quinta-feira, 4 de junho de 2009

Mãe Rússia

Alexandra (Aleksandra, Rússia, 2008)
Dir: Alexandr Sokurov

Depois da bela experiência de assistir a Arca Russa, filme em um só take, descobrir o cinema de Alexandr Sokurov parece ser uma possibilidade de ver grandes filmes, algo que se comprova pelo último trabalho do cineasta russo, Alexandra. O filme, lançado recentemente no País, pouco chamou a atenção da crítica, mas já pode ser considerado um dos melhores do ano até então.

É a história dessa senhora de idade (Galina Vishnevskaya) que resolve visitar o neto, então capitão de um destacamento do exército russo na Chechênia (área ao sudeste da Rússia que luta pela total independência de seu território). Alexandra se divide em duas frentes bem interessantes: é um filme sobre família, sem os arroubos do sentimentalismo e do acerto de contas, mas é também um filme sobre a guerra, sem nunca se focar nas batalhas.

Mais importa ao cineasta construir um relacionamento de estranhamento daquela personagem deslocada em um ambiente tão duro e masculino como um acampamento militar. Desconheço os motivos por que Galina Vishnevskaya, que vive a personagem-título, tenha sido escalada para esse papel já que é uma lenda da ópera russa. Mas como Alexandra, ele impõe sua presença naquele meio por mais que sua personagem soe tão fragilizada pela idade.

É incrível também como é possível vê-la como uma metáfora da própria Rússia que olha/observa/avalia/se preocupa com toda aquela situação de conflito que nunca se concretiza, mas somente aprisiona os soldados naquele cotidiano. O filme parece discutir a validade de tudo aquilo, da necessidade da guerra, sua importância e, principalmente, das consequências para a vida dos soldados.

Em alguns momentos a personagem cria a impressão de um espectro que espreita e observa, atenta e distanciadamente, a rotina do acampamento, quase como uma mãe carinhosa e responsável por seus filhos. Nesse sentido, a atuação de Vishnevskaya aparece com uma naturalidade expressiva impressionante e transborda todo o senso materno de sua personagem.

Já a relação entre neto e avó, marcada por um carinho aparentemente não presente em todo o seio familiar, pode passar como um pretexto para a visita da avó, mas acaba revelando sua essência de reforçar o amor que existe entre os dois.

A narrativa de Sokurov não possui pressa alguma em se desenvolver, já que o tempo no acampamento militar é lento e pouco produtivo. O filme se delicia em acompanhar Alexandra em seus percursos, inclusive fora da unidade militar, entrando em contato com os chechenos, quando se evidencia mais claramente o choque entre os dois povos. Uma fotografia em tom descolorido, como algo envelhecido e sujo, reforça a impressão de desgaste por toda aquela situação, como algo tão desprovido de força e vida humanas. O tipo de coisa com que Alexandra parece tanto se entristecer e lamentar.

7 comentários:

Wallace Andrioli Guedes disse...

Estou descobrindo o cinema do Sokurov agora também, e também com o maravilhoso ARCA RUSSA. Em breve devo assistir MOLOCH, e desde já coloco esse ALEXANDRA na minha lista. Mas já estreou no país? Ao menos no Rio não está em cartaz ainda, ao que parece ...

Kamila disse...

Esse filme passou aqui, há umas duas semanas, e eu perdi. Pelo seu texto, acho que tomei uma decisão errada ao não decidir assistí-lo.

Roberto Queiroz disse...

Eu assisti o Moloch e o Arca Russa, esse ainda não. Me agrada o pensar cinematográfico do Sokurov. Falta mais gente como ele no cinema atualmente. Alguns cinemas aqui perto de casa se propuseram a passá-lo, mas até agora nada.

Filipe Machado disse...

Muitos dos grandes filmes passam completamente despercebidos do público. O objectivo é sempre a busca do lucro através de filmes sem qualidade e conteúdo...

Rafael Carvalho disse...

Wallace, eu tinha Moloch como referência do Sokurov, que imaginava que seria o primeiro dele a ver. Mas acabou que vi esses outros dois antes. E já estreou sim no país, pelo menos em Salvador tá em cartaz!

Que pena Kamila, era um filme para se descobrir o Sokurov. Mas não deixe de ver quando sair em DVD.

Roberto, Moloch é um filme do Sokurov que sempre quis ver, pensei até em começar por ele, mas não deu, segui outros caminhos. E faz parte de uma tetralogia, não? Fiquei curiosíssimo.

Com certeza Filipe, muita coisa interessante e original é lançado no circuito alternativo e grande parte das pessoas não dá valor. Mas é assim que se descobrem os bons diretores contemporâneos.

Gustavo disse...

Opa, vi ARCA RUSSA (meu primeiro Sokurov) só esse ano e é um filme excepcional, no sentido literal da palavra. Como você, o caminho é descobrir o resto de seu cinema, e ALEXANDRA já será o primeiro passo. Utilíssima recomendação!

Rafael Carvalho disse...

Arca Russa também foi meu primeiro Sokurov, Gustavo (devo postar um curtinha sobre ele logo, logo). Agora é correr atrás de mais filmes do cara.