domingo, 1 de abril de 2012

Talento desperdiçado

Heleno (Idem, Brasil, 2011)
Dir: José Henrique Fonseca



Ainda existe um estigma no cinema brasileiro de que não conseguimos fazer um filme digno sobre futebol, isso desde quando o Brasil era reconhecido como o grande país desse esporte. O problema é que essa fase já passou (os clubes europeus desde há tempos detém esse mérito; alô, Barcelona!). Mas mesmo assim, ainda há essa cobrança, apesar de boas tentativas no cinema brasileiro que, não necessariamente, têm o seu foco no futebol (alô, Linha de Passe! – E não podemos esquecer do ótimo Boleiros – Era Uma Vez o Futebol, de Ugo Giorgetti). Heleno é um caso típico desses, e um bastante estranho porque temos um filme sobre um jogador de futebol, mas cujo foco é muito mais sua personalidade explosiva do que a evidência de seu talento em campo.

Talvez porque essa já seja uma informação dada, reconhecida, embora ele seja um figura pouco comentada e lembrada. Heleno de Freitas, jogador de coração do Botafogo, mesmo que tendo de defender outros clubes em sua carreira, até mesmo fora do Brasil, teve seu auge nos anos 40, sempre obcecado pela vitória, dono de ego elevado; não à toa em determinando momento do filme, ele diz: “eu sou a gana em forma de gente”. Um craque em estado de fúria.

Só que toda essa ira e o destempero são revelados no filme muito mais em sua vida privada. Está nas inimizades que conquistou, mesmo entre seus amigos mais próximos, de time, como também na relação complicada que tinha com as mulheres, uma vez que nunca se contentou com uma só, grande galã que era e em que se reconhecia. Era atraído pela boemia, bebidas e drogas. Estamos diante, pois, de uma opção do cineasta e também um dos roteiristas José Henrique Fonseca em se preocupar mais com a vida de Heleno fora dos campos.

E isso não seria o problema caso o roteiro conseguisse dar consistência à história, conferir interesse aos momentos escolhidos. A narrativa se divide em dois tempos distintos, com Heleno no fim de sua vida internado num sanatório por conta das complicações da sífilis (fruto de uma vida sexual desregrada e promíscua, doença que irá causar sua morte em 1959, com apenas 39 anos de idade). É lá que ele relembra os momentos de glória de sua carreira, até o processo de derrocada profissional e pessoal.


O grande problema do filme é girar em torno dos mesmos assuntos, sem conseguir desenvolver um arco dramático que seja realmente interessante. No sanatório, por exemplo, vemos a decadência estampada em seu rosto, mas o filme insiste em voltar a vários desses momentos para mostrar a mesma coisa, a mesmo desolamento, não há nada de novo a acrescentar. Da mesma forma, o envolvimento que ele teve com Sílvia (vivida por Alinne Moraes), com quem se casou e teve um filho, e também com sua amante latina, representa outra parte do filme em que se gira ao redor das mesmas brigas, separações e reconciliações o tempo todo. Pouco espaço sobra para o talento nos gramados, e mais para as brigas e conflitos com jogadores, técnicos e empresários. Enfim, redundâncias que tornam o filme cansativo.

Nesse meio, a fotografia de Walter Carvalho, deslumbrante em seu preto-e-branco, acaba por sufocar esse filme tão falho narrativamente, soando como um deleite aproveitável em meios ao desinteresse, impossível de ignorar em sua beleza plástica, com certeza maior que o próprio filme. Da mesma forma, Rodrigo Santoro, em atuação exaltada, parece exagerar em muitos momentos ao traduzir a personalidade forte desse homem inveterado e que dificilmente admitia afrontas. Com um roteiro que não desenvolve tanto os dilemas e dramas de seu personagem, fica difícil saber se o ator cai em overacting ou se é só um grande trabalho sabotado por um filme que não consegue dar conta de seu talento.

Assim, Heleno, ao tentar dignificar a figura desse craque do futebol e das polêmicas (e o filme nunca irá julgar seu personagem, sempre um ótimo sinal), acaba se afogando em sua própria “grandeza”. Há muito talento envolvido, mas a execução dá a impressão de desperdício. O futebol brasileiro e os craques que formou continuarão precisando de um filme mais exemplar no cinema nacional que dignifique o esporte.

8 comentários:

cleber eldridge disse...

sem grandes expectativas espero chegar em dvd!

João Paulo Barreto (Salvador-BA) disse...

Puxa, o que eu mais gostei no filme foi justamente o fato do futebol ser apenas uma moldura e não o destaque. = )

Amanda Aouad disse...

Eu também, João, hehe. O roteiro poderia ser melhor, realmente, mas achei a história forte e me envolveu.

Rafael Carvalho disse...

Cleber, te entendo. Mas muita gente tem gostado do filme, quem sabe não te fisga? Mas vale a pena ver no cinema, em especial por conta da fotografia do Walter Carvalho.

Pois é João, também não me incomoda o fato do foco não ser o futebol. O problema é que os eventos que têm espaço no filme carecem de consistência, de mais conteúdo, de mais interesse do que se mostra. Fiquei bastante decepcionado com o filme.

É isso Amanda, o roteiro sabota bastante o filme, por isso não consegui me envolver tanto, apesar da história ser bastante forte.

ANTONIO NAHUD disse...

Ainda não o vi, Rafael, mas confesso que estou muito interessado, principalmente por Santoro e Walter Carvalho.

O Falcão Maltês

Rafael Carvalho disse...

Bem Antonio, são deles os melhores trabalhos do filme, pena que o roteiro não dê vazão ao talento dos dois.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Puxa, gostei bastante do filme, inclusive dessa narrativa que parece não andar e se repetir, aumentando a sensação de destruição do personagem. É quase o nosso TOURO INDOMÁVEL... rs.

Rafael Carvalho disse...

Ual Wallace, "nosso Touro Indomável" é uma frase forte. Mas é isso, acho por demais redundante como se não tivesse mais do que tratar, e o pior é que tem! Fotografia e atuações estão acima do filme.