Jovens Adultos (Young Adults,
EUA, 2011)
Dir:
Jason Reitman
Quando
o diretor Jason Reitman e a roteirista Diablo Cody fizeram Juno, o sucesso do filme se devia a um roteiro rico de sutilezas, driblando
todo tipo de simplismos e facilidades dramáticas. Retornando a parceria em Jovens Adultos, é justamente o roteiro que
parece não se desenvolver a contento aqui. A ideia de uma mulher adulta que age
como uma adolescente imatura acaba sendo reiterada a todo instante, a começar
pela escolha óbvia da profissão dela como escritora de romances para adolescentes.
É como se o filme precisasse que ela aja repetidamente como uma teen até chegar em seu
clímax explosivo no final. Engraçado que uma história sobre mentalidade pessoal peca
justamente por um roteiro um tanto engessado, especialmente depois de um filme
tão "crescido" como Juno.
Uma
pena porque o filme conseguiu uma intérprete à altura para entender o
comportamento e a psicologia atrasada de sua protagonista. Charlize Theron
defende sua personagem megera com propriedade, fazendo dos pequenos gestos e
expressões a medida ideal da imaturidade escondida por traz da altivez que ela
estampa na cara – e nesse sentido, direção de arte e figurinos são
acertadíssimos em compor esse universo duplo da protagonista. Mas também como comédia o filme
não parece funcionar como promete, o que torna Jovens Adultos arrastado e decepcionante.
L’Apollonide –
Os Amores da Casa de Tolerância (L’Apollonide – Souvenirs de la Maison
Close, França, 2011)
Dir:
Bertrand Bonello
O
submundo do sexo, da exploração/venda do corpo e dos prazeres, parece ser o
maior interesse do cineasta francês Bertrand Bonello. Se em seus filmes
anteriores, Tirésia e O Pornógrafo, a temática aparecia de
forma um tanto suja ou mais explícita, em L’Apollonide
– Os Amores da Casa de Tolerância, que recebeu no Brasil um subtítulo
eufemístico, esse submundo está lá, mas cercado por um ambiente mais aristocrático
– mesmo que sujeito às intempéries que cercam o trabalho das prostitutas – que nos
transportam a um outro tempo. O bordel de luxo vive seus últimos dias na
passagem do século XIX para o seguinte, dentro de uma atmosfera carregada de
melancolia.
Não
há um centro narrativo de guia, mas um emaranhado de situações que se
desenrolam com essas meninas. Obviamente, algumas delas ganham destaque no
percurso (como a Mulher que Ri, marcada por uma fatalidade na profissão), isso
porque Bonello tem um carinho imenso pelas putas e acompanha o dia-a-dia de
trabalho, sonhos e frustrações que se acumulam, enquanto a casa tenta se manter
de pé. Todo o filme é cercado por uma atmosfera latente de tepidez e decadência,
mas é evidente o cuidado que aquelas meninas mantém entre si, uma espécie de
família construída em torno de ofício tão socialmente rejeitado. Desse ambiente deprê, L’Apollonide expõe um retrato
luxuoso do declínio de uma época, mas não de uma maneira de ganhar a vida, como
fica evidente na também triste cena final.
Marcados para
Morrer
(End of Watch, EUA, 2012)
Dir:
David Ayer
Da
onda de mocumentários que tem surgido recentemente, Marcados para Morrer parece conseguir o que a maioria deles pretende
enquanto artefato estético: uma relação mais próxima com o real, apesar desse
ser um termo difícil de definir. Toma como registro a rotina de dois parceiros policiais,
vividos por Jake Gyllenhaal e Michael Peña, no dia-a-dia de trabalho nas ruas
de Los Angeles, na sua relação de amizade e na vida familiar que constroem. Trata-se
de um filme policial sem o glamour das cenas de perseguição e heroísmo dos filmes
de ação. Seu grande mérito é se aproximar de um retrato cru da vida de
policial, enfrentando o destemor dos bandidos e a corrupção dentro da própria
instituição que trabalham. São, portanto, agentes e reféns de um sistema maior e
mais complexo do que eles imaginam.
Mas
seguem fazendo seu trabalho, com um mínimo de honestidade, também sabendo se
aproveitar de seu lugar como detentores de autoridade. Mesmo assim, há uma
certa ingenuidade no ar, especialmente pelo personagem de Gyllenhaal, justo
quem decide registrar com sua câmera caseira tudo que lhe acontece, ideal para
representar essa profissão perigo através de uma ótima mais realista. A
fronteira entre a brincadeira e a seriedade é bastante fina, nunca se sabe o
que virá a seguir. Marcados para Morrer,
como o próprio nome indica, nos coloca no universo da criminalidade e do perigo
constante do qual o cinema já nos ensinou a ver e compreender nos filmes do
gênero, mas que aqui ganha proporções mais palpáveis, sem firulas, e por isso
mesmo mais verdadeiras.
Tropicália (Idem, Brasil,
2012)
Dir:
Marcelo Machado
Dos
documentários musicais brasileiros que viraram modinha nos últimos anos, pode-se
dizer que Tropicália é um dos mais
felizes na sua inventividade conceitual. Ao falar do movimento artístico que
frutificou a partir do fim da década de 1960, quando os artistas baianos (notadamente
Caetano Veloso e Gilberto Gil) despontaram com sua música de sonoridade
renovada, o filme se apropria de um certo tom libertário, fugindo da narrativa
tradicional, mas ainda assim sendo bastante elucidante sobre o tema. Sem se
limitar somente à música, o filme faz um apanhado das confluências artísticas
que frutificavam no Brasil à época e que foram os pilares do Tropicalismo
enquanto movimento artístico.
O
filme traz um recorte riquíssimo de imagens de arquivo, especialmente algumas
pouco vistas e conhecidas, além de reveladoras (como a cena que abre o filme,
retirada de um programa de TV em Portugal com a participação de Caetano e Gil assim
que chegaram exilados na Europa). Com esse rico material, o diretor Marcelo
Machado faz um trabalho de montagem incrível e inventivo, sem perder o percurso
que traça do movimento, entremeando os descaminhos políticos que o Brasil vivia, com as interferências
e desmandos do governo militar, essenciais para se entender o momento histórico
quando tudo aquilo ganhava forma. Daí que não é de se espantar que imagens de Terra em Transe, de Glauber Rocha, ganhe
tonalidades coloridas, ou que imagens das fotos antigas sejam recortadas e ganhem
animação. Na profusão do movimento artístico, Tropicália se entrega ao pop
e à modernidade e nos entrega uma narrativa deliciosa de acompanhar. Definitivamente,
trata-se de um filme tropicalista.
Deus da
Carnificina
(Carnage, França/Alemanha/Polônia/Espanha, 2011)
Dir:
Roman Polanski
A
maior surpresa em relação a esse filme é que se trata de um registro cômico, e
não dramático, como o tema tenderia a ser. Apesar da origem teatral do texto,
baseado na peça da francesa Yasmina Reza, Polanski conseguiu impor um narrativa
cinematográfica, passeando com a câmera pelos espaços do apartamento, sempre
variando ângulos e enquadramentos. Porque a força da história dos dois casais
de pais que discutem a briga de seus filhos na casa de um deles está justamente
nos diálogos e nos desdobramentos que aquele encontro, aparentemente amigável,
poderia ter. No fundo, o texto original foi feito para ser encenado num
espaço só, não é preciso esconder isso, e sim fazer dele uma foça narrativa.
Por
mais que o desenvolvimento da longa conversa nem sempre se sustente – incomoda,
por exemplo, as desculpas utilizadas pelos personagens para que o casal
visitante permaneça na casa discutindo –, o filme ganha no desenho que faz
daquelas pessoas, expondo sua visão de mundo e também seus conflitos internos.
O tom cômico acentua bem a hipocrisia dos personagens, tom esse que vai
crescendo até chegar numa espécie de pastiche, um retrato de adultos
portando-se como crianças imaturas (enquanto as crianças parecem lidar muito melhor
com suas desavenças, como demonstra a cena final). Por isso nem incomoda que
Jodie Foster e John C. Reilly beirem uma atuação mais histriônica. Chega-se a
um estado de calamidade para aqueles quatro, seu reino de aparências e brio
arranhados, uma carnificina só.
O que Eu Mais
Desejo
(Kiseki, Japão, 2011)
Dir:
Hirokazu Kore-eda
Retornando
ao universo dos personagens infantis, como já fez no maravilhoso Ninguém Pode Saber, Hirokazu Kore-eda cometeu
mais um filme sensível que tem nas atitudes das crianças sua maior força de
sinceridade. Mas diferente da tristeza do anterior, O que Eu Mais Desejo tem algo de mais animador, que se esconde
pela sutileza da narrativa, uma das marcas do cineasta japonês. Como o ponto de
vista aqui é o das crianças, fica mais fácil ainda aliar a ingenuidade delas
com a história bonitinha. Koichi (Koki
Maeda) e Ryunosuke (Ohshirô Maeda)
são irmãos que vivem, cada um, com os pais separados. Quando descobrem que no
momento em que dois trens bala se cruzam a energia emitida é tão forte que é
possível acontecer um milagre, eles e alguns amigos partem na tentativa
presenciar esse encontro e desejar que seus pais possam voltar a viver juntos. Simples assim.
É
o tipo de história que só parece fazer sentido pela visão de crianças e sua
imaginação fértil, embora Kore-eda aproveite para explorar a rotina da família
que vive separada. Mas mesmo assim, não há pesar nem problemas duros que
agravem o cotidiano dos garotos, mas somente o retrato de uma situação tão comum
entre as famílias hoje. O ritmo do filme por vezes se torna um tanto arrastado,
e o filme podia ser um pouco mais enxuto, mas Kore-eda prefere o registro intimista,
também outra de suas características estilísticas. Mas O que Eu Mais Desejo tem também uma das cenas mais belas do ano, no clímax da história quando
os garotos chegam a seu destino, e quando um ato do irmão mais velho indica um pequeno
amadurecimento em relação à forma como vê sua própria vida em família. Do conto
singelo de crianças esperançosas por um milagre, o filme ganha um tom de rito
de passagem, da forma mais sutil possível.
Liv & Ingmar
– Uma História de Amor (Liv & Ingmar, Noruega/Índia/Reino Unido, 2012)
Dir:
Dheeraj Akolkar
O
cinema de Ingmar Bergman possui algo de tão pessimista, frio e duro que qualquer
registro mais amoroso que o envolva parece um tanto estranho. Não que se queira
aqui duvidar da amorosidade e ternura de seus relacionamentos pessoais, mas esse
documentário tenta imprimir um tom tão forçado na relação entre ele e a atriz
Liv Ullman, uma das grandes atrizes que ele descobriu, que, na maior parte das
vezes, soa como algo deslocado, difícil de comprar, até mesmo oportunista.
Ajuda muito que Liv Ullman seja a voz única aqui, seu relacionamento com o
cineasta sueco sendo dissecado por suas lembranças e sentimentos, que em nenhum
momento parecem falsas. Portanto, um retrato bastante íntimo e
personalizado.
Mas outro grave problema do documentário é a forma
como se constrói como narrativa através das imagens que servem de apoio para as
falas de Liv. Usa-se uma série de cenas dos filmes que Bergman dirigiu da forma
mais óbvia possível: quando se fala da separação, imagens de Cenas de um Casamento; quando o assunto
é morte, cenas de O Sétimo Selo, e assim
por diante. Dá a impressão errônea de que todos os filmes de Bergman estão, de
alguma forma, ligados ao relacionamento dos dois. Não se nega aqui que a filmografia
dele tem muito de autobiográfica, mas o recurso demonstra a falta mesmo de uma
forma mais interessante de ilustrar os depoimentos de Liv. Tudo é muito pessoal
e a história deles é realmente bonita, apesar do temperamento forte e
peculiar do diretor, mas merecia um tom menos melodioso e mais sincero com seus
personagens.