quinta-feira, 9 de setembro de 2010

3 X Antonioni

Se o tema da incomunicabilidade é recorrente na filmografia do mestre italiano Michelangelo Antonioni, passando por sua Palma de Ouro com Blow Up – Depois Daquele Beijo e pelo sensacional Passageiro: Profissão – Repórter, foi justamente a Trilogia da Incomunicabilidade que lhe conferiu status de gênio. Vamos a eles:


A Aventura (L’Avventura, Itália/França, 1960)


Foi com esse filme que Antonioni alcançou a projeção internacional de grande cineasta, muito embora, quando de seu lançamento no Festival de Cannes, o filme tenha sido apedrejado pelo público, vaiado sem dó; menos pela crítica que já antevia ali um grande artista da imagem. E Antonioni lança aqui as bases para seu cinema anti-narrativo, com um estilo peculiar de falar tanto com muito pouco, ou de deixar transparecer tanta informação interior por meio de gestos e expressões, depositando bastante valor em seus atores. Toda a futilidade da classe burguesa está representada no grupo de amigos que viajam a uma ilha deserta. Quando Anna desaparece de repente, a diversão acaba e o mistério passa a perseguir seu noivo (Gabriele Ferzetti) e sua melhor amiga (Monica Vitti, a musa do diretor).

Nesse processo de busca pela moça, os dois vão acabar se aproximando, embora exista uma grande resistência em iniciar um relacionamento, apesar da atração que um sente pelo outro, enquanto os outros pouco se importam com o resultado das investigações (o caso nunca será solucionado). Nesse sentido, Antonioni parte de uma investigação geral (o vazio da classe burguesa), chegando à incapacidade de comunicar sentimentos, representado pelos dois personagens que ficam à mercê de uma resposta. Resposta essa que nunca virá. O que fica é a desolação dos seres, filmada com tanta intensidade, mas ao mesmo tempo, serenamente. Por isso mesmo que é brilhante.


A Noite (La Notte, Itália/França, 1961)


Se em A Aventura Antonioni partia de um grupo de burgueses para alcançar um casal deles e seus vazios existenciais, em A Noite o cineasta percorre o caminho oposto. Usa um casal como representação de uma classe em devaneio, muito embora o valor humano aqui seja da mesma forma priorizado nesses personagens que procuram um caminho de libertação e entendimento entre si. Nesse caso, temos dois monstros do cinema, Jeanne Moreau e Marcello Mastroianni, vivendo esse casal em crise de relacionamento; vão passar por provações e dúvidas durante uma noite numa festa em meio a tanta gente boçal (enquanto isso, um amigo de ambos se encontra num hospital, em estado terminal, solitário, abandonado pelos amigos).

Talvez um tanto mais denso que os demais da trilogia, nunca saberemos ao certo quais as reais angústias dos dois personagens, tudo é sugerido por um roteiro que se revela nas falas dos personagens, ao decorrer da narrativa. Ele é um escritor de sucesso que não parece mais satisfeito com o reconhecimento, enquanto ela é uma simples sombra do marido. Mesmo as possibilidades que surgem no caminho de ambos (na maioria, interesses amorosos extraconjugais), parecem não preencher um vazio que sempre faz questão de atormentá-los. Enquanto a noite passa, o caminho dos dois parecem seguir direções opostas, quando, mesmo assim, voltam a se encontrar na mesma insatisfação inicial. Triste, triste.


O Eclipse (L’Eclisse, Itália/França, 1962)


Talvez O Eclipse seja o exemplo mais marcante daquilo que significa cinema anti-narrativo dentro da filmografia do Antonioni. Mais do que nos outros filmes, aqui pouquíssimas coisas acontecem, a noção de tempo morto é alargada com o intuito de criar aquela sensação de desamparo que logo no início vai acometer Vittoria (mais uma vez interpretada por Monica Vitti). O filme começa com ela e o marido no que parece o fim do relacionamento (curiosamente ela diz que passaram a noite anterior toda discutindo, numa referência direta ao filme anterior). Ao sair de casa, ela segue, sem rumo, em busca de um amparo e estamos, novamente, no mundo dos vazios.

E esse vazio se estende longamente, nos deixando à mercê de sua jornada. Ela busca a mãe, uma viciada investidora no mercado de ações, sem um minuto para ouvir a filha, tem olhos somente para acompanhar a louca cotação de seus investimentos. E é lá que Vittoria vai encontrar o corretor da bolsa de valores Piero (Alain Delon), com quem passa a ensaiar um relacionamento, mas nada que sugira uma grande transformação em sua vida, inclusive por resistência dele mesmo. Assim, o filme vai se arrasta (e não deixa de ser um tanto cansativo) até alcançar um final enigmático e ao mesmo tempo surpreendente pela resolução repentina. Para Antonioni, as respostas são cada vez mais difíceis de alcançar.

3 comentários:

Kamila disse...

Lendo a retrospectiva Antonioni que o Cassiano faz no blog dele e lendo estes três textos feitos por você aqui, me deixa muito triste de não ser totalmente familiarizada com a filmografia do Antonioni! Quem sabe, um dia...

bruno knott disse...

Qdo vi A Aaventura há uns 5 anos eu não gostei muito, acho que não estava preparado para o filme.

Não sabia que existia essa trilogia temática do Atonioni, vou conferir os 3.

Abraços.

Rafael Carvalho disse...

Pois é Kamila, corre atrás dos filmes do Antonioni, valem muito a pena, não espera não!!!

Então, Bruno, é preciso estar receptivo aos filmes do Antonioni com eu estilo sempre muito anti-narrativo e não clássico. É um mestre, com certeza. E cada vez que eu penso em A Aventura, eu gosto mais do filme.