelvoorde) são exemplos vivos de quem sofre de timidez aguda, o que dificulta a construção de relacionamentos amorosos.

E tudo no filme parece celebrar essa candura da impossibilidade de amar por conta da falta de confiança que cada um possui em si mesmo, torcendo ao mesmo tempo para que esse problema seja superado. Daí que é muito boa a ideia de um grupo de apoio que reúne pessoas que sofrem do mesmo mal (ele se consideram “emotivos”, trocando experiências sobre suas derrotas amorosas). Assim, o diretor Jean-Peirre Améris costura uma história singela, que não ofende ninguém na sua roupagem doce, e nos faz criar empatia imediata por esses personagens que sofrem pela falta de amor, mesmo quando ele está ali do seu lado, esperando por um ato maior de coragem.

domingo, 1 de abril de 2012

Talento desperdiçado

Heleno (Idem, Brasil, 2011)
Dir: José Henrique Fonseca



Ainda existe um estigma no cinema brasileiro de que não conseguimos fazer um filme digno sobre futebol, isso desde quando o Brasil era reconhecido como o grande país desse esporte. O problema é que essa fase já passou (os clubes europeus desde há tempos detém esse mérito; alô, Barcelona!). Mas mesmo assim, ainda há essa cobrança, apesar de boas tentativas no cinema brasileiro que, não necessariamente, têm o seu foco no futebol (alô, Linha de Passe! – E não podemos esquecer do ótimo Boleiros – Era Uma Vez o Futebol, de Ugo Giorgetti). Heleno é um caso típico desses, e um bastante estranho porque temos um filme sobre um jogador de futebol, mas cujo foco é muito mais sua personalidade explosiva do que a evidência de seu talento em campo.

Talvez porque essa já seja uma informação dada, reconhecida, embora ele seja um figura pouco comentada e lembrada. Heleno de Freitas, jogador de coração do Botafogo, mesmo que tendo de defender outros clubes em sua carreira, até mesmo fora do Brasil, teve seu auge nos anos 40, sempre obcecado pela vitória, dono de ego elevado; não à toa em determinando momento do filme, ele diz: “eu sou a gana em forma de gente”. Um craque em estado de fúria.

Só que toda essa ira e o destempero são revelados no filme muito mais em sua vida privada. Está nas inimizades que conquistou, mesmo entre seus amigos mais próximos, de time, como também na relação complicada que tinha com as mulheres, uma vez que nunca se contentou com uma só, grande galã que era e em que se reconhecia. Era atraído pela boemia, bebidas e drogas. Estamos diante, pois, de uma opção do cineasta e também um dos roteiristas José Henrique Fonseca em se preocupar mais com a vida de Heleno fora dos campos.

E isso não seria o problema caso o roteiro conseguisse dar consistência à história, conferir interesse aos momentos escolhidos. A narrativa se divide em dois tempos distintos, com Heleno no fim de sua vida internado num sanatório por conta das complicações da sífilis (fruto de uma vida sexual desregrada e promíscua, doença que irá causar sua morte em 1959, com apenas 39 anos de idade). É lá que ele relembra os momentos de glória de sua carreira, até o processo de derrocada profissional e pessoal.


O grande problema do filme é girar em torno dos mesmos assuntos, sem conseguir desenvolver um arco dramático que seja realmente interessante. No sanatório, por exemplo, vemos a decadência estampada em seu rosto, mas o filme insiste em voltar a vários desses momentos para mostrar a mesma coisa, a mesmo desolamento, não há nada de novo a acrescentar. Da mesma forma, o envolvimento que ele teve com Sílvia (vivida por Alinne Moraes), com quem se casou e teve um filho, e também com sua amante latina, representa outra parte do filme em que se gira ao redor das mesmas brigas, separações e reconciliações o tempo todo. Pouco espaço sobra para o talento nos gramados, e mais para as brigas e conflitos com jogadores, técnicos e empresários. Enfim, redundâncias que tornam o filme cansativo.

Nesse meio, a fotografia de Walter Carvalho, deslumbrante em seu preto-e-branco, acaba por sufocar esse filme tão falho narrativamente, soando como um deleite aproveitável em meios ao desinteresse, impossível de ignorar em sua beleza plástica, com certeza maior que o próprio filme. Da mesma forma, Rodrigo Santoro, em atuação exaltada, parece exagerar em muitos momentos ao traduzir a personalidade forte desse homem inveterado e que dificilmente admitia afrontas. Com um roteiro que não desenvolve tanto os dilemas e dramas de seu personagem, fica difícil saber se o ator cai em overacting ou se é só um grande trabalho sabotado por um filme que não consegue dar conta de seu talento.

Assim, Heleno, ao tentar dignificar a figura desse craque do futebol e das polêmicas (e o filme nunca irá julgar seu personagem, sempre um ótimo sinal), acaba se afogando em sua própria “grandeza”. Há muito talento envolvido, mas a execução dá a impressão de desperdício. O futebol brasileiro e os craques que formou continuarão precisando de um filme mais exemplar no cinema nacional que dignifique o esporte.

Filmes de março


1. Billi Pig (José Eduardo Belmonte, Brasil, 2012) *

2. Bronson (Nicolas Winding Refn, Reino Unido, 2008) ***½

3. John Carter – Entre Dois Mundos (Andrew Stanton, EUA, 2012) ***

4. Guerreiro Silencioso (Nicolas Winding Refn, Reino Unido/Dinamarca, 2009) ****

5. W.E. – O Romance do Século (Madonna, Reino Unido, 2011) **

6. Guerra é Guerra (McG, EUA, 2012) **

7. Drive (Nicolas Winding Refn, EUA, 2011) ****

8. Tomboy (Céline Sciamma, França, 2011) ***½

9. A Guerra Está Declarada (Valérie Donzelli, França, 2011) ****

10. Raul – O Início, o Fim e o Meio (Walter Carvalho, Brasil, 2012) ***

11. Anderson Silva: Como Água (Pablo Croce, EUA, 2011) ***½

12. Projeto X – Uma Festa Fora de Controle (Nima Nourizadeh, EIA, 2012) ***

13. Precisamos Falar Sobre o Kevin (Lynne Ramsay, Reino Unido/EUA, 2011) **

14. Frankenstein (James Whale, EUA, 1931) ***½

15. A Noiva de Frankenstein (James Whale, EUA, 1935) ****½

16. Hunger (Steve McQueen, Irlanda/Reino Unido, 2008) ****

17. As Mulheres do 6º Andar (Philippe le Guay, França, 2010) **½

18. O Terceiro Homem (Carol Reed, Reino Unido, 1949) ****½

19. O Moinho Negro (Don Siegel, Reino Unido, 1974) ***½

20. O Nascimento de uma Nação (David. W. Griffith, EUA, 1915) ****

21. Shame (Steve McQueen, Reino Unido, 2011) ****

22. Kamchatka (Marcelo Piñeyro, Argentina/Espanha/Itália, 2002) ***

23. Jogos Vorazes (Gary Ross, EUA, 2012) ***½

24. Heleno (José Henrique Fonseca, Brasil, 2012) **

25. Xingu (Cao Hamburger, Brasil, 2012) ***½

26.Habemus Papam (Nanni Moretti, Itália/França, 2011) ****

27. Pina (Wim Wenders, Alemanha/França/Reino Unido, 2011) ***½

28. A Missa Acabou (Nanni Moretti, Itália, 1985) **½

29. L’Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância (Bertrand Bonello, França, 2011) ****

30. O Crocodilo (Nanni Moretti, Itália/França, 2006) ****