quinta-feira, 26 de maio de 2011

Curtinhas

Em um Mundo Melhor (Hævnen, Dinamarca/Suécia, 2010)
Dir: Susanne Bier


A dinamarquesa Susanne Bier construiu sua filmografia baseada em filmes melodramáticos, mas bastante duros. No entanto, esse seu novo projeto, atual vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, se distancia mais disso, embora seja possível perceber resquícios do seu cuidado nesse gênero na condução do eminente fim de um casamento, além de acrescentar a subtrama de um garoto que encontra na violência uma forma de expurgar a dor da perda da mãe, culpando o pai por isso. Bier sempre lida com personagens que enfrentam situações difíceis de vida, e não facilita as coisas para eles.

O melhor é como ela consegue atingir as fragilidades de seus personagens ao mesmo tempo em que o roteiro mantém a maturidade dos envolvidos ali, aumentando bastante o interesse em como as situações podem vir a se resolver. O uso pontual da trilha sonora reforça momentos densos, mas de forma muito sutil uma vez que o drama dos envolvidos já é suficiente para atingir as emoções do espectador, sem nunca forçar nesse sentido; é aqui que notamos a mão firme da cineasta. Contando com um elenco muito bom, a maior surpresa é o garoto William Jøhnk Nielsen, extremamente duro e consistente em suas expressões e composição do jovem violento. Um mundo melhor é o que todos desejam.


Sucker Punch – Mundo Surreal (Sucker Punch, EUA/Canadá, 2011)
Dir: Zack Snyder


Parece um desperdício enorme de tempo ver esse filme. Não porque seja ruim (acredito realmente que mesmo filmes problemáticos nos ensinam coisas). Mas além da lição de moral risível que Sucker Punch – Mundo Surreal quer vender (a de que é preciso acreditar em si mesmo para vencer!!!), todo o miolo do filme parece um mero pretexto para se chegar nesse fim. Por isso que quando Baby Doll (Emily Browning) é aprisionada num sanatório pelo padrasto malvado, ela vai adentrar subconscientemente num universo paralelo que, por sua vez, dá vazão para que ela incursione por outra realidade ficcional.

No meio disso tudo, a câmera superestilizada de Snyder (que só ele não deve achar nem um pouco enjoativa) filma tudo com a maior quantidade de CGI possível, principalmente quando a narrativa precisa que a garota lute contra forças malignas em busca de objetos sagrados a fim de completar uma missão que pode lhe custar a liberdade. Snyder parece se divertir bastante nesse jogo nerd, enquanto sua personagem parece totalmente deslocada desse universo. Na verdade, soam mais como uma justificativa para que lutem usando saias curtíssimas e com os seios quase saltando da blusa. O filme passaria como um grande entretenimento se não fosse tão vazio em sua surrealidade falseada e plástica.


Se Nada Mais Der Certo (Idem, Brasil, 2008)
Dir: José Eduardo Belmonte


Um dos filmes nacionais mais festejados dos últimos anos, pouquíssimo visto, é também um dos mais viscerais, impregnado de certa anarquia que faz muita falta ao cinema nacional. Mas a anarquia aqui está longe de ser gratuita, pois parece fazer parte da proposta de cinema de seu realizador. José Eduardo Belmonte já demonstrou isso em A Concepção. Agora, ele se apega à vida marginal para compor um quadro de personagens ricos em nuances, embora exista ali um carinho muito grande por todos eles.

A marginalidade surge no filme não só pelos personagens estarem à margem da sociedade, mas também no sentido literal, já que os três protagonistas (Cauã Reymond, Caroline Abras e João Miguel, todos ótimos) se envolvem com drogas, contrabando, roubo e esquemas escusos. Chama atenção no filme o caráter imprevisível das situações. A cada novo corte, uma atitude surpresa daquelas pessoas tão acostumadas com a dureza de suas rotinas, embora busquem a felicidade como qualquer um de nós. Eles estão aí para o que der e vier, fazendo de suas vidas um eterno jogo de roleta russa. É mais um sopro de vida que pontua a produção recente e nos faz acreditar em nosso cinema.


Bollywood Dream – O Sonho Bollywoodiano (Idem, Brasil/ Índia/EUA, 2009)
Dir: Beatriz Seigner


A experiência pessoal da diretora Beatriz Seigner na Índia, onde passou alguns meses, incentivou-a a realizar um filme no país, reprocessando o encantamento pela indústria mais prolífica de filmes no mundo, em Bollywood. Na primeira cena, três mulheres, ao passar pela alfândega indiana, são perguntadas o que vieram fazer no país. Em português, uma delas diz que são atrizes e vieram procurar emprego na indústria cinematográfica bollywoodiana; ao traduzir a fala, a amiga diz que a razão é uma viagem espiritual pelo país. Essa e outras boas tiradas aparecem aqui e ali num filme marcado pela naturalidade e tom documental de estrangeiros num país em descoberta.

Mesmo assim, em vários momentos, situações forçadas e pouco desenvolvidas pelo roteiro incomodam pela falta de consistência (a briga entre as três amigas, o fracasso na dança, a viagem de trem, são alguns exemplos). A impressão é de um filme que se concretizou ainda em estado de gestação, de formação ainda em curso, como um esboço de algo que promete observações mais intensas não só sobre as personagens (mal desenvolvidas) na situação de “perdidas”, mas também em relação ao cinema feito naquelas terras, e a própria Índia em si mesma. É como se esperássemos por uma razão de ser que nunca chega.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Confrontando o luto

Reencontrando a Felicidade (Rabbit Hole, EUA, 2010)
Dir: John Cameron Mitchell


Se o título brasileiro “Reencontrando a Felicidade” parecia trazer a ideia (ou mesmo um spoiler!) de certa resolução para o drama que se apresenta no filme (no caso, o luto pela morte de um filho), as coisas parecem muito mais complexas do que possam soar. Esse gerúndio do reencontrando, indicativo da ação em andamento, acaba fazendo muito sentido, pois a busca por uma paz interior é tudo que aqueles protagonistas desejam, a despeito das várias pedras que surgem nesse percurso.

Além disso, a narrativa apresenta uma série de questões pertinentes e plausíveis que envolvem a situação dos personagens, acrescentando muitas camadas dramáticas ao filme, o que sempre complexifica as coisas, nunca buscando saídas fáceis e, principalmente, decisivas. Quando o filme começa, já se passaram oito meses desde que o filho de quatro anos de Becca (Nicole Kidman) e Howie (Aaron Eckhart) foi atropelado acidentalmente na rua de casa. A dificuldade de retomar a vida continua presente.

Nesse sentido, acabam aflorando da trama questões como a dificuldade de Becca em participar da terapia de grupo com outros pais em situações semelhantes, e por sua vez, a proximidade entre Howie e outra integrante do grupo (vivida por uma ótima Sandra Oh), a notícia da gravidez da irmã de Becca, o fato da mãe delas também ter perdido um filho (mas em situação bastante diversa) e, a que me parece a mais interessante de todas, o encontro entre Becca e o garoto, menor de idade, que dirigia o carro gerando o acidente fatal.

Todas essas questões, coerentes e potentes nesse tipo de situação, são muito bem desenvolvidas pelo roteiro; não existe nada de tão diferente assim do que podíamos esperar, mas tudo é tratado com sensibilidade suficiente para se tornarem relevantes. Além disso, há um cuidado para que as informações nos sejam apresentadas de forma paulatina e, muitas vezes, surpreendentemente, apostando na maturidade e calma do espectador, e nunca forçadas pelo roteiro.

John Cameron Mitchell na direção me parecia uma escolha duvidosa, muito por conta da estranheza de um filme tão particular (para ficar num adjetivo ameno) como seu anterior Shortbus. Mas demonstra competência suficiente em dar a dimensão dolorosa tão inerente a essa história e dar forma a esse roteiro que exige uma sensibilidade visível. Passa muito bem no teste.

Assim como o ótimo elenco, encabeçado por uma Nicole Kidman que retorna das cinzas numa performance que exige muito de seu talento como atriz para dimensionar a dor e a sensatez de uma personagem em situação tão complicada. Mas há de se louvar também as atuações de Eckhart e Dianne Wiest (como a mãe); todos eles apresentam trabalhos de força dramática sempre nos tons ideais, levando em conta que todos possuem cenas fortes e contundentes durante o filme.

Enquanto o filme vai caminhando para um final mais doloroso ainda de rupturas entre os personagens, o que poderia soar como uma fragilidade, vemos que as coisas possuem muito mais nuances escondidas e que, apesar da situação, os personagens apresentam também sensatez. Mesmo Becca, que bem mais do Howie precisa sair do luto, entende que a felicidade é uma busca que precisa ser perseguida, imprescindivelmente, com a ajuda da família e amigos. Para isso, alguma coisa tem de mudar, mesmo que aos poucos, com a dor ainda se fazendo presente. Essa não parece ir embora nunca.

domingo, 8 de maio de 2011

Pé na estrada e na melancolia

Turnê (Tournée, França, 2010)
Dir: Mathieu Amalric


Que grata e bela surpresa é esse Turnê. Além de ser dirigido pelo excelente Mathieu Amalric, muito mais conhecido e reverenciado pelo seu trabalho como ator (dirigiu anteriormente curtas e projetos para a TV, além de dois longas para cinema), o filme é muito mais melancólico do que possa parecer à primeira vista, uma vez que se insere no universo dos espetáculos farsantes e caricatos do neoburlesco.

Esse estilo de apresentação é composto por números musicais performatizados por mulheres muitas vezes fora dos padrões de beleza escultural, com traços de exagero e paródia, ligados ao striptease. Nesse sentido, o filme poderia muito bem exalar descontração (como é o caso do recente e péssimo Burlesque, com Cristina Aguilera e Cher, que é mais um conto romanesco da lição de moral do “lute por seus sonhos” que Hollywood tanto reprocessa). Por sua vez, Turnê revela aos poucos as tristezas escondidas por seus personagens.

No filme, por mais que os espetáculos e o grupo de dançarinas sejam bem divertidos a seu modo over e exótico, o foco da história recai sobre Joachim (Mathieu Amalric), espécie de empresário que agencia o grupo nos EUA, mas que retorna à sua França natal para realizar uma turnê com o espetáculo. No entanto, sua ida ao país de origem esconde muitas outras questões mal resolvidas relacionadas à sua vida individual.

O filme traz à tona resquícios da história pessoal de Joachim sem nunca ser óbvio ou mesmo explicativo; é como se espreitasse os reencontros com o irmão, pai, ex-amante (todos de forma conflituosa) e filhos, enquanto o espectador tira suas conclusões dos possíveis motivos das rixas e choques ali existentes, ao mesmo tempo que faz um retrato desse homem cheio de contradições.

É como se deixasse nas nossas mãos o entendimento de sua pessoa; mas por mais que possa parecer sem escrúpulos, o tratamento dado ao personagem nunca é de julgamento, principalmente por conta de um tom triste que toma o longa, revelando decepções passadas não só de Joachim, como também de outros do grupo, apesar de levarem adiante um espetáculo tão alegórico e caricatural.

O grupo de garotas inicialmente se mostra bastante animado, cheio de um vigor que se reflete na desfaçatez com que se apresentam no palco (principalmente ao tirar a roupa). Mas por trás disso, existem pessoas e sentimentos envolvidos. Nesse sentido, Mimi Le Meaux (Miranda Colclasure) acaba se tornando a mais focalizada no roteiro ao revelar um certo envolvimento com Joachim, além do choque com a idade. Mas todas, sem exceção, estão ótimas em cena, esbanjando naturalidade, afinal representam suas próprias personas nos shows reais que realizam.

E apesar das desavenças, aquelas pessoas parecem bastante ligadas entre si, como uma família de artistas que, juntos, fazem conhecer seu show de espevitações pelo mundo, se divertindo muito no caminho. Se a câmera de Amalric lembra muito o que faz John Cassavetes é porque existe uma sensação de que a história tem vida própria, sendo perscrutada por um narrador invisível, revelando nuances nunca explícitas e nem sempre tão felizes de seus objetos de observação.

domingo, 1 de maio de 2011

Paixões que alucinam

Amor? (Idem, Brasil, 2010)
Dir: João Jardim


Logo no início do filme, um letreiro informa que as histórias reais ali representadas, ao expor situações íntimas e delicadas envolvendo outras pessoas, precisaram ser representadas por atores. Pode ser, mas o fato é que Amor? se aproveita disso para evocar a força da encenação a fim de apresentar histórias de relacionamentos amorosos que acabaram tomando o rumo da violência, deixando feridas físicas e psicológicas em seus envolvidos.

O diretor João Jardim nos apresenta oito histórias narradas em primeira pessoa, num formato de documentário em que os atores dão depoimentos para um entrevistador em cena (na maioria das vezes, o próprio Jardim), direto para a câmera. O projeto pode ser visto como um filhote bem-vindo da experiência de Eduardo Coutinho em sua (nova) obra-prima Jogo de Cena, trazendo para a discussão um tema de caráter social, mas sem o ranço do denuncismo. Mais interessa ao filme o fator humano ali envolvido.

Se existe algum escorregão no filme é que nem todas as histórias possuem o mesmo tom de relevância, elas têm algo de repetitivo. Algumas ficam devendo um pouco às demais, mas nada que faça quebrar o ritmo da narrativa. Em seu conjunto, elas apontam para questões muito relevantes nesses casos de agressão, como a vulnerabilidade das mulheres, que acabam sendo as maiores vítimas, o fator quase patológico (e histórico) dos agressores, o ciúme doentio, a proximidade com as drogas, o medo em denunciar. Mas o melhor é que tudo isso surge no filme sem o menor traço de julgamento, com total respeito por aqueles personagens.

Além disso, o filme intercala algumas cenas de intimidade entre os personagens, todas na cama, que nos fazem pensar em como a violência, nesses casos e paradoxalmente, só parece possível por causa da intimidade, depois que as relações se estreitam, depois de já estabelecida uma confiança mútua entre si. E isso talvez seja o mais assustador.

Em outra licença poética, o filme intercala a cena de uma das personagens que mergulha numa piscina e permanece debaixo d’água até o limite da falta de ar. Parece uma cena chave para um filme que revela com tanta humanidade o quanto o ser humano é capaz de suportar a dor e de tolerar o sofrimento.

De um elenco formidável, há de se dizer que todos eles fogem de um tom teatral e exagerado, compondo seus personagens sem recorrer a afetações; assim, a emoção que brota soa sempre verdadeira, o que valoriza demais a qualidade do trabalho de todos. Se eles quase nunca dividem uma cena, é incrível perceber uma uniformidade sutil no trabalho do elenco. Mas se é para citar nomes, pode-se destacar um Ângelo Antônio beirando a insanidade, ou Lília Cabral sóbria como poucas vezes tem-se a oportunidade de vê-la.

Além disso, ao valorizar cada uma das histórias contadas, os depoimentos são filmados com o mínimo de recursos cênicos. A maioria dos atores aparece contra a parede, ou com fundo desfocado, alguns sentados. Nada parece atrapalhar ou desviar a atenção para as histórias, fora algumas imagens intercaladas de situações cotidianas dos personagens, o que equilibra muito bem o trabalho de montagem do filme.

Ao mesmo tempo, toda essa concepção “limpa” das imagens se revela um tanto enganadora, pois sua placidez esconde os atos perversos que estão sendo contados. Acaba sendo uma tradução visual muito apropriada para o tema porque representa bem o contraponto desse tipo de violência que se esconde nos lares mais improváveis e de aparente tranquilidade que estão tão próximos de nós.

Filmes de abril


1. Que Mais Posso Querer
(Silvio Soldini, Itália/Suíça, 2010) **

2. Lope (Andrucha Waddington, Espanha/Brasil, 2010) ***

3. Uma Manhã Gloriosa (Roger Michell, EUA, 2010) *½

4. Jericó (Christian Petzold, Alemanha, 2008) **

5. O Pecado de Todos Nós (John Huston, EUA, 1967) ***

6. O Ciúme Mora ao Lado (Mika Kaurismäki, Finlândia, 2009) **½

7. Os Brutos Também Amam (George Stevens, EUA, 1953) ****

8. Vidas em Fulga (Sidney Lumet, EUA, 1960) ***½

9. Cópia Fiel (Abbas Kiarostami, França/Itália/Bélgica, 2010) ****½

10. Rio (Carlos Saldanha, EUA, 2011) **

11. Pânico 4 (Wes Craven, EUA, 2011) **½

12. Essa Loira Vale um Milhão (Vincente Minnelli, EUA, 1960) **½

13. A Sétima Alma (Wes Craven, EUA, 2010) ***½

14. A Garota da Capa Vermelha (Catherine Hardwicke, EUA/ Canadá, 2011) *½

15. Minha Versão do Amor (Richard J. Lewis, Canadá/Itália, 2010) **

16. Alexandria (Alejandro Amenábar, Espanha, 2009) **

17. Amor? (João Jardim, Brasil, 2010) ****

18. A Mãe (Vsevolod Pudovkin, União Soviética, 1926) ****½

19. O Fim de São Petersburgo (Vsevolod Pudovkin e Mikhail Doller, União Soviética, 1927) ****

20. A Pacificadora (Miklós Jancsó, Itália/França/Alemanha Ocidental, 1970) ****

21. Incêndios (Denis Villeneuve, Canadá/França, 2010) ***

22. A Megera Domada (Franco Zeffirelli, EUA/Itália, 1967) **


Revisões:

23. Gata em Teto de Zinco Quente (Richard Brooks, EUA, 1958) ****½

24. Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (Apichatpong Weerasethakul, Tailândia/Reino Unido/França/Alemanha/ Espanha/Holanda, 2010) ***½

25. Um Lugar ao Sol (George Stevens, EUA, 1951) ****½

26. Pânico (Wes Craven, EUA, 1996) ****