sábado, 30 de agosto de 2008

Contagem regressiva

4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile, Romênia, 2007)
Dir: Cristian Mungiu


Quando 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias venceu o prêmio máximo do Festival de Cannes ano passado, o mundo cinéfilo despertou o interesse pelo cinema feito na Romênia. Na verdade, outros filmes já haviam feito sucesso antes como A Morte do Sr. Lazarescu, Como Festejei o Fim do Mundo (que ando louco para ver) e o interessante A Leste de Bucareste. Prêmios à parte, dá para perceber um cinematografia que vem surgindo com força.

Na Romênia de 1987, em pleno regime ditatorial comandado pelo comunista Nicolai Ceausescu, a jovem e insegura Gabita (Laura Vasiliu) pretende fazer um aborto, ilegal no país. Vai contar com a ajuda de sua amiga de quarto Otilia (Anamaria Marinca) que cuidará de arranjar a muito custo todo o processo. As duas passarão por maus bocados quando o Sr. Bebe (Vlad Ivanov), responsável pelo aborto, descobrir que Gabita mentiu sobre o tempo da gravidez (ela na verdade possui 4 meses, 3 semanas e 2 dias de gestação). Assim, seu preço será maior.

Se Anamaria Marinca é o grande destaque no elenco, com sua personagem determinada e corajosa, se sujeitando ao mais baixo patamar de humilhação para ajudar sua amiga, Vlad Ivanov nos entrega um vilão altamente dissimulado, sem em momento algum elevar o tom de voz ou estampar expressão de maldade no rosto. É na sutileza que seu personagem demonstra o mau-caráter que é. É na sutileza que todo o filme se eleva como um dos melhores do ano.

O texto do diretor-roteirista Cristian Mungiu é um dos grandes atrativos do longa pois à medida que desenvolve sua narrativa, nos apresenta um país numa época repleta de burocracias e dificuldades para conseguir coisas tão simples como sabonetes e cigarros. Talvez a maior característica do cinema romeno é a preocupação com a História de seu país. Os diálogos são ages e ferozes. Nos momentos mais críticos, a sensação de impotência cresce bastante.

Com um estilo que lembra o cinema dos irmãos Dardennes, Mungiu abusa da câmera na mão e dos longos planos-sequência para acompanhar os percalços de suas personagens, conferindo assim um grande senso de urgência ao filme. Tudo isso em prol de uma narrativa seca, dura e sem grandes manipulações, com ausência de trilha sonora.

Nesse sentido, pensando na prática do aborto, não me parece que o filme tente fazer uma defesa ou oposição de tal prática. Ao mesmo tempo em que a idéia do aborto é levada às últimas conseqüências pelas personagens, o filme também deixa claro os seus riscos. Fica, então, a reflexão para o público acerca de assunto tão polêmico. A cena final é prova disso. Ao olhar para a câmera, é como se a personagem nos perguntasse: “O que vocês fariam no meu lugar?”

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

3X Sidney Lumet

Dono de obras-prima que fizeram a fama desse cineasta décadas atrás, seus filmes vinham caindo nos últimos anos. Mas seu mais novo trabalho veio provar que o velho Lumet ainda continua duro na queda e que por trás das histórias simples há sempre algo de complexo. Os três filmes abaixo são prova disso.

Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon, EUA, 1975)


Esqueça os assaltos a banco bem articulados, os planos perfeitos, os bandidos durões e mal encarados. Lumet se utiliza desse quase gênero para alcançar outro patamar de cinema em que o ato criminoso possui razões mais humanas, mas nem por isso menos condenável. O propósito de Sonny, interpretado por Al Patino (em grande fase depois de Serpico (também do Lumet) e das duas partes de O Poderoso Chefão), era praticar o assalto em 10 minutos (a fim de pagar a operação de troca de sexo de seu amante gay!), mas o ato chama a atenção da polícia que cerca o local e toda a cidade passa a saber do acontecido. Começa o dia de cão. Sem pressa nenhuma de desenvolver a narrativa, e também seus personagens, Lumet mantém a tensão sempre em alta (e isso sem nenhum acorde de trilha sonora), e ainda consegue partir para a comédia facilmente. Mas é o roteiro que consegue amarrar tão bem o filme nunca soando cansativo, pois a cada momento algo novo e surpreendente acontece, da forma mais plausível (e estamos também falando de um caso real). A edição ágil contribui muito para isso e cria momentos vibrantes e inesquecíveis (a cena do tiro dentro do banco e a emboscada no carro). Além disso, o texto se utiliza da situação para mostrar o quanto a mídia consegue tornar tudo em um espetáculo a ponto de influenciar a opinião pública a favor de Sonny (ele se torna quase um herói ao invocar a Rebelião no presídio de Attica que em 1971 deixou dez reféns mortos). Existem mesmo vários filmes geniais de assalto, mas com certeza esse aqui só pode ser um dos melhores já feitos.


12 Homens e uma Sentença (12 Angry Men, EUA, 1957)


Este filme marca o início da carreira de Sidney Lumet de forma bastante arriscada. Numa adaptação de uma peça teatral, toda a ação se passa dentro de uma sala onde 12 jurados de um tribunal irão decidir se um jovem é culpado pela morte do pai. E o Urso de Ouro que o filme venceu parece validar a incrível experiência que o filme proporciona. O que poderia se tornar enfadonho, ganha ares de complexidade quando um dos membros do júri (Henry Fonda) passa a acreditar na possibilidade de o rapaz ser inocente e, contrário à opinião de todos os outros, vai tentar reverter a situação e convencer a todos a mudar o veredicto para que o caso continue em investigação. Com um excelente roteiro nas mãos, o filme é um verdadeiro estudo sobre a moralidade que cresce em complexidade pela forma inteligente e profunda com que é tratada, mas nunca enfadonha. Lumet ainda consegue trabalhar muito bem com a noção de espaço ao dirigir seus atores em cena (algo que ele sempre soube fazer), com destaque para Lee J. Cobb cujo personagem se mostra o mais reticente em aceitar a possibilidade de inocência do réu. Mais uma vez, a narrativa se desenvolve sem pressa e à medida que nos apresenta as circunstâncias do caso que estão analisando, podemos fazer também um estudo daqueles personagens ali reunidos. Uma estréia digna de um grande autor.


Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (Before the Devil Knows You’re Dead, EUA, 2007)
Dir: Sidney Lumet


Por trás da história dos dois irmãos que arquitetam um plano para assaltarem uma joalheria, existe um forte drama familiar. É nessa sacada do roteiro que reside o grande charme do filme. Hank (Ethan Hawke), divorciado, tendo de pagar pensão à filha e abarrotado de dívidas, não resiste ao convite do irmão Andy (Philip Seymour Hoffman), um rico porém infeliz empresário, para cometer o tal crime e verem seus problemas financeiros diluírem. Engrossa ainda o elenco Marisa Tomei, esposa de um, amante de outro, além de Albert Finney como o pai dos dois. Com um time desses, o filme vai longe. Apresentando uma narrativa totalmente não-linear, o veterano diretor Sidney Lumet investiga as conseqüências trágicas e inevitáveis das ações egoístas e rancorosas de seus personagens, encontrando na desestruturação familiar seus principais motivos. Não é à toa que a frase que serve de epígrafe ao filme é na verdade um aviso: “Que você esteja no paraíso por meia hora antes que o diabo saiba que você está morto”. A partir daí, pode não haver mais volta.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Tiros ao delírio

Exilados (Fong Juk, Hong Kong, 2006)
Dir: Johnnie To


Johnnie To é daqueles cineastas orientais que fazem um enorme sucesso em seu país de origem, Hong Kong, mas que aqui no ocidente é bastante desconhecido. Além de Eleição – Submundo do Poder e uma continuação (seus últimos trabalhos que chegaram por aqui), esse Exilados vem cercado por uma atmosfera cult que logo chama a atenção. Mas ao assisti-lo, essa sensação foi minimizada. Na tentativa de estilizar ao extremo seu filme, a história vai ficando um tanto cansativa e repetitiva. Mesmo assim, possui bons momentos.

Quatro homens se encontram na porta da casa de Wo (Nick Cheung), sendo que dois deles precisam executar o dono da casa e os outros dois protegê-lo. Após um tiroteio sem vítimas, percebemos que todos eles são amigos de infância e diante do impasse, resolvem se vingar do chefe da máfia que planejou o atentado contra Wo. A partir daí começa uma caçada, com danos para ambos os lados.

Johnnie To parece fazer de seu filme um faroeste urbano em que chefes mafiosos tomam o lugar dos pistoleiros e o ambiente árido do deserto dá espaço principalmente aos interiores de apartamentos e casas em plena Hong Kong. Da primeira seqüência da tentativa de assassinato, podemos perceber o quanto o diretor possui controle de sua narrativa pelo menos no que diz respeito à atmosfera de tensão (de tudo isso, fica clara certa comparação ao cinema de Sergio Leone).

Em particular nesse filme (não conheço os outros), ele ainda aborda o tema da lealdade entre seus personagens que de inimigos, descobrem a necessidade de união. Por isso é uma pena que a história sirva mais para que ele construa momentos de plasticidade do que propriamente algo que ajude a avançar a narrativa. Determinada seqüência em um restaurante onde os personagens enfrentam os homens do chefe, por exemplo, com seu estilo rápido e virtuoso (as cenas de enfrentamento mais parecem um balé de tiros), acaba soando confusa demais, embora seja até bonita, mas só depois que acaba que podemos descobrir o saldo do tiroteio.

Outro exemplo: no apartamento do médico, outro tiroteio tem lugar e na tentativa de despistar os inimigos, os protagonistas arrancam e esvoaçam cortinas, criando belas imagens em câmera lenta; o único problema é que cortinas, infelizmente, não são à prova de balas como o filme parece acreditar. Ao tentar alcançar o poético, o filme acaba por tentar esconder, isso sim, o absurdo de algumas situações. Mesmo acima da média, o filme tem seus deslizes. To, com certeza, possui estilo, mas o excesso nunca é recomendável.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Os prazeres do sexo e do reencontro

Lúcia e o Sexo (Lucía y el Sexo, Espanha, 2001)
Dir: Julio Medem



Sempre que via esse filme na prateleira da locadora, achava que se passava de uma história simples e modesta, mas nem tinha me atentado para o nome do diretor, o espanhol Julio Medem que anteriormente realizou o excepcional Os Amantes do Círculo Polar, uma história da descoberta do amor com uma narrativa bastante intricada. E assim também é esse Lúcia e o Sexo, a história de uma mulher que adentra na vida e nos desencontros de um promissor escritor, marcada por uma sexualidade à mostra sem pudores, e que ainda revelou a bela atriz Paz Vega como a protagonista.

A história começa pela metade quando Lúcia, arrependida por ter brigado com o namorado, o escritor Lorenzo (Tristán Ulloa), tenta desfazer seu erro, mas descobre que ele sofreu um acidente e, dando-o por morto, foge para uma ilha onde ela sempre quis que ele a levasse. A partir daí, o filme embaralha presente, passado e futuro para mostrar o primeiro e inusitado encontro do casal, à medida que também introduz outros personagens à trama: Elena (Najwa Nimri, talvez a melhor em cena) é um antigo caso-relâmpago de Lorenzo que Lúcia irá encontrar na ilha; Belén (Elena Anaya) é uma babá que fará uma ponte entre ele e algum ente próximo de sua família; e Pepe (Javier Câmara) é o grande amigo e também editor do jovem literato.

Como já dito, o filme é repleto de cenas de sexo que facilmente podem ser vistas como forma de oportunismo e apelação. Mas todo o teor sexual possui utilidade na narrativa (assinada também por Medem), seja para acentuar o caráter independente de Lúcia, o amor louco que os dois vão passar a viver e mais tarde a depravação de Belén, utilizada por Lorenzo como fonte de idéias para o seu novo livro, mas que irá resultar em tragédia. De fato, uma narrativa fresca e sem vergonhas, mas repleta de meandros.

Enquanto a trilha sonora não passa do correto, a fotografia estourada nos entrega belas imagens da ilha que mais se assemelha a um local onde tudo pode acontecer, possuindo quase uma atmosfera de devaneio (embora não o seja). E é lá mesmo que a história vai se fechar, trazendo gratas surpresas aos personagens.

No entanto, só me desagrada nesse filme o fato de em determinado momento a narrativa se utilizar de muitas coincidências para amarrar as pontas, uma vez que todos os personagens vão estar interligados no fim da história. Mas a mão firme e direta do Medem, ajudado por uma edição não-linear do tipo “quebra-cabeças”, bastante eficiente, nunca deixa a peteca cair.

Ao fim, o diretor-roteirista ainda se utiliza de uma idéia do próprio personagem para aplicar ao filme. Quando este chega ao final, é dado ao filme a possibilidade de voltar ao meio da história para que a narrativa possa tomar outro rumo. E o Cinema nos fornece isso, a possibilidade de levar um filme a um caminho totalmente particular.

P.S.: A Sociedade Brasileira dos Blogueiros Cinéfilos (SBBC) já divulgou a lista dos Melhores Filmes dos anos 90 escolhidos pelos blogueiros ligados à Sociedade. Dê uma olhada e veja se te agradam.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Triste compaixão

Uma Lição de Amor (I Am Sam, EUA, 2001)
Dir: Jessie Nelson



É extremamente decepcionante quando um filme desperdiça oportunidades incríveis de se tornar complexo, preferindo, ao invés, o caminho da compaixão calculada. Sam (Sean Penn, numa caracterização louvável) é portador de uma deficiência mental que o prende à mentalidade de uma criança de sete anos de idade. Logo de início, descobrimos que sua companheira (sim, ele tinha uma) acabou de ter uma filha para no momento seguinte desaparecer da vida dele, deixando-o sozinho para criar a menina.

Tudo isso acontece tão rápido talvez para que não percebamos o absurdo da situação. Em nenhum momento descobrimos quem é essa mulher, por que ela teve um filho com ele e como era sua vida juntos antes do parto. Sam nos é jogado como esse coitadinho que, sete anos depois (sim, nesse tempo ela criou a filha com a ajuda de uma vizinha cega e de seus amigos, também deficientes como ele), vai lutar contra a justiça para manter a guarda da filha.

Com isto, não existe um único momento que tenha me agradado ou despertado alguma sensação verdadeira. Tudo cheira a um oportunismo barato, ajudado por uma trilha sonora que soa notas emotivas toda vez que o personagem passa por uma situação embaraçosa. Nem mesmo a excelente atuação do Sean Penn consegue ofuscar a construção de uma narrativa piegas.

Surpreendentemente, a filha de Sam (vivida por uma Dakota Fanning talentosíssima) surge como uma criança não só extremamente consciente de toda a situação quanto dona de um discurso e ações de uma pessoa adulta. Não quero dizer com isso que pessoas com deficiência mental não sejam capazes de dar amor a uma outra pessoa, especialmente a um filho, mas o problema é que nunca descobrimos como Sam pôde criar uma garota com uma mentalidade daquela; para isso, de fato, é preciso muito mais do que somente afeto. E o roteiro não parece perceber o quanto isso é desproposital.

Para completar, surge a advogada que acaba tendo de tratar do caso de Sam, interpretada por uma Michelle Pfeifer irritante e cheia de caras e bocas. A personagem poderia até evoluir para algo interessante pois, ao entrar em contato com a relação apaixonada pela qual Sam nutre pela filha, ela vai fazer uma avaliação de seu própria estrutura familiar e seu papel de mãe de classe alta que não consegue um diálogo mais amoroso com seu filho. Pena que o roteiro simplifica tudo com direito a final reconciliatório entre todos, sem mais nem menos.

Por tudo isso, a tentativa reles de nos impor pena por um personagem carente de nossa atenção talvez seja o maior desastre do filme. Em uma única palavra: repulsivo.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Outros curtinhas

Um Beijo Roubado (My Blueberry Nights, China/Hong Kong/França, 2007)
Dir: Wong Kar-Wai


Muita gente tem dito que Um Beijo Roubado, primeiro filme em inglês do diretor chinês Wong Kar-Wai, é uma reprise de tudo que ele já fez, mais do mesmo. Mas se o mesmo já era muito bom, mais dele é melhor ainda, ora. Se uma história bem contada possui a personalidade de quem sabe o quê e sobre o quê está filmando, não tenho do que reclamar. Elisabeth (Norah Jones) acaba de brigar com o namorado e conhece o dono de um bar (Jude Law), com o qual mantém uma relação de proximidade. Mas o que ela quer mesmo é se encontrar e, para curar a dor de cotovelo, parte numa viagem pelos EUA, onde se depara com outros personagens. Primeiro, acompanha o término mal resolvido do casal Arnie e Sue Lynn (David Strathairn e Rachel Weisz, impecáveis em cena) para depois conhecer Leslie (Natalie Portman) viciada em pôquer e afastada do pai. Mesmo que Weisz e Strathairn se destaquem, todo o elenco secundário merece aplauso. Me parece que Norah Jones não foi chamada para atuar, e sim pela sua presença e voz. Agora, me digam: quem mais sabe usar aquela câmera lenta como o Kar-Wai? E mesmo que Christopher Doyle não assine a fotografia aqui, Darius Khondji esbanja nas cores fortes. Um Kar-Wai genuíno do início ao fim e aquela cena do beijo é algo formidável.


Dolls (Idem, Japão, 2002)
Dir: Takeshi Kitano


Posso ser sincero: estava achando Dolls muito, muito chato durante a projeção. Aquela coisa do casal entrelaçado tava me parecendo muito sem graça e aquelas histórias paralelas muito fora de nexo. Como se o filme só quisesse parecer moderninho ao utilizar histórias paralelas. Mas eis que bem no finalzinho me deparo com uma bela cena: o momento em que o casal entrelaçado chega ao local onde ele pediu ela em casamento. Ali tudo fez sentido para mim e aquela sensação de vergonha por ter menosprezado o filme bateu forte. Tive que revê-lo. E descobri outro filme. Dolls é sobre perdas e sacrifícios. Uma mulher sacrifica, inconscientemente, sua própria sanidade à espera do homem amado; um jovem não faz questão de perder um dos sentidos para estar próximo de quem adora. E uma jovem, depois de abandonada pelo noivo, tenta suicídio e perde a sanidade. Ele então se arrepende, se acorrenta a ela e renuncia a tudo; passam a viver como mendigos e cruzam as quatro estações. Sem muitos diálogos e prezando pelos silêncios, o filme diz muito com muito pouco e alcança momentos sublimes. O filme é inspirado no teatro de bonecos japonês e tem algo de fantástico e belo, muito propícios às lendas orientais. Um filme para não se subestimar até que chegue ao final.


Valente (The Brave One, EUA, 2007)
Dir: Neil Jordan


A história da radialista Erica Bain que perde o noivo durante um abriga de rua e depois de um tempo passa a fazer justiça contra os foras da lei com suas próprias mãos parece um tanto desgastada. Precisaria, portanto, de alguém com personalidade para conduzir o drama e aí entra o mais curioso: o diretor Neil Jordan o possui, mas falta mais paixão aqui, um maior empenho em dar consistência ao drama. Tudo parece muito simplório e fácil para a personagem, sua mudança de perspectiva diante do trauma por que acabou de passar não me convenceu muito. Jodie Foster, grande atriz, se esforça bastante, mas com um roteiro que não se importa tanto em desenvolver sua personagem, fica um pouco difícil conferir consistência a Erica. Ela ainda vai se envolver com o detetive Mercer (Terrence Howard), criando uma relação de crescente afeição que pode também significar perigo para Erica, já que ele pode descobrir suas últimas ações “anti-criminais”. Para piorar, o filme parece feito por encomenda para uma Hollywood que prefere não se arriscar em algo difícil e preza por um final bonitinho e com redenção. No limite do meio-terno, o filme, de valente, não tem nada.


Jogo de Amor em Las Vegas (What Happens in Vegas, EUA, 2008)
Dir: Tom Vaughan


Jogo de Amor em Las Vegas poderia ser bem pior do que é, poderia ser mais grosseiro, mais irritante, os diálogos mais mal escritos, as situações mais estúpidas, as piadas mais sem graça. Mas ele é só um pouco de tudo isso. Joy e Jack (Cameron Diaz e Ashton Kutcher) se conhecem por acaso em Las Vegas e numa noite de bebedeira e loucura acabam se casando ali mesmo (no fim do filme um flashback revela essa cena, talvez a melhor de todo o filme). No dia seguinte, depois de se arrependerem do fato e se odiando mutuamente (já sabe no que isso vai dar, não é?), eles acabam ganhando uma bolada no cassino. Mas para dividir o dinheiro a Justiça exige que eles demonstrem ser um casal normal e feliz, vivendo sob um mesmo teto. Daí surge as mais inusitadas situações, com pretensão de serem cômicas, que acabam passando pelos percalços da vida a dois, recheada de brigas e joguinhos de gato-e-rato. Kutcher até que é um cara legal e sua presença na tela não chega a ser constrangedora (uma vez que nesse tipo de gênero os personagens masculinos pareçam cada vez mais abobalhados), mas Cameron Diaz continua irritante como de costume, representando a eterna patricinha de nariz empinado e se esforça bastante para parecer engraçada. Ao fim, algumas boas gargalhadas não conseguem tirar o amargo de um final conciliador que tenta ao máximo mostrar que o filme também possui algo de drama. Mas isso já era de se esperar.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Batalha interior

Luz Silenciosa (Stellet Licht, México/França/Alemanha/Holanda, 2007)
Dir: Carlos Reygadas


É um pouco difícil definir a experiência de assistir a um filme como Luz Silenciosa. Mas com certeza é uma situação bastante curiosa e que de fato mexeu muito comigo. Somos apresentados a uma família menonita que vive no norte do México, embora isso não fique claro no filme. Esse é grupo descendente de alemães falam um dialeto próprio e se caracterizam pela aversão à tecnologia, preferindo o ambiente afastado do campo. São pessoas simples e que seguem os preceitos de sua religião originária de um protestantismo arcaico.

No filme, somos apresentados a Johan (Cornelio Wall), casado e pai de família que se apaixona por outra mulher de sua comunidade. Tal fato causa grande decepção em sua esposa Esther (Miriam Toews), mas também a ele próprio pois não consegue se desvincular de sua amante ao mesmo tempo que ele se auto-recrimina pelo que está fazendo, à luz dos preceitos rigorosos de sua religião. Esther, calada, reprime toda sua dor e decepção, e nada pode fazer; sofre sozinha, gerando conseqüências devastadoras.

E aqui entra o fator surreal do filme que na sua meia hora final nos presenteia com momentos que vão da comoção à estranheza, até entendermos (ou tentarmos entender) a simbologia por trás daquilo tudo. A película alcança o ápice quando somos testemunhas de um estranho despertar, numa das cenas mais inesperadas do ano. É ver para crer.

O filme se desenvolve de forma bastante lenta e contemplativa, primando pelos silêncios, talvez para conferir uma atmosfera de paradeiro e também simboliza a vida pacata e sem atrativos daquela comunidade. Nem mesmo o caso extraconjugal de Johan é uma alegria maior porque sua relação com a amante também é de frieza (tanto a demorada cena do beijo quanto a de sexo entre o casal é bem morta). Mas apesar disso, os personagens sofrem pelos rumos que suas vidas tomam e talvez pela impotência de sentir contentamento na vida. Sozinhos, estão à mercê da sorte e do destino.

O diretor Carlos Reygadas se aproveita dessa atmosfera para filmar com preciosismo técnico, presente nos vários planos-sequência e no interesse pelos momentos cotidianos dos personagens, acompanhados por uma das fotografias naturalistas mais bonitas do ano.

Esse é o terceiro filme do mexicano Carlos Reygadas, diretor que se tornou cult principalmente pela participação de seus filmes no Festival de Cannes. Japão, sua estréia, esteve numa mostra paralela; logo depois Batalha no Céu (péssimo, diga-se de passagem), esteve na competição oficial e Luz Silenciosa, da mesma forma, marcou presença ano passado na Croissette, levando o Prêmio do Júri. Nada mal para um filme tão estranhamente belo.