segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Oscar 2011

Dentro de uma seleção mediana este ano (ou como em quase todos os anos), havia tanta mais coisa interessante, motivadora e bem realizada para levar o prêmio. Mas aí, os membros da Academia resolvem escolher justo o mais quadrado, o mais simplista, acadêmico, o mais mal dirigido. No fundo, não chega a ser uma grande surpresa porque das mil merdas que a Academia já fez essa é só mais uma dentre tantas. Então, por que se revoltar tanto?

Mas há de se dizer que, tirando o Colin Firth, todos os outros atores foram bem premiados. Já para A Rede Social, restaram os prêmios de montagem, roteiro e trilha sonora, quase como consolações, já que preferiram premiar o medíocre Tom Hooper ao invés de um Fincher maduro.

Mas o melhor de tudo mesmo foi o Kirk Douglas, de bengalinha, fazendo graça, mostrando sua safadeza e descontraindo um pouco aquela maresia.

E, por favor, não vamos ficar aqui falando que a festa foi longa, previsível e demorada porque todo mundo sabe disso, mas ninguém deixa de assistir.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Palpites para o Oscar 2011

Confesso que estou bem pouco empolgado para essa edição do Oscar, acho que mais do que os outros três últimos anos, no mínimo. Claro, pela evidente falta de qualidade da grande maioria dos indicados. Mas é sempre divertido tentar adivinhar os prêmios, sendo que este ano algumas categorias podem ser surpreendentes. Para não passar em branco:


Melhor Filme

É um pesar muito grande ver O Discurso do Rei virando o jogo nessa corrida final ao Oscar. Mesmo que não seja grande fã de A Rede Social, o filme sobre a criação do Facebook é mil vez mais interessante e bem realizado. Assim como os são Cisne Negro, O Vencedor (talvez a maior surpresa) e, principalmente, Toy Story 3. Os Coen vieram com um filme mediano, e Danny Boyle fez u filme insosso, que se sabota o tempo todo. Porém, vou guardar até o fim uma esperancinha para A Rede Social.

Meu palpite: O Discurso do Rei
Minha ordem de preferência: Toy Story 3, Cisne Negro, O Vencedor, A Rede Social, A Origem, Bravura Indômita, Minhas Mães e Meu Pai, O Discurso do Rei, 127 Horas


Melhor Direção

O maior absurdo não é O Discurso do Rei ganhar na categoria principal, mas seria ver seu diretor recebendo o prêmio. Chega a ser grosseiro o trabalho dele, apesar da pomposidade do filme. Mas também não acho que os membros da Academia estejam dispostos a premiar um novato. E por mais que Aronofsky e O. Russel façam trabalhos muito bons, nada é melhor do que a objetividade e maturidade de David Fincher, o favorito. Nem tudo está perdido, minha gente.

Meu palpite: David Fincher
Minha ordem de preferência: David Fincher, David O. Russell, Darren Aronofsky, Joel & Ethan Cohen, Tom Hooper


Melhor Ator

Essa ninguém tira de Colin Firth. O ator cresceu em respeito junto a seus colegas e este é seu ano, principalmente por ter perdido o prêmio quando concorreu por Direito de Amar (pelo qual, inclusive, merecia muito mais ganhar). Corre por fora Jesse Eisennberg por uma surpreendente interpretação. Mas merecido mesmo seria uma vitória de Bardem, o cara parece que não erra nunca, suas interpretações são sempre muito intensas, mesmo que o filme não seja lá grande coisa. E não sei o que o James Franco tá fazendo nesse grupo, não sei!

Meu palpite: Colin Firth
Minha ordem de preferência: Javier Bardem, Jesse Eisenberg, Jeff Bridges, Colin Firth, James Franco


Melhor Atriz

Daqui só vi o filme da Natalie Portman e da Annette Bening, justo as duas grandes concorrentes numa categoria que pode trazer surpresas, caso os membros da Academia pensem em dar a estatueta a uma atriz respeita, querida, competente e que já perdeu outras vezes, como a Bening. Mas ela precisa enfrentar o desempenho avassalador de Portman que conquistou muita gente. Aposto na bailarina (sem falar que está bem, bem melhor), mas não coloco minha mão no fogo.

Meu palpite: Natalie Portman
Minha ordem de preferência: Natalie Portman, Annette Bening


Melhor Ator Coadjuvante

Assim como na categoria de Melhor Ator, Ator Coadjuvante é barbada. Christian Bale na cabeça. Personagem e desempenho fortes, não tem pra ninguém. Uma opção é Geoffrey Rush, mas bem distante. Não sendo dos maiores fãs de Jeremy Renner, não sei o que ele faz aqui, assim como o Mark Ruffalo que sempre se esforça bastante, mas não passa do mediano.

Meu palpite: Christian Bale
Minha ordem de preferência: Christian Bale, Geoffrey Rush, Mark Ruffalo, Jeremy Renner


Melhor Atriz Coadjuvante

Melissa Leo, o que fizeste? Numa categoria mediana, em que somente sua companheira de filme alcança o mesmo nível de força dramática, Leo se sabotou ao resolver ela mesma fazer campanha a seu favor. Foi mal vista e perdeu a dianteira nas bolsas de apostas que agora miram na garotinha Haillee Steinfeld (que está bem mediana). Nem queria acreditar nisso porque Leo arrasa no filme. Portanto, este promete ser o grande embate da noite. Perigo maior é se resolverem premiar Helena Bonham-Carter numa atuação apagadinha num filme fraquinho, mas seria lógico se quiserem coroar de vez O Discurso do Rei.

Meu palpite: Haillee Steinfeld
Minha ordem de preferência: Melissa Leo, Amy Adams, Hailee Steinfeld, Jacki Weaver, Helena Bonham-Carter


Melhor Roteiro Original

Não sei se é pior a indicação de O Discurso do Rei (favoritíssimo) ou de Minhas Mães e Meu Pai, o primeiro sem atrativos, o segundo irregular demais. Melhor seria um prêmio para O Vencedor já que a construção dos personagens é o grande mérito do filme ao meu ver. Ou mesmo para a narrativa intruncada e original de A Origem, apesar dos tropeços. Mas bom mesmo é ver o nome de Mike Leigh ali, embora não tenha visto seu filme.

Meu palpite: O Discurso do Rei
Minha ordem de preferência: O Vencedor, A Origem, Minhas Mães e Meu Pai, O Discurso do Rei


Melhor Roteiro Adaptado

Aposto numa vitória de A Rede Social, só não sei se por consolação ou por merecimento mesmo porque o roteiro é um dos grandes méritos de um filme que trata com vigor da criação do Facebook. É verborrágico (que mal há nisso?), mas sustenta muito bem o filme, e com qualidade. Toy Story 3 também seria um grande merecedor. Inverno da Alma não vi. Só é uma vergonha ter 127 Horas indicado aqui.

Meu palpite: A Rede Social
Minha ordem de preferência: A Rede Social, Toy Story 3, Bravura Indômita, 127 Horas


Melhor Filme Estrangeiro

Categoria dificílima de prever já que existem muitas surpresas, pois poucas pessoas votam aqui. O caminho mais certo é apostar no dinamarquês Em um Mundo Melhor (que não vi), vencedor de alguns outros prêmios na temporada, como o Globo de Ouro. Mas pode dar Incêndios ou mesmo Biutiful que concorre com ator também. Agora, alguém sabe dizer o que Dente Canino faz aqui? Não só por ser péssimo, mas porque não tem cara nenhuma de Oscar. Nada! Mistério!

Meu palpite: Em um Mundo Melhor
Minha ordem de preferência: Fora da Lei, Biutiful, Dente Canino


Melhor Filme de Animação

Toy Story 3. Preciso dizer mais? Só quero pontuar que a Dreamworks tem um concorrente de força em Como Treinar o Seu Dragão, embora não seja páreo. E é muito bom ver O Mágico lembrado aqui. Bom mesmo.

Meu palpite: Toy Story 3
Minha ordem de preferência: Toy Story 3, O Mágico, Como Treinar o Seu Dragão


Melhor Documentário

Bem, só vi Lixo Extraordinário e Exit Through the Gift Shop. Gosto muito mais do segundo, que tem algumas boas chances. Não acredito na vitória do primeiro pelas controvérsias sobre os créditos de direção. E o grande favorito parece mesmo ser Trabalho Interno, por isso arrisco nele.

Meu palpite: Trabalho Interno
Minha ordem de preferência: Exit Through the Gift Shop, Lixo Extraordinário


Melhor Fotografia

Meu palpite: Bravura Indômita
Minha ordem de preferência: Bravura Indômita, Cisne Negro, A Origem, A Rede Social, O Discurso do Rei


Melhor Direção de Arte

Meu palpite: O Discurso do Rei
Minha ordem de preferência: A Origem, Alice no País das Maravilhas, O Discurso do Rei, Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte I, Bravura Indômita


Melhor Montagem

Meu palpite: A Rede Social
Minha ordem de preferência: A Rede Social, Cisne Negro, O Vencedor, O Discurso do Rei, 127 Horas


Efeitos Visuais

Meu palpite: A Origem
Minha ordem de preferência: A Origem, Alice no País das Maravilhas, Homem de Ferro II, Harry Potter e As Relíquias da Morte - Parte I, Além da Vida


Melhor Edição de Som

Meu palpite: A Origem
Minha ordem de preferência: A Origem, Toy Story 3, Bravura Indômita


Melhor Mixagem de Som

Meu palpite: A Origem
Minha ordem de preferência: A Origem, A Rede Social, Bravura Indômita, Salt, O Discurso do Rei


Melhor Figurino

Meu palpite: Alice no País das Maravilhas
Minha ordem de preferência: Alice no País das Maravilhas, O Discurso do Rei, Bravura Indômita


Melhor Maquiagem

Meu palpite: O Lobisomem
Minha ordem de preferência: O Lobisomem


Melhor Trilha Sonora

Meu palpite: A Rede Social
Minha ordem de preferência: A Origem, A Rede Social, Como Treinar o Seu Dragão, O Discurso do Rei, 127 Horas


Melhor Canção

Meu palpite: "I See The Light"
Minha ordem de preferência: “We Belong Together”, “If I Rise”, “I See The Light”, “Coming Home”


Ranking Oscar 2011:

Toy Story 3 ****
Cisne Negro ****
O Vencedor ****
Exit Through the Gift Shop ****
A Origem ***½
A Rede Social ***½
O Mágico ***½
Como Treinar Seu Dragão ***½
Bravura Indômita ***
Fora da Lei ***
Atração Perigosa ***
O Discurso do Rei **½
Lixo Extraordinário **
Biutiful **
Minhas Mães e Meu Pai **
127 Horas **
Dente Canino *

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A nobreza do lixo

Lixo Extraordinário (Waste Land, Reino Unido/Brasil, 2010)
Dir: Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley


Que se diga, o trabalho que o artista plástico Vik Muniz faz é sensacional (não à toa, é bastante reconhecido internacionalmente). Em Lixo Extraordinário, ele mostra como utilizar resíduos depositados num lixão para transformá-los em obras de arte (essa que se estabelece assim quando se é exposta em galerias ou quando um verdadeiro “artista” põe a mão).

(Interessante ver esse filme entre os indicados ao Oscar de Melhor Documentário quando um de seus maiores concorrentes, o ótimo Exit Through the Gift Shop, aborda, nas entrelinhas, qual é realmente o valor estético – e também financeiro – daquilo que se convém chamar de “obra de arte” e do que faz uma pessoa se tornar um “artista”).

Se a ideia de transformar lixo em arte, essa coisa batida do “luxo do lixo”, pode cair no lugar comum, Lixo Extraordinário aposta em uma outra ideia, mais arriscada: um tom socialmente relevante. Nesse sentido, o filme ganha um ar um tanto pretensioso ao apresentar um projeto que, além da produção das peças de arte em si, pretende “modificar” a vida dos catadores de lixo, ou de alguma forma transformar seu cotidiano (o que lembra muito o discurso autoimportante do documentário Nascidos em Bordéis).

Com isso, o filme acaba se arriscando por um tom que beira o oportunismo, por mais que as intenções dos envolvidos no projeto sejam das melhores. Ao mesmo tempo, revela uma ingenuidade ao acreditar que seja possível uma mudança tão grande na vida daquelas pessoas de situação social tão precária.

Fora isso, o filme vale muito pela originalidade de Vik para construir suas peças. Ele, inicialmente, fotografa as pessoas em determinadas posições (que podem até fazer referências a cenas clássicas da História, a exemplo do revolucionário Marat morto na banheira, visto no filme). Depois, ele reconstrói no chão de um galpão aquela imagem em tamanho gigante, utilizando como “tinta” os mais diversos tipos de resíduos retirados do lixão. Por fim, do alto, ele volta a fotografar a peça para, então, expô-la. O resultado é muito bom.

Assim, Vik e sua equipe escolheram o Jardim Gramacho, o maior aterro sanitário a céu aberto da América Latina, no Rio de Janeiro, para dar corpo a seu experimento, tirar de lá a matéria-prima de suas peças, sejam os materiais do lixo, sejam os personagens interessantes que serão usados para dar cara ao projeto, não só usados como modelos fotográficos, mas também trabalhando no estúdio improvisado da equipe preenchendo as imagens com o lixo.


No meio de toda a produção, há ainda a confusão de autoria do filme, uma vez que Lucy Walker tem sido acusada de acompanhar parte das filmagens, deixando grande parte delas para os co-diretores brasileiros João Jardim (dos ótimos Pro Dia Nascer Feliz e Janela da Alma) e Karen Harley. Na verdade, o filme trata-se de um projeto coletivo entre os três, mas somente a documentarista inglesa tem recebido os créditos pela produção.

Além de tocar numa questão delicada (a quem pertence o filme, o produto final?), esse desentendimento fica evidente no resultado final do próprio longa que revela sua irregularidade, por exemplo, na diferença de abordagens entre as cenas que reúnem Vik e sua equipe contra aquelas que mostram os depoimentos dos catadores de lixo (feitas em sua maioria por Jardim, sendo os melhores momentos do filme). Irregular também no discurso engajado de querer ajudar toda aquela comunidade e o que de fato conseguiu fazer para isso.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Homens de valor

Bravura Indômita (True Grit, EUA, 2010)
Dir: Joel e Ethan Coen



Ao readaptar para o cinema a mesma história que o diretor Henry Hathaway levou para os telões em 1969, baseado no livro homônimo de Charles Portis, os irmãos Coen realizam um de seus filmes mais clássicos, quadrado mesmo, como parece ser o tom da grande maioria dos longas indicados ao Oscar este ano.

A grande falta do filme é a ausência de uma evidência maior do estilo direto e sem concessões dos irmãos, algo impresso em Onde os Fracos Não Têm Vez, para ficar num exemplo próximo em gênero a seu novo projeto. Daí vem certa decepção para com esse filme, principalmente para quem viu o original e pouca coisa notou de diferente.

O desenrolar da história é o mesmo: a menina de 14 anos Mattie Ross (Hailee Steinfeld) tem o pai assassinado pelo vigarista Tom Chaney (Josh Brolin). Ela decide então contratar o xerife beberrão Reuben "Rooster" Cogburn (Jeff Bridges) para encontrar e acertar as contas com o malfeitor. No meio do caminho descobre que ele também está sendo procurado por LaBoeuf (Matt Damon) pelo assassinato de um senador no Texas.

As comparações inevitáveis com o filme original não deveriam atrapalhar o mais novo projeto caso o filme fosse dotado de um algo mais que pudesse valorizar a história. O máximo que Joel e Ethan Coen fazem é criar um clima mais soturno ao filme, valorizando cenas noturnas, muito propícias a um clima sombrio e pessimista, como parte da visão de mundo dos diretores. (Nesse sentido, a cena final, duríssima, é muito boa e interessante para revelar esse aspecto). Falta vigor na direção.

Mesmo em sua mensagem o filme parece estar preso a uma noção muito simples. Se na obra-prima do western contemporâneo (sim, o gênero não morreu) Onde os Fracos Não Têm Vez os Coen têm muito a dizer sobre a passagem do tempo, a perda de valores por parte da humanidade e o estado gritante de violência a que o mundo chegou, seu mais novo produto fala de como é ainda possível encontrar pessoas valorosas onde menos se espera (o “valor verdadeiro” da tradução do título original do filme).


Do roteiro bem construído e redondinho, destaque para a protagonista Mattie criada como uma jovem independente e de personalidade forte, a despeito de sua pouca idade. Em certo ponto, é a coragem e determinação dela que movem a perseguição. E Hailee Steinfeld faz todo o jus à personagem, numa performance contundente que sempre inspira segurança e destemor, mesmo nas situações mais difíceis para Mattie. Destaque também para Jeff Bridges (no papel que valeu ao mito John Wayne seu único Oscar), taciturno e ranzinza, apesar do bom coração.

Além disso, o filme é fotografado com uma beleza absurda por Roger Deakins, supervalorizando qualquer foco de luz para irradiar as cenas, o que intensifica demais a tensão dramática da narrativa. Num contraponto, a música de Carter Burwell é minimalista, empolgando poucas vezes.

Se Bravura Indômita não é o melhor a que os Coen podem chegar, também não deixa de ser um bom produto dentro de um gênero já pouco praticado, mas que ainda resiste bravamente ao tempo, diferente dos valores que os bons homens do velho oeste propunham em propagar.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Nobre narrativa

O Discurso do Rei (The King´s Speech, Reino Unido/EUA/Austrália, 2010)
Dir: Tom Hooper


A manipulação (no bom sentido) da linguagem cinematográfica é o grande diferencial no trabalho de um cineasta e, por extensão e como defesa feita por muitos, aquilo capaz de aplicar ao filme o estilo de seu realizador. David Lynch, Martin Scorsese, Irmãos Coen, Mike Leigh, Ken Loach (só para ficar em exemplos norte-americanos e ingleses contemporâneos) possuem todos um tom particular que se evidencia muito bem em suas películas.


Por outro lado, há aqueles que defendem e praticam um cinema mais clássico, direto e objetivo, e nem por isso menos interessante e valoroso. O classicismo na sétima arte parece ter sua grande morada nos EUA com sua indústria de fazer filmes mais palatáveis para o público, e em extensão no Reino Unido.

Faço toda essa abordagem porque é sob a estrutura clássica que O Discurso do Rei se escora, ganhando força enorme nos últimos dias nesta corrida pelo Oscar 2011. Parece até uma tentativa da Academia de mostrar que ainda valoriza esse tipo de produto, americano por excelência, depois da vitória improvável de Guerra ao Terror sobre o comercial Avatar. (Engraçado que A Rede Social, grande oponente deste ano, possui uma narrativa da mesma forma mais clássica).

Mas se existe grande valor nessa estrutura mais tradicional (o que dizer do cinema de um Clint Eastwood ou um Steven Spielberg?), isso não quer dizer que por si só seja sinal de qualidade. O Discurso do Rei parece preso nessa armadilha uma vez que sua história é boa apenas, bem atuada e tecnicamente impecável, mas parece faltar vigor.

Nada de grandes surpresas, seja no texto ou na direção, nem grandes arroubos dramáticos que justifiquem a supervalorização do filme. Mesmo os atores, todos muito corretos, estão longe de seus melhores momentos. Colin Firth, provável vencedor do Oscar, estava muito melhor em Direito de Amar, por exemplo.

Junta-se a isso o caráter “nobreza” ao trazer a história de um membro da família real e um desafio inusitado: o rei George VI precisa vencer uma gagueira insistente (que, na verdade, nem é tão acentuada assim – até nisso o filme parece modesto). O desafio do rei ganha ares de maior pertinência quando a Segunda Grande Guerra bate às portas da Europa e, com isso, exige dos governantes pulso firme.

No caso do rei George, que não estava predestinado ao trono e só subiu ao poder por conta da abdicação de seu irmão por questões pessoais, seus pronunciamentos feitos no rádio tiveram a função de conservar em alta o moral da população ameaçada pelo conflito mundial. O que o país menos precisava naquele momento era de um monarca que vacilava quando abria a boca para encorajar os cidadãos.

Assim, o filme se debruça nos esforços do rei (Colin Firth) para controlar seu problema. Para isso, conta com a ajuda de um terapeuta vocal (Geoffrey Rush) e seus métodos pouco ortodoxos, e o apoio de sua fiel esposa (Helena Bonham Carter). Com esse argumento, o roteiro consegue ser preciso, dando conta de bons diálogos, mas sem avançar tanto nas correlações entre os personagens.

Vale destacar a amizade que se constrói entre o rei e Lionel, marcada por uma sutileza incrível e acentuada pela posição social distinta de ambos. Além disso, Lionel recebe algumas falas engraçadas e fica, portanto, encarregado de ser o alívio cômico que o filme administra muito bem.

O longa passa como um belo exercício de classicismo, desses que dá gosto de ver na tela, embora saibamos que há muita perfumaria ali. Nobre em seu tema, nobre em sua forma, O Discurso do Rei tem pouco a dizer, mas mantém a realeza até o fim.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Lutar para vencer

O Vencedor (The Fighter, EUA, 2010)
Dir: David O. Russel


Filmes de boxe me parecem reféns de um certo tom de superação, vendendo sensações de vitória através do esporte. Mas que surpresa agradável é esse trabalho de David O. Russel em O Vencedor. Interessante que essa atmosfera de superação está lá, intrínseca à trajetória do protagonista; mas se, de longe, soa como mais um filme sobre vencer no esporte, um olhar mais cuidadoso nos revela um filme sobre a família e sobre conservar o que de melhor há nessa relação, a fim de não se perder nela.

O filme tem base na história do lutador de boxe e “trampolim” Micky Ward (Mark Wahlberg). Ele recebe essa denominação ao ser usado em lutas arranjadas para que outros lutadores lhe vençam a fim de subir no ranking do esporte. Irmão de um ex-lutador famoso que destruiu a carreira se viciando em crack, o intempestivo Dicky (Christian Bale), ele é agenciado por sua própria mãe, a dominadora Alice (Melissa Leo).

Encontramos Micky, portanto, preso a um esquema familiar que interfere diretamente em sua vida, uma existência infeliz. Seu irmão continua lhe treinando, embora nunca consiga cumprir os horários por estar sempre chapado, enquanto sua mãe só lhe consegue lutas forjadas. Perder é seu destino. Isso muda quando conhece a balconista de bar Charlene (Amy Adams) e começa a pensar numa carreira de sucesso, lutando para vencer.

Se superar, ganhar status, reafirmar o seu valor, ter reconhecimento. Propósitos os mais clichês possíveis num filme assim. Mas em O Vencedor existem tantas nuances em volta disso que tudo se torna mais complexo e fascinante. Isso porque a relação em família apresenta seus desdobramentos. Se por um lado Micky se sente aprisionado num esquema imposto por sua mãe e irmão, eles só desejam o melhor (embora exista algo de oportunismo ali), dentro de um esquema muito confortável a eles, mas que não agrada a Micky.

Poderia-se dizer, então, que não se trata de um filme sobre boxe, mas um drama familiar. Mesmo assim, o roteiro é exímio em fugir dos lugares comuns. Exemplo maior disso talvez seja a cena em que uma grande discussão parece emanar entre Dicky e sua mãe, prometendo cair no drama mais rasgado caso o filho não começasse, surpreendentemente, a cantar uma música evocativa para ambos, e aí ele ganha a mãe. É preciso valorizar um roteiro que se esquiva tão bem de uma armadilha.

E, mais ainda, todos os personagens possuem suas riquezas de personalidade. Se por si sós eles já estão amparados por um texto cuidadoso, há ainda a força dramática de seus intérpretes, em especial os coadjuvantes. Bale, Leo e Adams perfazem um time dos sonhos, cada qual enriquecendo seus personagens com performances seguras e contundentes, em consonância com suas personalidades fortes. Texto e interpretações fogem do maniqueísmo de forma exemplar. Merecem todas as indicações e prêmios que têm recebido.

Com um roteiro tão bem desenvolvido e atores totalmente entregues ao projeto, a David O. Russel basta conduzi-lo da forma mais clássica possível, sem exageros estilísticos ou mesmo uma glamourização do boxe, com violência estilizada. Mais interessante ao filme são os caminhos percorridos para se chegar ao boxe, e não o esporte em si. Afinal, é preciso lutar para vencer. E não se vence sem apoio, o apoio daqueles a quem se ama.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Dança da obsessão

Cisne Negro (Black Swan, EUA, 2010)
Dir: Darren Aronofsky


O Lago dos Cines talvez seja um dos espetáculos de balé mais conhecidos da história. Datada de 1877, tem uma narrativa bastante clássica: princesa aprisionada no corpo de um cisne só será liberta se encontrar um homem que lhe ame de verdade; mas é enganada por sua rival, o cisne negro, que lhe rouba o príncipe apaixonado. Desencantada, ela se mata.

Cisne Negro usa a célebre peça para falar de obsessão e, mais especificamente, sobre a dualidade que existe em cada um; o bem e o mal como parte de um só ser. (Por isso, o filme usa bastante imagens refletidas em espelhos). Para tanto, vai fazer com que sua protagonista, a bailarina Nina (Natalie Portman), toda recatada, virginal, doce e frígida, busque em si mesmo seu oposto, o seu lado maléfico, a fim de protagonizar o balé que está sendo remontado.

O despertar do cisne negro em Nina é a grande busca do filme, e Aronofsky filma com câmera na mão, sempre colado em sua atriz (o que aproxima demais esse filme de O Lutador, projeto anterior de Aronofsky, além de ambos os protagonistas trabalharem com seus corpos à exaustão). Em vários momentos, a câmera dança junto com ela, quase que hipnotizado pelos seus movimentos.

Poderia se dizer que Nina domina todo o filme, se o contrário não acontecesse. A busca dela pela perfeição vem acompanhada de uma obsessão em crescendo, ganhando ares de suspense psicológico que martiriza a personagem sem dó. E aí ela se torna refém de sua própria paranóia, das armadilhas e trapaças de sua mente alucinada. O filme é quem a domina. O mais interessante é que esse abalo psíquico acaba se revelando também através da transmutação/deformação do corpo da bailarina, o que evoca, muitas vezes, o cinema de David Cronenberg e suas aberrações.

O roteiro exige muito de nossa atenção, pois nem tudo que vemos é real, há muito da confusão mental de Nina, e é preciso sempre desconfiar das situações. Como vemos o filme a partir do ponto de vista da personagem, tudo se torna muito assustador. E é aí que se encontra um porém do filme: a narrativa acaba cansando o espectador com tantos alarmes falsos. Parece não ter coragem de assumir os possíveis atos perversos da protagonista.

De qualquer forma, esse é um pequeno tropeço que se esvai uma vez que o filme evolui para um ritmo alucinante, principalmente em seu terço final. Pregando peça no público, o filme mantém a atenção até seu desfecho previsível, mas totalmente condizente com os (des)caminhos percorridos pela personagem.

E se Natalie Portman acaba se tornando o grande destaque do filme, é porque sua personagem evolui muito bem ao decorrer da narrativa. A todo o momento, ela demonstra a fragilidade de Nina diante das pressões, mas a vontade de provar sua capacidade dual é capaz de revelar o seu pior. Portman é corpo e alma nesse filme. No entanto, vale destacar os ótimos trabalhos de Vincent Cassel como o diretor carrasco e aproveitador da companhia de balé, assim como a performance faceira de Mila Kunis, perigosamente graciosa no filme.

Alcançando momentos de puro suspense, Cisne Negro evolui grandiosamente de uma história de superação a um confronto interior, para logo ganhar ares de insanidade psicológica mortal. No fim, resta aceitar a perfeição de sentir em si mesmo os extremos do bem e do mal, claro e escuro, som e silêncio. Vida e morte.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Em desarmonia

Biutiful (Idem, Espanha/México, 2010)
Dir: Alejandro González Iñárritu


Biutiful é um projeto bastante distinto dentro da filmografia do cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu. Em parceria com o roteirista (e hoje também diretor – bem fraquinho, diga-se de passagem) Guillermo Arriaga, o cineasta conduziu filmes em que a trajetória de determinados personagens se entrecruza na narrativa (o que, de alguma forma, acabou popularizando os filmes de histórias paralelas).

Aqui, Uxbal (Javier Bardem) precisa cuidar dos dois filhos pequenos, lidar com a ex-mulher desequilibrada, com os negócios escusos de exploração do trabalho de imigrantes ilegais e ainda com seus poderes mediúnicos. Tudo se intensifica quando descobre um câncer de próstata incurável que promete lhe matar em dois meses.

Assim, Biutiful parecia ser uma investida por novos ares. Diferente dos demais, o diretor se apega a esse personagens com todas os obstáculos que ele traz. Se por um lado isso é bem agradável, o resultado não é dos mais satisfatórios. A história parece perdida em suas próprias possibilidades, que se abre para muitas nuances e oportunidades, mas são bastante mal aproveitadas.

Dessa forma, o filme acaba forçando situações que se querem profundas e carecem de maior desenvolvimento. Talvez a maior delas seja o dom de Uxbal de se comunicar com os mortos, muito embora a prática não lhe agrade tanto (mesmo que tenha de se servir dela para conseguir uma grana extra). O fato de estar perto de morrer torna tudo mais interessante, mas o filme parece se esquecer disso, dando pouco valor a essa questão, tratando-a como um simples detalhe.

Já outras situações beiram a gratuidade, como o relacionamento gay entre os chineses donos da fábrica ou o caso da ex-mulher de Uxbal com seu irmão ou a relação nunca muito clara com o pai já falecido. Na realidade, o filme faz seu protagonista passear por várias situações complicadas sem nunca aprofundar um ponto específico, em busca de uma certa poesia alcançada através da brutalidade. Cansa um pouco.

E Iñárritu filma bem, com uma câmera nervosa na mão, sem chamar muita atenção para si mesma, que condiz muito bem com a situação limite de seu protagonista. Há ainda o fator humanista que sempre se faz presente em seus trabalhos, com destaque para os trabalhadores ilegais que tentam sobreviver nas grandes cidades europeias, muito embora o filme sabe ser duro com seus personagens. O grande problema de Biutiful é que ele aposta demais na força de sua história, sem desenvolvê-la.

É possível dizer, então, que a maior força do filme reside na atuação potente de Javier Bardem. O ator confere nuances ao protagonista, um grande e complexo personagem, sem torná-lo maniqueísta em momento algum. Transita do mais cruel ao mais arrependido, sem nunca forçar. E merece palmas também Maricel Álvarez, como a ex-mulher de Uxbal, passeando entre o desequilíbrio e o carinho pela família.

Começando como uma bela promessa de novos ares e expondo cada vez mais um projeto frouxo, Biutiful desperdiça duas horas e meia de duração. Em vários momentos, a história promete engatar, mas não passa disso. Existe muito coração em todo o filme, mas não segura sua narrativa. É tão falho quanto a grafia acidental do título.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Filmes de janeiro

1. O Homem que Fazia Chover (Francis Ford Coppola, EUA, 1997) ****

2. A Humanidade (Bruno Dumont, França, 1999) **

3. Contos de Nova York (Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Woody Allen, EUA, 1989) ***½

4. Ovo (Semih Kaplanoglu, Turquia, 2007) **

5. Leite (Semih Kaplanoglu, Turquia/França/Alemanha, 2008) **

6. 5X Favela – Agora por Nós Mesmos (Cacau Amaral, Cadu Barcelos, Luciana Bezerra, Manaira Carneiro, Rodrigo Felha, Wagner Novais e Luciano Vidigal, Brasil, 2010) ***

7. A Malvada (Joseph L. Mankiewicz, EUA, 1950) ****½

8. O Martírio de Joana D’Arc (Carl Theodor Dreyer, França, 1928) ****½

9. Intrigas de Estado (Kevin Macdonald, EUA/Reino Unido/França, 2009) ***

10. O Garoto de Liverpool (Sam Taylor-Wood, Reino Unido/Canadá, 2009) ***½

11. O Sétimo Continente (Michael Haneke, Áustria, 1989) **½

12. O Vampiro (Carl Theodor Dreyer, Alemanha, 1932) ***½

13. Alien, O Oitavo Passageiro (Ridley Scott, EUA/Reino Unido, 1979) ****

14. A Palavra (Carl Theodor Dreyer, Dinamarca, 1955) *****

15. Bonequinha de Luxo (Blake Edwards, EUA, 1961) *****

16. Mulheres e Luzes (Federico Fellini, Itália, 1950) ***

17. 72 Horas (Paul Haggis, EUA/França, 2010) **

18. Enrolados (Nathan Greno e Byron Howard, EUA, 2010) ***

19. E La Nave Va (Federico Fellini, Itália/França, 1983) ***

20. Eternamente Sua (Apichatpong Weerasethakul, Tailândia/ França, 2002) ***½

21. As Férias do Sr. Hulot (Jacques Tati, França, 1953) ***

22. Bravura Indômita (Henry Hathaway, EUA, 1969) ***

23. Síndromes e Um Século (Apichatpong Weerasethakul, Tailândia/França/Áustria, 2006) ***½

24. Além da Vida (Clint Eastwood, EUA, 2010) ***½

25. Lixo Extraordinário (Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley, Reino Unido/Brasil, 2010) **½

26. A Árvore (Julie Bertuceli, Autrália/França/Alemanha/Itália, 2010) **

27. Moscou, Bélgica (Christophe Van Rompaey, Bélgica, 2008) ***½

28. O Turista (Florian Henckel von Donnersmarck, EUA/França, 2010) *

29. As Viagens de Gulliver (Rob Letterman, EUA, 2010) *

30. Amor e Outras Drogas (Edward Zwick, EUA, 2010) **½


Revisões:

31. Drácula de Bram Stoker (Francis Ford Coppola, EUA, 1992) ****

32. Encontros e Desencontros (Sofia Coppola, EUA/Japão, 2003) ****½

33. Mal dos Trópicos (Apichatpong Weerasethakul, Tailândia/ França/Alemanha/Itália, 2004) ****½