quinta-feira, 30 de maio de 2013

Efeitos de dissimulação

Terapia de Risco (Side Effects, EUA, 2013)
Dir: Steven Soderbergh


Há tempos Steven Soderbergh vem dizendo que vai se aposentar do cinema e nunca cumpre sua promessa. Poderia muito bem fazer isso depois desse seu novo filme lançado nos cinemas. Não que seja uma grande obra digna de uma bela despedida, mas ultimamente o cineasta americano não consegue passar do mediando, isso quando não chega a níveis bem baixos, nos devendo um bom filme desde Che (2008).

Terapia de Risco tem uma direção estilosa, sem exageros, mas mania de reviravoltas na parte final é o que mais incomodam no filme. Porque o drama de Emily (Rooney Mara), tentando se tratar psiquiatricamente agora que seu marido (Channing Tatum) acabou de sair da cadeia e precisa de apoio para recompor sua vida, já guarda muito de curioso, um misto de perigo e mistério que ronda sua mente em desequilíbrio.

Seu contato com o psiquiatra interpretado por Jude Law leva-o a receitar um novo medicamento em fase de testes e que acaba tendo efeitos colaterais estranhos na moça. O personagem de Law torna-se, então, figura central na história porque passa a investigar os caminhos psicológicos da garota e descobre uma antiga médica (Catherine Zeta-Jones) que a tratava, fazendo-o descobrir coisas mais profundas do que imaginava.

Os passos para a depressão e os instintos suicidas (e até mesmo assassinos) são bem desenhados por Soderbergh, conduzindo tudo com muita precisão; se não se revela um grande trabalho de encenação, também não faz feio. Está no mesmo tom de filmes recentes como À Toda Prova e Contágio. Um belo artesão, portanto, mas que começa a mostrar sinais de inquietação quando precisa chacoalhar sua trama com descobertas de conspirações, quase pondo a história a perder. 

Mas é daí que a dissimulação torna-se uma questão central, passando a guiar a história, num estudo que o diretor e o roteirista Scott Burns fazem dos mascaramentos que a mente humana produz. A rapidez narrativa com que a investigação é tratada talvez soe como algo de forçado até se chegar à verdadeira resolução do caso. Mas o diretor, aqui, parece saber bem o que quer e traduz isso de maneira eficiente. Se quer afastar-se do cinema, esse seria um bom momento. Ou então Soderbergh se faz, ele mesmo, de um grande dissimulado.

domingo, 26 de maio de 2013

Festival In-Edit – Parte II

 


Searching for Sugar Man
(Idem, Reino Unido/Suécia, 2012)
Dir: Malik Bendjelloul 


Um personagem incrível revelado aos poucos por uma construção de trajetória realmente exemplar, via roupagem documental muitíssimo bem arranjada. Searching for Sugar Man é esse trabalho vigoroso, recente vencedor do Oscar de Documentário, um verdadeiro achado de manipulação da linguagem em prol do contar uma boa história. Se é muito comum que a ficção ancore-se nos artifícios documentais para dar maior sustentação de realismo aos filmes, é interessante como, no processo inverso, o documentário também empresta da ficção certas ferramentas narrativas, o que encontramos aqui.

O longa nos apresenta a busca pelo cantor e compositor americano, de ascendência mexicana, que começou uma carreira promissora no ramo artístico no início dos anos 1970, mas que não conseguiu emplacar comercialmente e acabou sendo eclipsado pela própria indústria. Mal sabia ele o quanto sua música passou a ser apreciada na África do Sul, onde chegou por acaso.

Dado como morto, num caso extremo em que contam que ele se matou durante uma de suas apresentações, Jesus “Sixto” Rodriguez passa a ser o mito obscuro por quem agora se busca conhecer, seguir os rumos e compreender como sua carreira errônea deu passos tão tortuosos. Nesse percurso, o filme ouve uma série de pessoas que poderiam revelar mais coisas sobre sua vida, com pitadas de mistério, intriga, louvação, surpresas e desencontros que tornam tudo muito interessante e curioso de se acompanhar.

De bônus, há música de Rodriguez, sempre boa demais. O filme abusa pouco da irritante mania da maior parte dos documentários sobre gente talentosa de querer empurrar guela abaixo do espectador a genialidade do seu documentado. O diretor sueco Bendjelloul não consegue fugir disso, mas consegue reforçar, através da demonstração generosa das canções, o talento de Rodriguez de forma muito mais agradável.

Maior ainda é entender a dimensão que sua música vai ganhar num país de cultura e história tão díspar como a África do Sul, dominada pelo Apartheid, encontrando nas letras do cantor uma forma de expurgar os anseios de uma sociedade acossada pelo poder imperialista. É quando nos deparamos com a capacidade do fazer artístico em chacoalhar certas estruturas, enquanto outras, personalíssimas, permanecem ali, à espera de alguém que as movimente.


Música Serve para Isso: Uma História d’Os Mulheres Negras (Idem, Brasil, 2012)
Dir: Bel Bechara e Sandro Serpa


Mais um documentário tradicional que serve ao propósito de apresentar algo interessante: a banda Os Mulheres Negras. Tinha gente achando que o nome do filme estava escrito errado, mas nada disso. Se eu disser que o tresloucado do André Abujamra faz parte da iniciativa, acredito que a coisa toda fica mais plausível. Junto com Maurício Pereira, em meados dos anos 1980, eles criaram essa que chamavam de terceira menor Big Band do mundo.

Eles se aproveitaram da sua habilidade como multi-instrumentistas e veia cômica para criar apresentações super bem-humoradas e criativas, chamando atenção para o fator de performance que apresentavam no palco, como se assumissem personagens ali. O nome da banda servia mesmo só pra chamar atenção, a mistura de gêneros musicais dificultava sua classificação. 

Além de contar com entrevistas dos dois componentes, o documentário ouve uma série de pessoas que tiveram contato com a dupla naquele momento enquanto criavam algo diferente e inusitado no cenário musical paulista. Não foge muito disso, mas vale pelo registro, via imagens de arquivo, das apresentações que deixam claro o valor artístico que os dois criaram.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Festival In-Edit – Parte I





A Batalha do Passinho – O Filme (Idem, Brasil, 2012)
Dir: Emílio Domingos


Para além de um filme exótico sobre uma certa febre de dança aparentemente esquisita, A Batalha do Passinho é um filme bastante rico no que concerne a toda uma cultura que se desenvolve nos morros cariocas tendo o funk como viés norteador. Longe de focar na violência dos bailes e no conteúdo duro de suas letras, o impressionante aqui é ver como garotos criam e executam movimentos incríveis para dançar funk. É vendo pra acreditar na desenvoltura dos meninos com seus estranhos movimentos de pés e corpo.

O diretor Emílio Domingos está interessado não só na dança em si e nos campeonatos que rondam aquela cultura (sendo o desenvolvimento desses a base estrutural do filme), mas também em questões outras que envolvem aquele grupo de garotos da periferia e sua arte. Estão lá questões como a predominância dos meninos na dança, o interesse que eles despertam nas garotas, a vaidade pessoal deles, a apropriação de trejeitos afeminados por parte de alguns, o papel da internet e das redes sociais como difusoras de informações e troca de conteúdos, especialmente de vídeos. Tudo isso surge como um estudo interessante sobre a forma como essas atividades se estabelecem no ambiente da favela e se expandem a partir dali.

Como documentário tradicional, funciona como forma de contato com toda a cultura do passinho, num ambiente por si só já muito estereotipado e distante do apelo da grande mídia. Embora não seja intenção levantar uma bandeira social, ela está lá na própria configuração e fascinação da câmera por esses movimentos estranhos, mas atraentes, que o passinho proporciona e tudo aquilo que carrega em seu entorno. O filme dá voz àqueles que se articulam em torno da dança. É ela que os fazem melhores dentro de uma realidade já bastante dura.


Um Filme para Dirceu (Idem, Brasil, 2012)
Dir: Ana Johann


Dirceu pensa em ser um grande cantor, fazer sucesso e ser conhecido. Quer também que sua história vire um filme, como em 2 Filhos de Francisco. No interior do Paraná, o gaiteiro Dirceu (gaita é como se chama a “sanfona” no Sul) sonha alto, depois que uma paralisia nas pernas durante a adolescência quase o deixou paraplégico. A diretora Ana Johann resolve então realizar pelo menos o sonho do filme, mas de forma documental, acompanhando os passos desse homem singelo, mas persistente e cheio de vontades.

Dirceu se esforça para continuar na trilha musical, tocando em pequenos shows, participando de concursos e levando de baixo do braço o projeto de captação de recursos para realizar seu filme. Não era um documentário que ele queria (no início, inclusive, vemos uma encenação da abertura do filme sobre si mesmo que Dirceu tem na cabeça), por isso não é um filme sobre, mas para (lição aprendida com Wim Wenders, presume-se) Dirceu. É como um filme-presente que acaricia seu documentado, indo aonde ele quer ir, em busca de realizar seus sonhos, que se revelam cada vez mais distantes e difíceis.

É por isso mesmo um projeto corajoso porque não há nada de enganador nele. Dirceu conhece as barreiras e nem está ali com a promessa de uma realização de seus planos. De qualquer forma, a narrativa é carinhosa com seu personagem errôneo, tentando captar sua inquietação e suas investidas, mesmo que nem sempre consistentes, mas sem nunca julgá-lo nem julgar suas chances de sucesso. Era o filme possível.


Neil Young Journeys (Idem, EUA, 2011) 
Dir: Jonathan Demme


Neil Young Journeys soa como um filme de fã para fãs. Jonathan Demme é um ótimo cineasta, mas como documentarista parece bastante preguiçoso. Aqui ele se contenta em filmar Young em seus shows, cantando e tocando músicas inteiras, e conversa ocasionalmente com ele enquanto passeiam de carro na cidade natal do cantor, no Canadá. Não nos oferece muita coisa em termos de cinema.

O fato desse ser o fecho de uma trilogia que o diretor fez sobre o músico (os outros filmes são Neil Young: Heart of Gold e Neil Young Trunk Show, lançados em 2006 e 2009, respectivamente) talvez deponha a favor de um filme que se fascina pela imagem dessa lenda do rock fazendo aquilo que o tornou famoso. E não há nada contra o estabelecimento da imagem pura de alguém contando e tocando suas músicas, entretendo o público. A Música Segundo Tom Jobim é todo construído em cima disso e é um estudo fascinante sobre o poder da música de um certo artista. Aqui é diferente porque não parece brotar muita coisa desse registro puro e simples, para além da imagem de um homem solitário no palco defendendo sua arte.

Pior ainda é quando Demme posiciona sua câmera abaixo do microfone de Young, captando um take de gosto duvidoso, ou quando vez ou outra divide a tela com imagens em ângulos quase idênticos de Young tocando guitarra. Os melhores momentos do filme estão nas apresentações finais em que Young revela uma epifania em determinados momentos, seja com a voz ou com instrumentos musicais, o vislumbre que temos aí de um virtuose da música. Mas esse é um mérito do músico e não do cineasta.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Dor e libertação


Elena (Idem, Brasil, 2012)
Dir: Petra Costa



Difícil lembrar uma sessão tão emocional como essa do brasileiro Elena, um filme que te agarra no emocional desde o início e só te solta no fim. É um trabalho personalíssimo, uma história de família, mas que machuca fundo a quem assiste. É incrível como o filme funciona fácil, sente-se onipresente o tom melancólico de saudade, misto de lembrança e pesar pela perda de um ente querido.

A cineasta Petra Costa conta sua relação com a irmã Elena, que se suicidou quando jovem. Para isso, a diretora mune-se de uma infinidade de imagens de arquivo para resgatar essa personagem e a história de sua família, o primeiro grande acerto do filme. Mas a própria Petra é também figura importante na história, a irmã mais nova que observa os descaminhos de talento e insanidade pelos quais a mais velha passa, como criança sem entender muita coisa.

Agora, mais madura, retoma o material e constrói uma narrativa poética e lúcida sobre o drama de sua família. O segundo grande acerto de Elena é o texto em off que tem tanto de leveza, doçura e poesia, que torna tudo muito mais bonito de se ver, dolorosamente belo. É como uma carta-poema que Petra direciona a sua irmã querendo entender, se entender e entender o mundo ao redor por onde elas passam (e dançam).

E nesse se por no filme, Petra faz ainda uma bela relação com seu encontro pessoal com a arte, outra constante interessante no filme. Elena era atriz de teatro que ensina à pequena Petra como atuar. Se Elena vai se perder por outros motivos, Petra se lança no caminho da arte, depois do trauma da morte e das dúvidas comuns da juventude, a partir de uma experiência de vida que parece ter lhe aberto muitas portas, fechando outras. Mas agora o que se apreende é uma artista segura de seus passos, dona de um olhar aguçado.

A presença de Elena é sentida a todo instante no filme e mesmo com a sensação geral de dor, não se trata de uma obra pesarosa. É como uma forma de expurgo, propósito a que se serve diretora e também família (dor e remorso da mãe são marcas fortes no filme), mas a impressão final é de um trabalho sólido de montagem e recriação, autoavaliação, além da sensibilidade intensa que exala. 
Elena é memória, é dor, mas também libertação.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Festival Varilux de Cinema Francês – Famílias que matam




Prenda-Me (Arrêtez-Moi, França, 2013)
Dir: Jean Paul Lillienfeld

 
A cota de filme policial este ano no Festival Varilux é preenchida por
Prenda-Me, esse exemplar de tons quase teatrais (baseado, na verdade, no romance de Jean Teulé) pela forma como simplifica os espaços de ação da história. Mas há ainda toques bem dramáticos e pitadas de humor negro, o que o torna por vezes uma mistura estranha, difícil de definir.

No fundo, o conflito da protagonista é bem mais simples de se entender e resolver, mas a grande investida do filme está na forma como a história vai nos sendo apresentada, talvez se alongando demais, via flashbacks da narração da protagonista. Todo o filme está marcado pela relação que se estabelece entre essa mulher (Sophie Marceau) que vai à delegacia confessar o assassinato do marido, ocorrido anos atrás, e a policial (Miou-Miou) que ouve seu depoimento.

Apesar desse drama ser o centro da questão (na época, a morte do marido que caiu da janela de um prédio foi dada como suicídio, reforçada pelos problemas de comportamento e agressividade que ele já apresentava), não há muito a se reconstruir desses fatos e fatores que ajudam a esclarecer o caso.

O filme ganha muito quando a personagem da policial se revela mais na história, o que acontece na terça parte do filme. É quando a insistência dela em não prender a confessora se torna mais evidente e as duas passam a compartilhar certas percepções da vida e, principalmente, da noção de família. Há núcleos familiares que prendem mais do que nos liberta. 

terça-feira, 7 de maio de 2013

Festival Varilux de Cinema Francês – Luz de verão



Renoir (Idem, França, 2012)
Dir: Gilles Bourdos


“A dor passa, mas a beleza permanece”. Para um pintor tão celebrado e genial como Pierre-Auguste Renoir, essa frase lhe cai pertinentemente num filme que pinta um retrato muito luminoso do pintor impressionista, apesar de já encontrá-lo na fase final de sua vida, mesmo que ainda produzindo e dono de sua sanidade. A velhice lhe aflige o corpo, mas a consciência sobre a validade da própria arte permanece como força ativa, apesar do clima melancólico e doloroso em que vive o artista.

Mas a rotina do mestre (Michel Bouquet) ganha também novas luzes com as duas chegadas que a história promove. Primeiro, ele conhece uma nova modelo, a bela Andrée (Chista Theret), uma jovem atriz em busca de trabalho. Na verdade, é sob o olhar dela que chegamos à casa de campo na Côte d’Azur e encontramos o pintor sob os cuidados da família e criados, mas sem ar de ranzinza. Renoir nunca é um filme pesaroso.

Logo em seguida, chega seu filho Jean Renoir (Vincent Rottiers), convalescente depois de ser ferido na Primeira Guerra Mundial. O futuro cineasta ainda vai traçar seus caminhos de sucesso, mas se encanta ao conhecer Andrée. Passando longe do lugar comum de criar inimizade entre pai e filho, via ciúme despertado pela presença da jovem, o filme ganha dimensões de encontro familiar em que as mágoas de cada um são postas à mesa, mas sem cair na lavagem de roupa suja. No fundo, há muito de amoroso nesses encontros.

Renoir é sobre pais e filhos. O retrato do esgotamento de um artista acaba sendo o florescer de outro, em campos diferentes das artes. Apesar da tristeza e melancolia do todo, a luz da Riviera Francesa surge resplandecente, acariciando os personagens em seus dilemas ou dificuldades. Pode soar quase pedante que o filme tente reproduzir certas imagens como se fossem pinturas no estilo impressionista de Renoir, mas a vivacidade persistente que emana dali ganha uma tradução ideal, de uma tela para outra. 

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Festival Varilux de Cinema Francês – A dor de ser



Camille Claudel 1915 (Idem, França, 2013)
Dir: Bruno Dumont



Chega a ser surpresa que Juliette Binoche seja a protagonista desse filme de Bruno Dumont. Em seus trabalhos, sempre esquisitos, sobre gente estranha, ele costuma usar atores desconhecidos. Mas há outras rupturas aqui: trata-se do retrato de uma personalidade real, coisa rara em sua filmografia, e por isso o filme abre com algumas informações didáticas sobre a então abalada Camille Claudel.

Dumont trabalha num registro bem intimista, encontrando a grande escultora francesa já detida num manicômio depois de um período atormentada pelo isolamento a que se infligiu, amargurada pelo romance tumultuado como amante de seu grande mentor, Auguste Rodin, por quem abdicou muita coisa. Sofria também pelo machismo da sociedade francesa e não tinha o apoio da própria família, responsáveis pelo encarceramento dela em hospícios, onde viria a morrer depois de 30 anos internada.

Mas Camille Claudel 1915 está menos preocupado em demarcar os traços biográficos da artista, e mais fascinado pelo estado de isolamento e descontrole mental que ela apresentava. É um filme duro, mas não nas imagens fortes ou grotescas que o diretor costuma criar. Aqui, a perturbação está na face e nas palavras dos personagens. Camille transita entre a angústia da permanência ali a pitadas de alegria, especialmente pela iminência da visita do irmão.

Dumont estende o tempo no manicômio como forma de nos impor aquela rotina estanque, por vezes agonizante, enquanto Camille convive com médicos e enfermeiras até benevolentes com seu estado e com internos em condições muito mais intensas de esquizofrenia (e é louvável que o diretor tenha trabalhado com doentes mentais de fato, o que acentua o clima natural de um lugar assim). Com isso, consegue fugir muito bem de possíveis caricaturas.

O rosto endurecido da atriz parece uma fascinação para o diretor e sua câmera, sempre tão próxima dos atores. Mas é de se louvar também a chegada do irmão Paul Claudel (Jean-Luc Vincent), fazendo o filme ganhar novo fôlego e atmosfera. Sua personalidade arrogante e moralista, sua pose elitista, só reforçam o choque de posições, impondo à protagonista uma existência que não há de ser mais condescendente. Sua sina é carregar pra sempre a dor de ser o que a tornaram.

sábado, 4 de maio de 2013

Festival Varilux de Cinema Francês – Cores de sempre



Além do Arco-Íris (A Bout du Conte, França, 2012)
Dir: Agnès Jaoui


Agnès Jaoui é diretora e roteirista de um filme espirituoso e muito bem escrito chamado O Gosto dos Outros, sua estreia na direção. Daí que esse seu novo projeto aparece como uma grande decepção porque não consegue criar personagens pelos quais o espectador consiga ter muita empatia. É difícil se importar com os seus dramas e conflitos, num filme mais bobinho.

Não que pareça pretensão criar situações complexas e personagens com grandes dilemas. Na verdade, essa é uma boa característica dos filmes da diretora, sempre escritos em parceria com seu marido, Jean-Pierre Bacri (ambos atores também): os conflitos estão no plano do cotidiano, como se o espectador pudesse se enxergar naqueles personagens ou, pelo menos, acreditar que eles sejam como nossos vizinhos, parentes ou amigos, em situações muito próximas que possam ocorrer no dia a dia.

Mas os esforços de se fazer comédia aqui só rendem alguns momentos realmente inspirados, enquanto acompanhamos um mosaico de histórias de personagens que se cruzam. Essa é a base estrutural do roteiro, tendo os enlaces amorosos como mote principal da vida de homens e mulheres errantes pelo mundo em busca de conforto no coração.

Casais se apaixonam e se separam. Homem sofre na convivência com os filhos da nova namorada, enquanto seu filho só lhe procura, acanhadamente, para pedir dinheiro, músico apaixonado por uma bela garota que mais tarde vai se encantar por um charmoso, mas mau caráter, produtor musical. A filha de um casal se torna católica fervorosa e reclusa, enquanto a mãe tenta aprender a dirigir com esse mesmo homem cujo filho lhe pede grana. Tudo se entrelaça.

Há também na história um interessante flerte com o conto de fadas, o que dota o filme desse tom assim leve, despretensioso. Ícones como o do príncipe encantado ou da Cinderela (aqui trocando de papeis com um rapaz) surgem numa roupagem mais adulta, ainda que os personagens e seus conflitos se encontrem num nível raso, talvez até propositalmente. Mas é o filme que perde com essa escolha.

Festival Varilux de Cinema Francês – Do cômico ao trágico



O Homem que Ri (L’Homme qui Rit, França/República Tcheca, 2012)
Dir: Jean-Pierre Améris


Apesar do título, não há muito de comédia em O Homem que Ri, a despeito de uma cicatriz cruzando a boca do protagonista que lhe empresta a feição de alguém que ri constantemente. Esse é o grande drama de Gwynplaine, abandonado quando criança, visto como uma pequena aberração. Vai com ele uma bebezinha, que mais tarde se descobre ser cega, encontrada por ele nos braços da mãe morta.

Mas eles irão encontrar acolhida junto a Ursus (Gérard Depardieu), um apresentador de shows de variedades. Apesar do nome e do jeitão bravo e arrogante, ajudado pelo avantajado corporal do ator, carrega um bom coração. Essa família que se forma a partir daí seria uma representação das coisas puras, especialmente quando o filme precisar confrontá-los com uma realidade que expõe injustiças e diferenças sociais, num exercício pobremente maniqueísta que o filme forja na sua segunda parte.

Até porque, no fundo, há dois filmes aqui: começa com essa descoberta de um lar que essas duas crianças perdidas encontram via mundo do entretenimento e da graça, ao mesmo tempo em que Ursus os transforma em novos companheiros de palco. A marca facial de Gwynplaine se torna um elemento de atração. É quando o circo de horrores se transforma em encantamento, e a “imperfeição” de Gwynplaine passa a ser explorada a fim de manter o trabalho do grupo.

Esses são os melhores momentos do filme, quando se percebe o diretor de Românticos Anônimos (trabalho anterior de Améris), espirituoso e flertando com a comédia romântica. Agora já crescidos, não é de se estranhar que os dois jovens surjam como par amoroso. Há algo de fantasioso também no estranho dom de Déa (Chista Theret) em prever o futuro, a despeito de sua cegueira.

Mas logo o filme se transforma e perde o encantamento. O passado de Gwynplaine, (agora interpretado por Marc-André Grondin), bate à porta, abrindo-lhe a possibilidade de viver em outra realidade social. É quando o filme abusa do maniqueísmo, tenta fazer crítica social, se aproxima do drama trágico, e se sai pior.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Festival Varilux de Cinema Francês – Amores no palácio




Adeus, Minha Rainha
(Les Adieux à la Reine, França/Espanha, 2012)
Dir: Bonoît Jacquot



O único Benoît Jacquot que havia chegado para mim foi um filme intimista, em preto-e-branco, narrado com parcimônia e tempo lento, chamado Até Já. Agora, ele abre o Festival Varilux de Cinema Francês com uma obra bem mais portentosa e urgente (foi também o filme de abertura do Festival de Berlim ano passado). Adeus, Minha Rainha nos coloca nos bastidores da crise político-social que toma o Palácio de Versalhes poucos dias antes do rei Luis XVI e a rainha Maria Antonieta serem destituídos do poder pelas mãos dos que investiram na Revolução Francesa.

Mas menos um filme político e mais um trabalho de olhares íntimos e de amorosa adoração, Adeus, Minha Rainha se apresenta através do olhar de Sidonie Laborde (Léa Seydoux), leitora oficial da rainha (Diane Kruger). Moça simples que nutre uma paixão secreta pela monarca, sendo esta tão expansiva e conhecida pelos amores de homens e mulheres que conquistou com sua influência e beleza.

As confissões da rainha acerca de seu envolvimento e atração pela duquesa Gabrielle de Polignac (Virginie Ledoyen) só reforçam para Sidonie essa possibilidade de relações (e o filme não deixa de pregar uma peça na protagonista quando ela precisar assumir o lugar de Gabrielle, posição que ela desejaria adotar, mas em circunstâncias bem diferentes). Sidonie também representa um grupo de pessoas que rondam a vida monárquica, servindo no Palácio de Versalhes, gente que veria sua vida mudar depois da crise e falência do poder real (a fala final do filme é exemplar para revelar a desolação de pessoas assim, que só se sentem úteis ao servir lealmente).

É esse ambiente que mais interessa ao filme enquanto observação de uma certa vida em torno da realeza. Mas o grande entrave do filme esteja no tom de urgência e tensão que Benoît implanta já desde o início, tentando sustentá-lo até o fim, bambeando bastante no meio do caminho. O filme se concentra em apenas quatro dias, na iminência de fuga da família real, enquanto os amores secretos da rainha vêm à tona.

Mas não deixa de ser cansativo e redundante esse clima de abalo, ainda mais por se passar dia a dia, só alcançando um pouco mais de intensidade nos minutos finais. Nem a relação entre as amigas íntimas é descortinada, nem a paixão secreta de Sedonie é trabalhada a fundo. Jacquot desenha os enlaces amorosos por baixo do pano, mas sem muito interesse ou momentos de maior provação.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Melhor esquecer


Oblivion (Idem, EUA, 2013)
Dir: Joseph Kosinski


Um homem com uma missão num Planeta Terra totalmente devastado e desolado. Ao lado de sua mulher, eles devem preservar pelos grandes reatores que enviam energia para uma colônia na lua de Saturno onde os sobreviventes da Terra vivem agora, depois que uma invasão alienígena acabou com as possibilidades de existência na Terra. Logo, é para lá que eles devem se dirigir também. Sua única comunicação exterior é com a imagem de uma mulher via computador.

Os contornos da de ficção científica estão todos no novo filme de Tom Cruise (é assim que os projetos em Hollywood costumam ser tratados), misturados aos fatores conspiração e ilusão de realidade, algo que logo virá à tona para os personagens, especialmente quando Jack (Cruise) resgata uma mulher misteriosa (Olga Kurylenko) de uma cápsula. Uma pena que Oblivion esteja muito mais preocupado em reverberar lugares-comuns desse tipo de universo do que caminhar com suas próprias pernas.

A história parece mais interessada em fazer referências a clássicos ou exemplares recentes do gênero (2001 – Uma Odisseia no Espaço, Mad Max, Lunar) do que criar algo necessariamente mais pessoal, uma boa história a se contar. É como se os elementos do gênero já estivessem estabelecidos e o filme não quisesse quebrar nenhum de seus dogmas. Não que necessariamente precisasse disso para fazer um filme no mínimo instigante.

Sobra pouco espaço para boa ação e mais para mensagens que se querem (e no fundo são) bonitinhas, com alguma lição importante sobre a preservação da humanidade. No fundo, é um filme pouco divertido. O maior problema é atirar para muitos lados na sua roupagem de ficção científica com tons conspiratórios, religiosos, metafísicos e futurísticos.

Ainda depõe contra isso o fato do diretor Joseph Kosinski ser também o autor da graphic novel original de que o filme é adaptado, uma espécie de oportunismo se considerarmos a história sem muitos atrativos. Há sempre boas intenções no todo, as cenas de ação são bem orquestradas, embora pouco empolguem, e o nível da produção está à altura das ambições do projeto. Porém, o resultado final não nos faz lembrar um filme assim agradável.