
Sombras (Shadows, EUA, 1959)


Não que Cassavetes abra seu filme para a denúncia do preconceito. Ela está lá visível, mas o filme se interessa muito mais pelo movimento incerto dos personagens pela efervescência da cidade, da rua, e mesmo perto da delinquência e desajuste social de alguns deles. Um dos irmãos de Lelia, Hugh (Hugh Hurd), é ele próprio um cantor de jazz, ritmo que empresta seu próprio movimento de improvisação ao filme. Acaba por lhe conferir uma leveza muito agradável na medida em que confia e acompanha os rumos de seus personagens, ainda que incertos. Cassavetes já dá provas de como sabe filmar corpos e principalmente rostos, em sintonia com o espaço ao redor a que pertencem.
Faces (Faces, EUA, 1968)


Essa reflexão cabe perfeitamente aqui. Os personagens, nas muitas conversas que têm, geralmente mostram seu lado mais alegre, bonachão, engraçado, mas são capazes de revelar raiva, angústia e rancor no minuto seguinte, escancarando muito de amargura reprimida. Cassavetes filma tudo isso com a câmera bem próxima de seus personagens, numa encenação corpo a corpo, filmando como ninguém rostos (como o próprio título faz sugerir) e sua riqueza de expressões, se aproveitando de uma iluminação totalmente natural que granula a imagem, representativo ideal da vida crua de seus personagens. Todos em busca de seu lugar no mundo, perdendo a si mesmos no caminho, mas nunca uns aos outros.
Noite de Estreia (Opening Night, EUA, 1977)


É, na verdade, um filme de desconforto, pois o surto a deixará no limite da insanidade, sempre misturada com boas doses de bebidas, causando um mau estar latente a todos ao seu redor. Embora exista muita substância nessa história, a primeira impressão é de que filme e roteiro não sabem muito bem o que fazer com toda essa situação e as questões que suscitam daí, se estendendo mais do que necessário numa repetição sôfrega do estado de atordoamento de sua protagonista. Não sei exatamente o quanto de improvisação existe no filme, essa que é uma das principais marcas do cinema de Cassavetes, mas aqui reforça certo descontrole das voltas que o filme faz para chegar no mesmo lugar. Mesmo assim, é um assombro ver Gena Rowlands desestabilizada e desestabilizando as pessoas que a cercam (o que lembra muito seu papel em Uma Mulher Sob Influência, embora nesse filme por motivos outros).
Assim Falou o Amor (Minnie and Moskowitz, EUA, 1971)


Mas vindo de Cassavetes, não espere por uma história clássica de amor. O filme todo é muito histérico, com Minnie e sua dificuldade de confiar, calejada pelos homens que já lhe fizeram mal na vida, e Seymour e seu jeito hiponga, destrambelhado, sem modos, tentando conquistá-la. Os dois parecem atraídos, mas quando se encontram sempre acontece algo de errado, muitas vezes com resultados desastrosos, o que aumenta bastante a carga de humor do filme (a cena do jantar com as mães de ambos é hilária). Acaba sendo uma relação improvável, até pelos rumos incertos de cada um em suas vidas, mas os personagens não conseguem se manter afastados. Um sopro de carinho e afeição pelas mãos de um cineasta que tanto filmou a amargor e a desilusão.
5 comentários:
Com vergonha assumo que não conheço ou assisti a nenhum dos filmes do John Cassavetes que foram mencionados no post....
Gosto muito do Cassavetes e da Gena Rowlands. São muito bons.
Abraços,
O Falcão Maltês
De Cassavetes só vi UMA MULHER SOB INFLUÊNCIA, mas decerto vou atrás de outros, mesmo de NOITE DE ESTREIA.
Boas resenhas. Ainda preciso sentar e descobrir esse cineasta tão bem falado.
Kamila e André, o Cassavetes é uma base muito interessante para se entender a noção do cinema independente, aquele que dá certo, claro. É uma maravilha descobrir os filmes dele. Merece um tempo a ser gasto. Comecem por Faces.
Antonio, eles são ótimos. Mas o Cassavetes como diretor é bem melhor do que como ator. Já a Gena Rowlands é sensacional em cena, é de um vigor incrível as atuações dela. Em Uma Mulher Sob Influência ela tá assombrosa.
Gustavo, vale muito a pena mesmo ver os filmes do cara. Uma Mulher Sob Influência já tinha visto antes, é um dos meus preferidos dele, depois de Faces, claro!
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