segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Oscar 2013



Há tempos que não tínhamos um Oscar cheio de dúvidas e riscos. E há tempos não tínhamos uma festa tão chata e sem grandes atrativos. Noite longa com premiados duvidosos, a começar por Argo e seu thriller político que, apesar de bom filme, correto, não me parece nada tão grandioso assim. A Hora Mais Escura, totalmente esnobado, é muito mais interessante, para ficar num concorrente e no mesmo gênero. Mas o filme de Bem Affleck foi comprado pela indústria, mesmo com a ausência do rapaz em direção, e isso bastou para sua vitória.

Emmanuelle Riva e sua atuação poderosa perdeu para a queridinha Jennifer Lawrence, demonstrativo do poder dos Weinstein, espécie de prêmio consolação para O Lado Bom da Vida. Anne Hathaway ganhou por uma atuação cheia de tiques e cálculos e Daniel Day-Lewis, incrível e sutil como Lincoln, já estava fadado a receber sua terceira estatueta, mesmo concorrendo com o monstro que é Joaquin Phoenix. Também Christopher Waltz, mesmo que reprisando seu papel no último filme de Tarantino, teve uma vitória merecida, mas a revelia da derrota de outro monstro, Philip Seymour Hoffman. Mas foram dois prêmios justíssimos.

Uma pena que o roteiro complexo de A Hora Mais Escura tenha perdido justamente para o filme de Tarantino que mais se excede no texto, e ainda teve Argo, franco favorito na categoria de roteiros adaptados, apesar do bom trabalho, vencendo de As Aventuras de Pi e Indomável Sonhadora, ainda que o forte desse filme indie seja a direção. Nessa categoria, com a ausência de Affleck, as portas pareciam abertas para Steven Spielberg, mas com que surpresa não vi o nome de Ang Lee ser anunciado como vencedor!

A impressão final é de que o ano poderia ter sido bem melhor em termos de filmes indicados. O Mestre, por exemplo, um dos melhores dessa temporada, poderia muito bem roubar grande parte dos principais prêmios da noite. Mas estamos falando de mercado, indústria, mídia e glamour. Cinema é outra coisa.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Palpites para o Oscar 2013




E eis que uma das premiações mais manjadas do cinema parece reservar algumas dúvidas para este ano. Não estamos falando aqui necessariamente da qualidade e dos valores artísticos dos filmes, mas sim das voltas que a poderosa indústria hollywoodiana faz para massagear seu próprio ego e escolher o que eles acham ser seus melhores. A nós, resta essa brincadeira descompromissada de tentar adivinhar os vencedores. Os indicados seguem na minha ordem de preferência e em negrito aquele que eu acho que vencerá o prêmio.


Melhor Filme

1. Amor
2. Indomável Sonhadora
3. A Hora Mais Escura
4. As Aventuras de Pi
5. Lincoln
6. Django Livre
7. Argo
8. O Lado Bom da Vida
9. Os Miseráveis
Bem, tudo leva a crer que Argo, mesmo sem indicação para seu diretor, será o vencedor da principal categoria da noite pelos prêmios importantes que vem acumulando nessa temporada. A Hora Mais Escura chegou a ser um grande favorito no início da temporada, mas perdeu força e recebeu acusações bobas de defender a tortura. Sem sua diretora indicada fica difícil, o que abriria espaço para Spilberg e seu Lincoln, um filme de enorme sucesso nos Estados Unidos, dada a figura icônica e adorada de seu personagem central. Amor já está garantido na categoria de estrangeiro e Indomável Sonhadora é indie demais, uma bela surpresa. São meus dois favoritos. Mas pelo menos o desastroso Os Miseráveis perdeu sua força, assim como o simpático (mas problemático) O Lado Bom da Vida. Legal o reconhecimento para Django Livre, mas Tarantino já esteve melhor.


Melhor Diretor

1. Michael Haneke (Amor)
2. Benh Zeitlin (Indomável Sonhadora)
3. Ang Lee (As Aventuras de Pi)
4. Steven Spielberg (Lincoln)
5. David O. Russell (O Lado Bom da Vida)

Na categoria mais polêmica, a ausência de Ben Affleck e Kathryn Bigelow (pra mim, só a dela é injustificável) abriu as portas para Spielberg, diretor tão ame-ou-deixe por parte da Academia. Lee pode ser uma ameaça por um filme fabular e emocional, como os votantes gostam, mas parece ter suas maiores chances nos quesitos técnicos. E é muito bom ver o reconhecimento de Haneke aí, assim como o de Zeitlin e sua escrita tão pessoal, apesar de diretor iniciante. Russel já teve melhores momentos.


Melhor Ator

1. Joaquin Phoenix (O Mestre)
2. Daniel Day-Lewis (Lincoln)
3. Bradley Cooper (O Lado Bom da Vida)
4. Denzel Washington (O Voo)
5. Hugh Jackman (Os Miseráveis)

Day-Lewis é uma unanimidade, nada tira esse prêmio dele (seria o terceiro na carreira), um trabalho bastante sutil. Pessoalmente, prefiro o Phoenix, numa atuação hipnótica, mas ele tem feito muita besteira nos bastidores de Hollywood, essa indicação já está de bom tamanho pra Academia. Cooper é uma grata surpresa, sua primeira indicação, assim como a de Jackman, essa superestimada. E Washington, mesmo num filme super moralista e problemático, tem um belo desempenho. Mas a figura icônica de Lincoln deve prevalecer.


Melhor Atriz

1. Emmanuelle Riva (Amor)
2. Jennifer Lawrence (O Lado Bom da Vida)
3. Quvenzhané Wallis (Indomável Sonhadora)
4. Jessica Chastain (A Hora Mais Escura)
5. Naomi Watts (O Impossível)

Aqui reside uma das maiores surpresas da noite. Riva ou Lawrence? Existem prós e contras sobre as duas. Riva tem a barreira da língua e está fora do padrão de estrelismo que a Academia, como braço da indústria, adora; mas é a mais velha indicada na história do Oscar, tem um desempenho fantástico num filme que os votantes amaram e aniversaria no dia da premiação. Por outro lado, Lawrence é uma queridinha, jovem e talentosíssima, num filme defendido pelos poderosos Weinstein, mas pode ser uma vitória precoce. É uma briga bonita e justa, ambos os desempenhos são ótimos. Hoje apostaria na francesa. A pequena Wallis também faria história, mas seu filme não tem essa força. Chastain seria uma opção, é adorada pela indústria, mas perdeu força na campanha. Watts corre por fora.


Melhor Ator Coadjuvante

1. Philip Seymour Hoffman (O Mestre)
2. Christoph Waltz (Django Livre)
3. Tommy Lee Jones (Lincoln)
4. Robert De Niro (O Lado Bom da Vida)
5. Alan Arkin (Argo)

Também há dúvidas aqui, até por todos já terem um Oscar em casa. Waltz vem ganhando algumas coisas, mas já venceu anteriormente esse prêmio, também por um filme de Tarantino, reprisando quase o mesmo personagem. Lee Jones é um queridinho, candidato forte. E há quem fale numa possível vitória de De Niro, ator importante nos Estados Unidos, depois de tanto tempo seu uma indicação. Seymour Hoffman, meu preferido absoluto, não parece muito com cara de premiado e seu filme não saiu das categorias de atuação. Arkin só parece estar ali pelo respeito que ele goza no meio. Mais uma disputa acirrada, mas seria uma boa premiar mais um ator de Lincoln.


Melhor Atriz Coadjuvante

1. Helen Hunt (As Sessões)
2. Amy Adams (O Mestre)
3. Sally Field (Lincoln)
4. Anne Hathaway (Os Miseráveis)
5. Jacki Weaver (O Lado Bom da Vida)

Todos os atores de Os Miseráveis sofrem de excesso dramático, parecem estar ali somente para conquistar indicações em premiações e parece que a coisa tem dado certo para Hathaway. Ela vem ganhando tudo e a indústria adora a moça, tá na mão. Seria muito mais bonito premiar a atuação segura, doce e corajosa de Hunt, dona absoluta de sua personagem, ou então a força contida de Adams e sua personagem impositiva, mas não parece haver chances. Assim como Weaver só está ali pela força de influência dos Weinstein. Field seria a única que pode surpreender, ela tem história e é respeitada. Mas hoje eu aposto nos tiques e cálculo da intérprete de Fantine.


Melhor Roteiro Original

1. A Hora Mais Escura
2. Django Livre
3. Amor
4. Moonrise Kingdom
5. O Voo

Fora o roteiro de O Voo, uma negação, especialmente por um péssimo final, a categoria está bem servida. O de A Hora Mais Escura é o mais complexo e pode vencer como prêmio de consolação, assim como Django Livre. Curiosamente são os dois filmes que tiveram polêmicas em suas histórias, o que pode afastar votos. Mas aí sobraria para Moonrise Kingdom, que não passou daqui, apesar de um elenco respeitável, e para Amor, uma possibilidade interessante dado o gosto dos votantes pelo filme de Haneke. Hoje eu aposto no trabalho monumental de Mark Boal em A Hora Mais Escura.


Melhor Roteiro Adaptado

1. Indomável Sonhadora
2. As Aventuras de Pi
3. Argo
4. Lincoln
5. O Lado Bom da Vida 

A questão aqui é se o filme de Ben Affleck é tão querido assim pelos votantes a ponto de vencer pelo roteiro também (tem boas chances em montagem ainda). Como tudo indica que sim, fica mais difícil para possibilidade mais plausíveis como As Aventuras de Pi, o mais indicado da noite, ou O Lado Bom da Vida, principalmente se Riva tirar o Oscar de Lawrence e esse prêmio aqui servir como consolação. Lincoln tem sido acusado de imperfeições históricas, o que diminui suas chances.


Melhor Filme Estrangeiro

1. Amor
2. A Feiticeira da Guerra
3. No 
4. O Amante da Rainha

Amor é mais uma unanimidade. Muito difícil um filme falado em língua não-inglesa que tenha vencido a barreira da sua categoria e indicado em outras, inclusive na principal, não ganhar. Falam de uma possível surpresa de No com sua veia politiza, mas acho difícil. A Feiticeira da Guerra é um belo filme, mas nem tem sido lembrado, assim como os demais.


Melhor Longa De Animação

1. Detona Ralph
2. Frankenweenie
3. Valente
4. ParaNorman
5. Piratas Pirados!

Detona Ralph parece vir para vencer certa hegemonia da Pixar e seu Valente nessa edição, além de ser um ótimo e divertido filme. Frankenweenie, com o peso do nome de Tim Burton, também pode ser uma boa aposta, mas tem sido pouco lembrado. Nada do que reclamar dos indicados dessa categoria, acho os demais também divertidos. Mas torço pela nostalgia light de Detona Ralph.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O tigre e a lição


As Aventuras de Pi (Life of Pi, EUA/Taiwan, 2012)
Dir: Ang Lee


Desde o início, As Aventuras de Pi não esconde sua estrutura e natureza fabular. É daí que vem sua força e fraqueza, mas no fim das contas, por se tratar de uma história sobre a crença, não somente religiosa, mas de forma maior, a fábula parece o formato ideal para injetar ensinamentos sem que isso soe como algo um tanto moralista, para além do conto de sobrevivência que a história já é.

Porque essa é a provação do jovem Pi Patel (Suraj Sharma): sobreviver à bordo de um bote com um tigre de bengala depois do naufrágio do navio em que ele e sua família levava os animais do zoológico que possuíam na Índia, agora seguindo em direção aos Estados Unidos. Baseado no livro do canadense Yann Martel que, por sua vez, se inspira na história publicada pelo escritor brasileiro Moacyr Scliar, Max e os Felinos, o filme de Ang Lee põe em xeque a nossa crença na própria história, dados os traços fantasiosos que Pi vive no seu percurso de sobrevivência. 

Daí que o roteiro é hábil em desenvolver a narrativa a partir de flashbacks em que Pi, agora mais velho e já morando nos Estados Unidos, recebe a visita de um escritor que deseja conhecer aquela sua história tão impressionante. Porque não basta que o jovem tenha sobrevivido em meio ao oceano hostil, mas na companhia de um tigre feroz e faminto, com quem conheceu lugares inimagináveis, como uma espécie de ilha viva, e tendo recebido a visita de uma baleia gigante.

Nesse intercurso, a credibilidade do conto ganha contornos também religiosos. Crer na fábula é como crer em Deus, depende da disposição (fé?) de cada um, eis a moral que o filme quer nos entregar. Dito assim pode até parecer bobo demais, mas os caminhos de construção do drama do protagonista são muito bem cuidados. Lee filma sem pressa (às vezes se estendendo demais na história de vida de Pi, engordando o filme), dimensionando a trajetória daquele garoto, emocional e religiosa (ele se apresenta como um budista cristão) e também de sua relação com o tigre, que tem até um nome, Richard Parker, mais uma marca do cuidado em tornar aqueles personagens tão próximos e críveis.

Assim, As Aventuras de Pi tem seu quê de conto clássico de final edificante, mas sem a pretensão de converter ninguém, permeado ainda pela beleza visual do filme. O trabalho de efeitos especiais é de encher os olhos, tanto por imagens deslumbrantes, mas também pela construção do tigre em seus movimentos e expressões, além do oceano gigantesco e todas as criaturas que cruzam o caminho dos protagonistas (a cena da baleia, por exemplo, é um ápice). Acredita quem se aventura.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Sinfonia de coitadinhos


Os Miseráveis (Les Miserábles, Reino Unido, 2012)
Dir: Tom Hooper 



Como adaptação de um espetáculo musical teatral, Os Miseráveis não esconde suas origens de grandiloquência operística, tanto em termos de produção, como em termos de exageros dramáticos. Baseado no famoso e homônimo livro de Victor Hugo, o filme expõe sua natureza de melodrama escancarado. Uma pena que a narrativa tenha caído nas mãos de Tom Hooper, um diretor que tenta imprimir certa identidade, mas só consegue tornar tudo em um desarranjo narrativo.

Se em O Discurso do Rei havia pelo menos uma história com rumos interessantes, capazes de esconder os problemas de direção do filme, aqui o roteiro não ajuda em nada no seu formato de dramalhão maniqueísta e tom elevado, desmerecendo o próprio melodrama enquanto formato narrativo. Tudo é conformado para infligir pena às trajetórias solitárias e sofridas dos personagens. O problema desse tom é que, ao invés do resultado emocional, a história causa distanciamento, uma frieza que surge pela obrigação em se comover, um tiro no próprio pé.

O personagem de Jean Valjean (Hugh Jackman) é acusado a 11 anos de prisão por ter roubado um mísero pão. Perseguido pelo apático policial Javert (Russel Crowe), depois de infligir a condicional quando solto, ele busca enriquecer e passa a ajudar a filhinha da sofrida Fantine (Anne Hathaway), mãe solteira obrigada a se prostituir para sustentar a garota. Quando a menina cresce, apaixona-se pelo jovem revolucionário Marius (Eddie Redmayne). 

O enredo acompanha os passos sofridos dos personagens em meio a todo o caos e miséria que a Revolução Francesa e o poder autoritário legaram ao povão depois de anos de conflitos, mas o filme nunca se esforça para esclarecer o contexto histórico das ações, enriquecer aquela discussão do estado de pobreza, mas somente contrapor bons e maus tipos, expor os maus-tratos como estratégia simplista que inspira solidariedade e compaixão no espectador, tudo muito artificioso.

Mas os problemas do filme são mais graves que isso. A começar pela direção desastrosa de Hooper, com seus enquadramentos e tomadas cheios de firulas (ângulos inclinados como tentativa de soar “estiloso” são o mais irritante). Lembra produto televisivo mal feito e sem talento. A montagem segue a mesma tentativa vazia de impressionar com ritmo rápido que estraga a emoção de várias cenas com seus cortes insistentes (a única exceção é o número I Dreamed a Dream, interpretada por Hathaway, rodado em único take e em primeiro plano, só estragada pela interpretação acima do tom da atriz). Para um musical de quase 3 horas, soa como tentativa de criar ritmo, mas acaba mesmo estragando a emoção do filme.

E não só Hathaway, mas todo o elenco parece instruído a exagerar um tanto em suas interpretações, perseguindo essa mesma emoção exacerbada que é a obstinação do filme. E não ajuda em muita coisa que os atores tenham cantado de verdade nos sets de filmagens, os números não passam do correto, sem momentos memoráveis. Quase todas as falas dos personagens são cantadas, sem números coreografados, o que faria de Os Miseráveis um autêntico musical. Mas sem talento e competência, não passa de um projeto desastroso.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Louca ingenuidade


O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, EUA, 2012)
Dir: David O. Russel


No retrato que desenha de seus dois protagonistas, os jovens com problemas mentais Pat (Bradley Cooper) e Tiffany (Jennifer Lawrence), O Lado Bom da Vida é exemplar em não torná-los caricaturas do louco desvairado ou do doente cheio de tiques esquisitos. Eles estão entre o limite da sanidade e à beira da recaída, mas lutam e se esforçam para melhorar, da melhor forma que julgam poder se restabelecer em sociedade. É essa ingenuidade que torna os protagonistas tão interessantes de acompanhar e por quem torcemos até o fim.

Por isso não incomoda que os protagonistas aqui se mostrem tão infantis em comportamento, uma vez que esse é o mundo deles, a prisão de onde tentam escapar (e há escapatória possível?). Mas é uma coisa muito diferente quando o filme e mesmo os demais personagens passam a praticar o mesmo tipo de atitude, cultivando uma espécie de condescendência cega à situação e às atitudes dos dois jovens.

É caso da mãe que retira o filho do sanatório sem grandes preocupações sobre sua real possibilidade de voltar para casa; o policial que acompanha o jovem em suas infrações, nunca suficientes para levá-lo de volta ao sanatório; ou ainda o terapeuta do rapaz, um conselheiro supostamente confiável, mas que se envolve numa briga boba como se resolvesse, de repente, se portar como um adolescente imprudente. Ou seja, tudo é conformado para que os protagonistas continuem fazendo atos inconsequentes, que serão vistos com condescendência e bons olhos mais tarde, tudo facilmente perdoável em prol de um sentimento de feel good final.

Isso me lembra A Garota Ideal, filme em que o personagem de Ryan Gosling sofria de distúrbios mentais, se apaixonava por uma boneca inflável, e os demais personagens passavam a aceitar a situação, por recomendação médica, como forma de não chocar o rapaz com a realidade, embora não escondessem o absurdo da coisa. Havia um acordo tácito de que assumir essa atitude infantil pudesse ser positivo para ajudar o personagem a melhorar de alguma forma.

É o tipo de armadilha fácil a que O Lado Bom da Vida se entrega, em prol da trajetória de redenção e crescimento dos personagens, mas via banalização dos comportamentos dos demais. Pat acabou de sair do sanatório e quer a todo custo se reconciliar com a ex-esposa, apesar de tê-la flagrado traindo-o com um colega de trabalho, o que acabou despertando o acesso de loucura do personagem. Nesse retorno, acaba conhecendo Tiffany, bela e instável, dividindo com ele o mesmo tipo de desequilíbrio mental, encontrando apoio um no outro. Participar de um concurso de dança de salão parece a solução que eles encontram para espantar seus problemas. Eles se entendem em seu próprio universo.

Depois de fazer O Vencedor, em que os personagens eram tão ricos em suas atitudes e sentimentos, e o roteiro estava sempre disposto a tornar coisas e pessoas mais complexas, chega a decepcionar que David O. Russel tenha comprado aqui um roteiro que por vezes cai no banal, tornando as coisas simples ou fajutas demais (a cena em que Tiffany convence o pai de Pat que o fato dos dois andarem juntos é o que garante a vitória do seu time de futebol é um desastre nesse aspecto, impelindo o homem a fazer apostas absurdas a partir de uma lógica que só tem sentido na mente ingênua dela).

Daí que as atuações de Jennifer Lawrence e, surpreendentemente, Bradley Cooper elevam tanto o filme, pois defendem seus personagens sem exageros dramáticos (e ajuda muito também que o filme não torne o encontro dos dois um mero romance anunciado). E Robert De Niro, como o pai de Pat, apesar das atitudes equivocadas de seu personagem, passa longe de ser um mero coadjuvante de luxo. De fato, O Lado Bom da Vida é um retrato interessante de doentes mentais, longe de lugares-comuns, mas rodeado de situações e tipos frágeis e fragilizáveis.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Mentes aprisionadas

O Mestre (The Master, EUA, 2012)
Dir: Paul Thomas Anderson



Depois do grande mosaico de vidas em dor que é Magnólia e do estudo da ganância e poder crescentes de um homem em Sangue Negro, O Mestre poderia ser um filme menor do Paul Thomas Anderson, um trabalho mais modesto no desenho de certos personagens. Porque o filme está longe de ser um mero petardo contra uma ciência ou seita em sua gênese, muito menos é a biografia do homem que a formatou, com suas teorias e preceitos questionáveis, apesar do título se referir a ele.

Mesmo assim, O Mestre é de uma grandiosidade curiosa porque se apega à figura de um personagem errante, permeado por distúrbios mentais, que o torna presa fácil para alimentar as crenças dessa nova visão religioso-filosófico-científica que começa a surgir no início da década de 1950, a Cientologia. 

Daí que o foco da história recai muito mais no personagem visivelmente perturbado de Joaquin Phoenix, Freddie Quell. Ex combatente naval, é jogado em solo americano depois de ter lutado na Segunda Guerra Mundial. Sem destino ou família, será acolhido pelo líder Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman) e iniciado nos princípios da Cientologia, embora não pareça exatamente confortável ali, muito menos se tornará um discípulo fervoroso daquele movimento.

Assim que o filme começa e os acordes sonoros potentes da trilha sonora clássica soam no cinema, nota-se que estamos diante de algo forte, intenso. E o foco aqui não é a criação da Cientologia, mas os caminhos tortuosos de Freddie. Mais do que um adepto daquela seita/culto, ele se encontra naquele lugar, como que se sentindo prestativo, em especial através do seu talento em produzir destilados, bebidas de forte teor alcóolico que servem aos propósitos entorpecentes de Dodd. Mas são os ataques de fúria de Freddie, seu comportamento explosivo e inconsequente, que guiam a história, o triste retrato de um personagem refém de suas limitações mentais, pego na armadilha das crenças cegas.

Anderson formata uma estrutura narrativa que não torna a Cientologia o centro da história, mas diz muito sobre suas origens, cutucando-a em pequenas doses, ainda que a cerque de certos mistérios. Não há dúvida de que Dodd é visto como um homem carismático, um pai que cuida e lidera aquela família, todos aqueles que se ajuntam ao redor d’A Causa, como costumam chamar. Mas o filme não deixa de pontuar os momentos de arrogância e fúria que lhe tomam quando questionam seus dogmas.


Também Amy Adams, aparentemente frágil, vivendo a esposa de Dodd, expõe o destaque da figura feminina, longe do perfil de submissa, como voz ativa nas decisões, apoiando incondicionalmente o marido em sua trajetória e sendo sua baliza moral. Assim, ao se aproximar do centro de criação da Cientologia, o filme nunca o ridiculariza, mas tenta expor os abusos que dali se observa (em especial os métodos de pressão psicológica sobre as pessoas).

É essa dualidade que torna o filme um curioso comentário de acidez à Cientologia, mas sem aprofundar a questão ou se envolver nos seus preceitos. Dodd acaba sendo um personagem ficcional, um alter-ego do verdadeiro criador daquele movimento, o ex-escritor de ficção científica L. Ron Hubbard. 

Sabemos que o maior interesse de Anderson está nas inter-relações humanas. Por isso os planos aqui são mais fechados, longos, que valorizam o confronto entre personagens, em especial entre esses dois homens, o mestre e o discípulo torto, muitas vezes em embate forte (a cena do interrogatório sem piscar os olhos é soberba e angustiante nesse sentido). Freddie, encurralado por sua própria condição psicológica, passa a ser presa também de um sistema que se quer espiritual, de onde terá ainda mais dificuldade de escapar. O Mestre é um estudo potente das prisões humanas.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Nobre capitão


Lincoln (Idem, EUA, 2012)
Dir: Steven Spielberg 


O título do filme engana. Longe de ser uma cinebiografia do 16º presidente dos Estados Unidos, Lincoln é o retrato do estadista em um momento crucial da história americana: a aprovação da emenda constitucional que viria oficializar o fim da escravidão no território norte-americano. Mas é se aproveitando desse episódio que o filme dá a dimensão de quem foi aquele homem em seu ofício, revelando o ótimo estrategista das coisas políticas, numa momento crucial da História americana em que a Guerra Civil dividia o país há quatro anos.

Steven Spielberg, com seu habitual classicismo narrativo, conduz tudo de forma didática, sem grandes momentos, mas pontuando cuidadosamente as manobras e desavenças (nem sempre transparentes, de ambos os lados) que envolveram a aprovação da emenda, discutindo, no caminho, as consequências que envolvem o fim da escravidão. Se por um lado isso torna o filme apenas correto na sua abordagem, também é uma maneira de não exagerar na formatação da figura adorada de que Lincoln goza.

Porque os ímpetos de patriotismo do diretor são bem conhecidos, assim como sua predisposição ao humanismo emotivo. Mas aqui o cineasta consegue fugir da pura adoração a esse homem distinto, sem exageros ufanistas, e basta lembrar as cenas em que Lincoln discursa, quando palavras portentosas são substituídas por um falatório breve, sem exageros retóricos; e foge também da mera defesa do fim da escravidão como princípio de pura liberdade (o que era uma falácia, como sabemos, e que o filme faz questão de pontuar). 

Por isso ajuda muito que um ator tão competente como Daniel Day-Lewis seja o intérprete aqui, num trabalho de sutileza que compreende muito bem o lugar desse homem naquela conjuntura política (ele precisava angariar votos na Câmera de Deputados para aprovar a emenda). Tal como Hellen Mirren fez em A Rainha, Day-Lewis consegue criar uma figura falível, longe de heroísmos, apesar da autoridade que emana de sua imagem.

Ainda assim, mesmo com a complexidade moral que envolve as manobras políticas de toda aquela situação, o filme não deixa de ter sua cota de conflitos mastigados. Seu drama com o filho mais velho (vivido por Joseph Gordon-Levitt), por exemplo, soa clichê na medida em que não ultrapassa o conflito do pai que não aceita o futuro que o filho quer traçar (no caso, lutar na Guerra Civil a fim de combater as injustiças sociais que presencia).

Ou mesmo o sonho de Lincoln a bordo de um navio a enorme velocidade, revelado no início do filme, não deixa de ser uma metáfora simples da posição de um líder frente a um momento crucial da história do país que ele governa. É certo que o tema e o personagem dizem muito mais ao povo norte-americano, e o filme não deixa de contar com uma série de referências a situações e personalidades daquele contexto sociopolítico específico. Mas Spielberg é um nato contador de histórias, mesmo que por vezes tente simplificar demais as coisas para que nada pareça fora de lugar, se saindo muito melhor aqui do que quando insiste em imprimir exageros patrióticos.