quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Mostra Cinema Conquista – Diário #1


Foi dada a largada para mais uma Mostra Cinema Conquista – Um Olhar para o Novo Cinema em meio ao frio e à chuva que não parece dar trégua. E nada mais justo do que começar celebrando o cinema feito na Bahia, o de outrora e o de hoje (a Mostra se encerra ainda com o polêmico O Homem que Não Dormia), num ano em que muitos projetos, finalmente, ganharam as telas. Vale agora discutir a força e dimensão desse cinema, assim como de uma produção nacional que precisa de público. Portanto, momento melhor não há. Então, que se abram os trabalhos.


A Morte das Velas do Recôncavo (Idem, BA/BR, 1976)
Dir: Guido Araújo


Homenageado da Mostra este ano, Guido Araújo esteve presente na noite de abertura e apresentou seu curta-metragem A Morte das Velas do Recôncavo, documentário um tanto didático sobre como a utilização das estradas rodoviárias acabaram por fazer desaparecer os saveiros que faziam o transporte de mercadorias para a cidade. Do traço paisagístico que marcava a Baía de Todos os Santos (onde as embarcações ficavam ancoradas) ao teor sócio-econômico de sua importância para a vida daqueles que dependiam desse trabalho para o sustento da família, o curta, visto hoje, ganha contornos de registro histórico de uma Bahia em transformação (inclusive pela preservação das imagens da época).

Mas parece percorrer um caminho inverso justamente por revelar a contrapartida do desenvolvimento econômico que o transporte terrestre passou a representar naquela época. Não que exista nele um tom de denúncia, mas mais de lamentação pelos que tiveram suas vidas mudadas (e/ou pioradas) por essa questão. Como revela um construtor de saveiros em tom de tristeza no final do curta, “nós vivemos agora emborcados”, assim como passou a ser o destino de seus saveiros.

O Jardim das Folhas Sagradas (BA/BR, 2010)
Dir: Póla Ribeiro



Um filme baiano por excelência, esse O Jardim das Folhas Sagradas. Traz consigo uma série de discussões de tolerância no campo social, mas tem nas tradições e preceitos do candomblé sua sustentação maior. Uma pena o filme seja inchado com um discurso pra lá de didático sobre as formas de preconceito que seu protagonista vive, fazendo da obra uma bandeira panfletária incansável. Mesmo quando o foco da história recaia sobre os ritos do candomblé, momento em que o filme se sai melhor, o peso de um texto mastigado ainda aparece, muito embora o filme venha embrulhado por um conjunto técnico muito bem cuidado.

Bonfim (Antonio Godi), negro, bissexual, pretende deixar o engessado emprego numa agência bancária para se dedicar à fundação e gestão de um terreiro de candomblé com preocupações ecológicas. Com essa curta apresentação, podem-se notar as preocupações de teor racial, sexual, religioso e ecológico que se misturam à trajetória do protagonista. E o filme não vai perder nenhum momento para colocar na boca de seus personagens frases de teor educativo que soam como ensinamentos do bem, munindo o filme com uma metralhadora do politicamente correto atirando para vários lados.

E não há problema nenhum se o cinema, como meio de comunicação, toma para si uma função conscientizadora, apontando o dedo para as mazelas que pairam sobre a sociedade. O entrave maior é quando o tom geral se mostra pedante e carregado de lições e frases de efeito (sem tanto efeito assim), como acontece aqui. E aí se esgota grande parte da força que o filme poderia ter ao tocar em assuntos ainda delicados. Da forma como se constrói, O Jardim das Folhas Sagradas passa como um discurso moralista, justamente o oposto daquilo que se espera dele.

Desse jeito fica muito fácil atacar os evangélicos fervorosos contrários ao candomblé, ou os brancos de visão preconceituosa sobre os negros, tipos de personagens caricatos, com discurso idem, que pouco aprofunda essas questões que ainda, infelizmente, são tão importantes de serem discutidas no Brasil.

E se a transição do Bonfim ainda cheio dúvidas, no início da projeção, para aquele Bonfim que toma para si a tarefa de erguer o terreiro Ilê Axé Opô Ewê se mostre um tanto brusca (aquele seu casamento com uma mulher evangélica, por exemplo, é dos mais inverossímeis), o filme parece encontrar seu caminho quando o protagonista se encontra ocupado com sua verdadeira vocação.

E mesmo que ainda exista um discurso pedante aqui (tentativa clara de vender a ideia da religião afro como algo positivo, do bem, em prol da natureza), o filme consegue apresentar alguns preceitos e ritos do candomblé de modo a serem facilmente compreendidos pelo público em geral, apesar de alguma ou outra coisa que só funciona para entendidos. Ajuda muito a caprichada fotografia do filme que confere beleza a esses momentos, aliada aos planos cuidadosos, mas nunca exibicionistas, que o diretor cria.

Como disse o próprio Póla, também presente na noite de abertura de ontem, o filme começou a ser preparado bem antes da primeira edição da Mostra. Talvez todo esse tempo seja o responsável pelo discurso didático que tanto atrapalha sua narrativa. Nota-se que existe ali uma vontade genuína de combater problemas sociais e de promover o candomblé, ambos objetivos bastante dignos. Pena que escolha o tom errado para isso.

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