Lincoln (Idem, EUA,
2012)
Dir:
Steven Spielberg
O título do filme engana. Longe de ser uma cinebiografia do 16º presidente dos Estados Unidos, Lincoln é o retrato do estadista em um momento crucial da história americana: a aprovação da emenda constitucional que viria oficializar o fim da escravidão no território norte-americano. Mas é se aproveitando desse episódio que o filme dá a dimensão de quem foi aquele homem em seu ofício, revelando o ótimo estrategista das coisas políticas, numa momento crucial da História americana em que a Guerra Civil dividia o país há quatro anos.
Steven
Spielberg, com seu habitual classicismo narrativo, conduz tudo de forma
didática, sem grandes momentos, mas pontuando cuidadosamente as manobras e desavenças
(nem sempre transparentes, de ambos os lados) que envolveram a aprovação da
emenda, discutindo, no caminho, as consequências que envolvem o fim da
escravidão. Se por um lado isso torna o filme apenas correto na sua abordagem,
também é uma maneira de não exagerar na formatação da figura adorada de que
Lincoln goza.
Porque
os ímpetos de patriotismo do diretor são bem conhecidos, assim como sua
predisposição ao humanismo emotivo. Mas aqui o cineasta consegue fugir da pura adoração
a esse homem distinto, sem exageros ufanistas, e basta lembrar as cenas em que Lincoln discursa, quando palavras portentosas são substituídas por um falatório breve, sem exageros retóricos; e foge também da mera defesa do fim
da escravidão como princípio de pura liberdade (o que era uma falácia, como sabemos,
e que o filme faz questão de pontuar).
Por
isso ajuda muito que um ator tão competente como Daniel Day-Lewis seja o
intérprete aqui, num trabalho de sutileza que compreende muito bem o lugar
desse homem naquela conjuntura política (ele precisava angariar votos na Câmera
de Deputados para aprovar a emenda). Tal como Hellen Mirren fez em A Rainha, Day-Lewis consegue criar uma
figura falível, longe de heroísmos, apesar da autoridade que emana de sua
imagem.
Ainda
assim, mesmo com a complexidade moral que envolve as manobras políticas de toda
aquela situação, o filme não deixa de ter sua cota de conflitos mastigados. Seu
drama com o filho mais velho (vivido por Joseph Gordon-Levitt), por exemplo,
soa clichê na medida em que não ultrapassa o conflito do pai que não aceita o futuro
que o filho quer traçar (no caso, lutar na Guerra Civil a fim de combater as injustiças
sociais que presencia).
Ou mesmo o sonho de Lincoln a bordo de um navio a
enorme velocidade, revelado no início do filme, não deixa de ser uma metáfora
simples da posição de um líder frente a um momento crucial da história do país
que ele governa. É certo que o tema e o personagem dizem muito mais ao povo norte-americano, e o filme não deixa de contar com
uma série de referências a situações e personalidades daquele contexto sociopolítico específico. Mas Spielberg é um nato contador de histórias, mesmo que por vezes tente
simplificar demais as coisas para que nada pareça fora de lugar, se saindo
muito melhor aqui do que quando insiste em imprimir exageros patrióticos.
2 comentários:
Rafael, me encantei com o filme de uma forma quase inexplicável. O tom sóbrio mas ao mesmo tempo apaixonado por seu protagonista, as interpretações, a narrativa toda construída no anti-clímax, a lembrança de John Ford... um dos grandes filmes do ano, para mim, digno do Oscar de filme, direção, roteiro, ator e ator coadjuvante. Até o final, com Lincoln dentro da chama da vela me agradou...
Uau, quanta adoração, hein Wallace. Não acho que chegue a tanto, mas gostei mais do que eu imaginava. E tem essa sobriedade que faz muito bem ao Spielberg.
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