quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Curtinhas

Parente... É Serpente (Parenti Serpenti, Itália, 1992)
Dir: Mario Monicelli


Mario Monicelli é um dos grandes nomes da comédia italiana que viu um enorme sucesso nas décadas de 70 e 80, mesmo que antes disso já tenha se dedicado ao riso como arma de crítica à sociedade. Mas uma de suas marcas é a forma nem sempre sutil de seu humor. Quando quer, coloca o dedo na ferida, expõe seus personagens, aferroa a sociedade italiana, em especial uma classe média que vive de aparências, e ainda assim consegue manter o bom-humor, alcançando um tom de escracho latente. Tinha na instituição familiar da Itália seu principal alvo, como nesse Parente é Serpente, que reúne toda uma família durante as festas de fim de ano.

Os personagens, sempre muito bem desenhados, vão deixando, pouco a pouco, cair suas máscaras perante a família, muitas delas já despidas diante do espectador pelo roteiro. O filme é narrado por um dos netos da matriarca da família, que vê tudo com um certo distanciamento e inocência, o que fortalece a abordagem cômica do filme. As situações mais absurdas e hilárias parecem perder seu tom de seriedade. Mas é quando, ao final do filme, Monicelli não priva o espectador de uma resolução estarrecedora, conferindo um gosto de amargura para uma história que rende tantas gargalhadas, fazendo verdadeiro jus a seu título.


Madame Bovary (Idem, França, 1991)
Dir: Claude Chabrol


Esse filme se configura como uma conjunção de talentos: ao texto marcante e renovador de Gustave Flaubert, junta-se a elegância e acidez da escrita fílmica realizada com maestria por Claude Chabrol, mais a performance cheia de coragem e personalidade de Isabelle Huppert, uma das maiores atrizes da atualidade, eu diria. Dessa forma, Madame Bovary só poderia resultar numa adaptação felicíssima da história da mulher que ascende à burguesia e, para fugir da futilidade desse ambiente, busca relacionamentos fora do casamento, numa postura de enfrentamento diante as imposições e moralismos da alta sociedade.

E a personalidade dúbia de Emma é bastante interessante de se observar. Ao mesmo tempo em que bate de frente com as aparências sociais, ela também pode ser vista como uma mulher egocêntrica que busca sua felicidade acima da de todos. Chabrol, morto recentemente, filma tudo com extrema cadência, deixando de fora muita coisa do romance original, em prol de uma narrativa mais fluida e consistente (qualidade que sempre deveria ser levada em considerações nas adaptações literárias para o cinema). Uma das adúlteras mais famosas da literatura mundial ganha nas mãos do diretor o tratamento digno para uma história de paixões, liberdade e individualismo.


O Pequeno Nicolau (Le Petit Nicolas, França, 2009)
Dir: Laurent Tirard


Não é possível reclamar de um filme como esse. Comédia das boas, espirituosa, simples e cativante. Possui aquele tom de inocência tão próprios da infância bem como um senso enorme de imaginação. Pois é só suspeitar que a mãe esteja grávida, que o pequeno Nicolau (Maxime Godart), filho único, começa a montar, junto com seus amigos de colégio, planos mirabolantes para que o bebê desapareça assim que botar os pés no mundo. O diretor se apega ao ponto de vista desse garoto, que nada tem de vil (ele só não quer perder a atenção dos pais), perfazendo uma sucessão de erros e confusões, da forma mais ingênua possível.

O roteiro nos dá de presente uma gama de personagens excêntricos que vão desde os pais embaraçosos, aos amigos do colégio, cada qual com suas particularidades caricatas. É como se o plano inicial formasse um pretexto para que o filme desfilasse essa série de tipos cômicos. Ao mesmo tempo, o filme faz uma belíssima reconstrução de época, marcadamente a década de 50 francesa e sua burguesia em alta. No final, um feliz traço autobiográfico surge no filme, aproximando protagonista e diretor, quando o garoto resolve que quer, como ofício de vida, fazer as pessoas rirem. É como se o espectador se sentisse agraciado por constatar que seu intuito deu supercerto.


Salt (Idem, EUA, 2010)
Dir: Phillip Noyce


Angelina Jolie não funciona como heroína de filmes de ação para mim. Não mesmo. Nesse tipo de filme ela tem aquela postura de “sou gostosona, mas perigosa” que parece bastar para que ela quebre tudo à frente, enfrentando quem quer que seja. Ao provar que é mais que isso, investe numa atuação dramática que nem sempre convence. Definitivamente, é uma atriz que precisa muito ser bem dirigida. Desde o trailer eu já tinha antipatia pelo projeto, mas, mesmo assim, o filme conseguiu me ganhar com as boas doses de ação que injeta, forçando um pouquinho aqui e ali, nada que não possamos relevar um tantinho.

No entanto, há um grave problema no filme (e na maioria dos projetos desse tipo): é quando uma série de reviravoltas precisa tomar conta da narrativa a fim de “segurar” um mistério em torno da protagonista do título, uma espiã do FBI que passa a ser suspeita de trabalhar para o Estado russo. Nesse sentido, o filme busca criar uma confusão de identidades para levar sua história até o fim, quando uma série de personagens irá mostrar suas verdadeiras carapuças para tentar nos surpreender. Salt funciona como boa ação, mas se perde ao tentar alcançar outros níveis.

6 comentários:

Kamila disse...

Só assisti a "Salt", que achei um eficiente filme de ação. Prendeu minha atenção até o final. A Angelina Jolie funciona muito bem neste tipo de filme! Entretanto, concordo em relação à questão "reviravoltas".

Gustavo disse...

Concordo com suas anotações sobre BOVARY, mas acho que mesmo assim, bem lá no fundo, não apreciei a experiência com a mesma intensidade (e a qualidade do DVD não ajudou). O mais interessante, mesmo, é a Emma de Huppert.

Unknown disse...

Tirando "Salt", só filmaço! O Pequeno Nicolau ainda é, para mim, um dos melhores do ano, disparado! Uma comédia deliciosa como, justamente, Monicelli fazia.

Abs!

ANTONIO NAHUD disse...

Parceiro, belo trabalho! Bravo!
Como amigo do cinema, convido-o a navegar no blog O Falcão Maltês. Com ele, procuro o deleite cinematográfico.
Abraços,
Antonio Nahud Júnior

www.ofalcaomaltes.blogspot.com

Matheus Pannebecker disse...

"Salt" vai muito bem até certo ponto, mas depois começa a enrolar e trazer reviravoltas extremamente desnecessárias. Ao menos para mim o filme se perde bastante no caminho...

Rafael Carvalho disse...

Então Kamila, até certo ponto tinha essa mesma impressão de filme de ação eficiente, mas chega um momento que as reviravoltas tentam dar um ar de roteiro "inteligente" e "surpreendente" demais. E não consigo descer a Jolie nesses projetos.

Gustavo, a Huppert, ao meu ver, é uma das melhores atrizes do mundo, ela sempre confere força a suas personagens, o tipo de coisas que Bovary demanda. E gosto de tudo no filme.

Dudu, não consigo enxergar O Pequeno Nicolau como um dos melhores filmes do ano, mas é uma graça, cheio de bons personagens e inspiradíssimo. Só acho que ele não tem a acidez de um Monicelli. Mas é tão engraçado quanto.

Eu que agradeço a visita, Antonio. Aparecerei no seu espaço, podexá!

De fato, Matheus, o filme se perde demais, não confia no seu potencial de história de ação.