quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Música enlatada


E pela quarta vez, a cidade de Vitória da Conquista abriga mais uma Mostra de Cinema. Até o próximo sábado, filmes nacionais serão exibidos em vários pontos da cidade, além de haver seminários, oficinas, mesas-redondas, lançamento de livros e uma exposição sobre a vida e obra de Glauber Rocha, artista da terra. O curta-metragem Booker Pittman (Veja aqui), de Rodrigo Grota, e o longa Os Desafinados, de Walter Lima Jr., abriram o evento.


Booker Pittman (PR/BR, 2008)
Dir: Rodrigo Grota


A Mostra do ano anterior trouxe o premiado Satori Uso, curta de Rodrigo Grota que investigava o poder da criação a partir de um cineasta fictício que estava fazendo um documentário sobre um poeta japonês que nunca existiu. Dessa vez, o paranaense se utiliza da obra do músico de jazz Booker Pittman não para fazer uma biografia usual, mas mais para averiguar e apresentar a musicalidade de seu biografado. Num preto-e-branco intenso, o curta apresenta momentos distintos da vida de Pittman, ficcionaliza alguns, sem que isso necessariamente precise ser compreendido em exatidão pelo espectador. É mais uma viagem intimista ao universo multimusical (ou pelo menos me pareceu) do artista. E um interessante exercício de linguagem.


Os Desafinados (RJ/BR, 2007)
Dir: Walter Lima Jr.


Se a idéia era homenagear os comemorativos 50 anos da Bossa Nova, Os Desafinados não passa da idéia, numa embalagem um tanto plástica, simplista, como se fosse filmado para um especial de TV. O selo “GloboFilmes de qualidade” reforça bastante essa idéia numa obra que a todo momento parece não querer se arriscar e encontra as saídas mais óbvias para os desenlances de seus personagens.

Na década de 60, os amigos Joaquim (Rodrigo Santoro), Davi (Ângelo Paes Leme), PC (André Moraes) e Geraldo (Jair Oliveira) formam uma banda e se aventuram na Nova York que se encanta pela música brasileira. Têm a ajuda do amigo Dico (Selton Melo), aspirante a cineasta e vão conhecer na cidade estadunidense a bela Glória (Cláudia Abreu), que lhes darão abrigo. O filme, na realidade, se constitui como lembranças do passado desses personagens já velhos reunidos numa mesa de bar, conferindo um tom saudosista ao longa.

Saudosismo esse que prefere um texto com diálogos batidos, reviravoltas evidentes e nada inventivas. Tudo caminha no limite da segurança, frustrando o espectador que consegue prevê em muitos momentos o que acontecerá em seguida. Por outro lado, não há na trama nada de absurdo ou que traia aos propósitos da história. O diretor só não quis correr riscos.

Falta ao filme também certa sutileza, tão abundante em trabalhos anteriores do cineasta (a exemplo de A Ostra e o Vento ou então em Ele, O Boto). Quando Joaquim e Glória se encontram pela primeira vez, em Nova York, por exemplo, ele fala em inglês e ela responde em português, daí ele tira a brilhante conclusão: “Ah, você é brasileira”.

Contando com um elenco repleto de atores globais, só mesmo Selton Mello se destaca com seu Dico cheio de tiques e afetações, quase uma persona de Galuber Rocha, e ainda é o alívio cômico da história, uma das poucas coisas que funcionam. A aproximação amorosa entre Joaquim e Glória se mostra desinteressante, mesmo depois que se transforma num triângulo amoroso (e a cena da banheira é um tanto apelativa). Alessandra Negrini, surpreendentemente, em poucos momentos na tela, faz da mulher de Joaquim uma personagem simples, mas cativante. Todos os outros parecem seguir o óbvio de uma atuação.

A trilha sonora, que podia ser um atrativo a mais, só repete aquilo que já sabemos sobre a beleza da musicalidade brasileira, tão apreciada lá fora (e em algum momento era preciso que alguém dissesse que João Gilberto é um gênio). Isso quando Cláudia Abreu não aparece dublando em cena.

E numa década tão conturbada como a de 60, não podia faltar um discurso político que antevê a Ditadura Militar (depois de serem parados no carro, Selton Melo diz: “isso é só o começo, vai ficar muito pior”), sendo mais tarde reforçado quando um dos personagens for vítima do sistema de repressão, sem causa aparente. A bandeira da arte em contraponto à opressão política se torna mais um ingrediente que tenta dar força ao filme. Não passa de história para inglês ver.

9 comentários:

Anônimo disse...

Quando eu vi o começo do filme com o logo da GloboFilmes, eu sabia que não ia vir coisa boa. Preconceito meu, mas eu nunca erro. Assim foi com Os Desafinados: roteiro ruim, texto fraco-beirando-o-ridículo, direção porcaria, atuação fajuta. Até o Selton ficou pequeno. Sem falar nas dublagens - muito mal feitas - das músicas. A decepção veio por esperar algo muito bom pra abertura da Mostra. Acho que optaram por um filme 'comercial' para agradar a todo mundo, o que se cumpriu, já que a platéia - débil mental - se acabava de rir com qualquer merda dita durante a projeção.

Hélio Flores disse...

Infelizmente nao deu pra eu ir, e vou acabar deixando de prestigiar o evento. Viajo hoje... Mas nos seus posts, alem de comentar o filme, fale um pouco sobre a recepçao da plateia, se está lotando a sala, etc. Quero saber dos bastidores.

Abraços e boa mostra!

Dr Johnny Strangelove disse...

Amigo ... se fosse um especial de tv ... belê ... mas você sabe ... monopolio is fueda ...

Abraços ...

Indhira A. disse...

Não conheço os outros trabalhos do Lima Jr., mas sobre Os Desafinados eu diria que é filme água-com-açúcar, e não deixa de ser gostoso de ver, apesar dos clichês. Acho que o Lima Jr. foi feliz no seu projeto, já que a idéia era mostrar a bossa nova de uma forma um tanto romântica e saudosista, sem grande pretensão de burocratizar e elitizar este momento.
Apesar dos playbacks, os atores chegam a convencer sobre as suas habilidades musicais, com destaque para a atuação do Rodrigo Santoro e das piadinhas do Selton Mello, muito bem no papel de cineasta viajado.
Não considero a cena da banheira apelativa. Ela se parece mesmo com a Glória de 1962, uma mulher muito à frente do seu tempo, mais interessada no amor que sentia do que nas rígidas regras da monogamia ou do casamento. Outro destaque também para a paixão dos jovens músicos, que souberam passar muito bem esse ar sonhador de quem quer mudar o mundo. O final realmente não me agradou. Concordo que ficou meio com cara de final de especial de fim de ano da Rede Globo. Pesando os prós e contras, eu daria três estrelinhas, rs.

Bjos, Rafa!

Rafael Carvalho disse...

Então seu Iulo-grande-indignado-preconceituoso-que-nunca-erra, essa coisa de colocar um filme mais Global para abrir a Mostra é mesmo uma forma de chamar o público que nesse caso parece ter gostado justamente por ser um filme mais palatável, mais plástico, mais novela das seis. Na contramão, aposto que filmes como Mutum não terão o mesmo público para prestigiar. Esperemos então que nesses próximos dias as experiências fílmicas melhorem.

Hélio e seus interesses com a recepção do público. Eu realmente fiz esse texto meio que apressadamente, não me atentei para a platéia mas tentarei pôr um pouco de crônica nos próximos comentários. No caso dessa abertura, já esperava que um filme global repleto de atores conhecidos fosse agradar ao público de um Centro de Cultura cheio que ria com qualquer gracinha do filme. Um povo feliz por ver na tela a cultura brasileira, sem grandes preocupações com a forma.

Então Johnny, a gente até tenta se alegrar para ver um filme desses e quem sabe se deparar com alguma novidade, mas isso é algo difícil de encontrar. Uma pena para uma Mostra desse tipo.

Indhy, gosto de sua defesa ao filme, mas justamente isso que parecem os pontos positivos do filme são os lugares-comuns que tiram a força que ele poderia ter se trabalhado de forma mais inovadora. Pode não haver novidade, mas também não há absurdos na trama. E embora não tenha gostado da cena da banheira, a Glória me parece mesma esse tipo de mulher forte e independente, alheia às regras sociais da época. De qualquer forma, a impressão de linguagem televisiva prejudica muito. Mas vejamos o que essa Mostra ainda nos oferecerá!

E uma coisa galera, acrescentei um link para se assistir a Booker Pittman através do Porta Curtas. Abraços!!!

Anônimo disse...

Muito medo desse "Os Desafinados" ser um filme tão ruim quanto aparenta...

Rafael Carvalho disse...

Vinícius, não chega a ser um filme sofrível, mas peca pela falta de originalidade e pelos lugares-comuns que aproximam o filme de um especial para TV. Mas veja e diga o que achou.

Detalhes de mim... disse...

Eu esperava mais do filme. O roteiro é fraco e as atuações no mesmo estilo. Acho Alessandra Negrini uma péssima atriz, surpreendeu um pouco na cena do parto q ela conseguiu fazer direitinho. Creio Q Walter Lima pecou na escolha do elenco, têm atores globais q são melhores e poderiam ter dado uma roupagem melhor ao filme. Acho q acertou com Selton Melo, Rodrigo Santoro e os atores q interpretam os musicos mais velhos (não lembro o nome deles). É claro, Claudia Abreu é uma boa atriz, mas acho q Juliana Paes teria feito melhor o personagem, pelo menos ela canta! rs Horrível a dublagem! Ponto para Jair Oliveira, mesmo não sendo ator ele transmitiu muita naturalidade em cena. Concordo, Selto Melo foi o grande destaque. A melhor cena foi ele dirigindo o filme dele e os musicos produzindo a trilha sonora. Q arranjo! Fiquei bestificada com a precisão da cena. Excelente!
Bjs Rafa!

Rafael Carvalho disse...

Patty, também acho a Negrini péssima atriz, por isso disse que me surpreendi com a atuação dela. Pena que é mínima. E o elenco mais velho não achaei tão bom assim também sabe? Fico mesmo é com os trejeitos e as tiradas engraçadas do Selton Mello. Agora, entre a Cláudia Abreu e a Juliana Paes, eu prefirio mil vezes a primeira. A Paes só é bonitona, e só. E a cena feita belo Selton é o melhor momento do filme.