quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Mais Semcine

Alphaville (Alphaville, Une Étrange Aventure de Lemmy Caution, França/Itália, 1965)
Dir: Jean-Luc Godard



Toda aquela galerinha da Cahiers du Cinéma (Godard, Truffaut, Chabrol, Rohmer) adorava o cinema de gênero. Pois nesse Alphaville, Godard exercita esse gosto numa estranha mistura de filme noir com ficção científica. A cidade futurista de Alphaville é controlada por uma supermáquina, Alpha 60, onde todos os sentimentos foram abolidos e a sociedade vive sob total vigilância. Lemmy Caution (Eddie Constantine) é um agente intergalático, disfarçado de jornalista, que tem a missão de encontrar o cientista responsável pela criação da máquina. É quase como se a atmosfera de 1984, livro de George Orweel, se encontrasse com 2001, de Kubrick.

Através de uma soberba fotografia noir-futurista, Godard cria toda uma atmosfera de suspense, incluindo aí as figuras da femme fatale (Anna Karina, de novo) e do cientista ganancioso (Akim Tamiroff). Agraciado com o Urso de Ouro, em Berlin, esta talvez seja uma das experiências mais incomuns e felizes da filmografia do cineasta. O texto continua vigoroso e a narrativa fluida, principalmente porque o decorrer da história se assemelha a um filme de aventura. O filme contrapõe a sociedade alienada com o despertar através da poesia, visto por Lemmy, apesar de sua dureza. Talvez o próprio Godard seja assim, um rude, mas no fundo, um poeta da imagem. Um cineasta caloroso.


Intimidades de Shakespeare e Victor Hugo (Intimidades de Shakespeare y Víctor Hugo, México, 2009)
Dir: Yulene Olaizola



Da Mostra Internacional, no decorrer do Seminário, eu imaginava ver bem menos filmes, mas consegui acompanhar algumas obras e o documentário chileno Intimidades de Shakespeare e Victor Hugo foi a mais grata surpresa do evento; ganha pela simplicidade e principalmente pela força de sua história. A avó da cineasta, dona de uma pensão na Cidade do México, vai nos trazer a história de Jorge Riosse, um misterioso rapaz que viveu no local por alguns anos e se tornou grande amigo da matriarca. Extremamente inteligente, com dom para a escrita e pintura, poliglota, autodidata, atencioso e carinho, Jorge tinha lá seus segredos.

O filme possui, na verdade, dois trunfos. O primeiro deles são as descobertas que vamos fazendo desse personagem: primeiro, sabe-se que ele era homossexual, e também trabalhava como michê e travesti à noite; depois, descobrimos suas atividades como um possível serial killer e seus prováveis surtos de esquizofrenia. O filme acompanha a construção desse personagem que vai crescendo em complexidade. Daí, o outro trunfo da obra: montar todas essas peças aos poucos, com uma fluidez incrível, fazendo com que o espectador nunca perca o interesse pela narrativa. Ao mesmo tempo, há algo de muito pessoal no filme que encontra no rosto vivo da avó da cineasta uma nostalgia de uma época remota, mas intensa.


Tempo de Guerra (Les Carabiniers, FrançaItália, 1963)
Dir: Jean-Luc Godard


A Nouvelle Vague não tinha lá seus ideais de politização nem pretensões de fazer crítica social. Godard vai ensaiar essas propostas (para depois entrar de vez no cinema politizado através do grupo Dziga Vertov) nesse Tempo de Guerra (e também no filme de mesmo ano O Pequeno Soldado). É uma visão um tanto simples da guerra, mas bastante eficiente, principalmente se levarmos em consideração uma década de 60 assombrada pela Guerra Fria. No filme, dois rudes camponeses, Michel-Ange (Patrice Moullet) e Ulysses (Marino Masé), são convocados para lutarem na guerra. Se de início, a ideia é preocupante, ela se torna uma grande aventura quando descobrem que no campo de batalha eles podem fazer de tudo, desde roubar, matar, violentar mulheres.

O filme é uma apologia à irracionalidade dos conflitos armados. Por trás da brutalidade dos personagens, existe na verdade muita da ingenuidade e ignorância de um povo usado para servir como arma de matar, em prol de alguma nação. Interessante notar que o filme não define o lugar em que se passa a história; portanto, a narrativa ganha caráter universal e pode estar se referindo a qualquer país ou confronto. Pode ser visto como uma fábula brutal e até surreal sobre a guerra. Quando os soldados voltam para casa, por exemplo, eles trazem como troféus uma série de cartões postais, de lugares onde eles nunca poderão estar, e de onde poderiam estar ocorrendo as mesmas barbaridades.

4 comentários:

Gustavo H.R. disse...

Confesso que nem li sobre o mexicano, mas ALPHAVILLE é outro Godard essencial sobre o qual minhas retinas não se focaram - ainda.

Rafael Carvalho disse...

Realmente Gustavo. Já tinha visto antes e a revisão só reforçou a qualidade do filme que ainda tem a vantagem de ser um produto diferenciado na obra do Godard justo por aliar dois gêneros: o noir e a ficção científica. Veja assim que puder.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Tá aí um do Godard que vi, e que gostei: Alphaville. Mas já tem um tempinho, precisava rever.

Rafael Carvalho disse...

Aqui eu já tava numa revisão, e o filme continua tão bom como antes. Uma experiência inusitada na filmografia do Godard, mas uma ótima surpresa, Wallace.