quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Como é bom ser over

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance, EUA/Canadá, 2014)  
Dir: Alejandro González Iñárritu



Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) poderia ser somente um filme sobre um ator em busca de uma aclamação artística, ser querido pelo público e pela crítica. Birdman é isso também, mas faz de sua composição narrativa um jogo de excessos que dá conta da turbulência emocional em que vive seu protagonista: um ator que teve um tempo áureo quando protagonizou uma série de super-herói, mas agora vive esquecido, tentando montar um espetáculo na Broadway.

Riggan Thomson deseja mais do que aquele afagozinho no ego. Michael Keaton constrói um personagem perturbado por fantasmas, seja pela voz do Homem-Pássaro que ele viveu tempos atrás (que se personifica no filme també), dando-lhe conselhos pessimistas, seja por aqueles com quem ele tem de lidar ao conduzir a peça: atores e produtores, amante, ex-mulher e filha, críticos e público.

É um verdadeiro inferno astral o que toma o personagem num momento-chave que pode lhe trazer de volta os holofotes do prestígio. Por isso o filme está o tempo todo um tom acima, sempre ácido e sarcástico, consigo mesmo e com esse homem que vê chegar a idade, mas não o sucesso. O excesso é a marca de Birdman e, descaradamente, o filme não faz cerimônia em ser over.

A narrativa nos dá a impressão de um filme todo feito em plano-sequência, em que a câmera se movimenta quase sempre, fazendo questão de chamar atenção para si. Os muitos personagens que encontramos por entre as coxias do teatro conversam o tempo todo, os diálogos mesmo do roteiro têm essa verborragia exagerada, às vezes polifônica, misturados aos conflitos que afloram dos encontros de tantos personagens com interesses distintos.

O ator problemático vivido por um inspiradíssimo Edward Norton talvez seja o mais excêntrico deles, cheio de si e caricato. Quando se envolve com a filha de Riggan, uma ex-dependente química interpretada por Emma Stone, a coisa ganha outros ares e conflitos para as relações que já se atropelam entre todos ali naquele ambiente. A conversa entre os dois na sacada do prédio é muito interessante como forma de fazer enxergar o outro e a si mesmo, sem nunca soar didático, piegas ou melancólico.



No fundo, toda essa perfumaria estética esconde um propósito muito simples (e que poderia soar muito banal): o de uma autorreflexão imposta pelas circunstâncias. É nessa corda-bamba em que Riggan, debatendo-se com tantas questões e dificuldades, põe em xeque seus passos e repensa sua carreira e vida. O filme não edifica nem ridiculariza esse personagem, porém brinca com os embates internos que surgem dessa confusão armada.  

E é muito bom ver o cineasta Alejandro González Iñárritu remodelando-se, depois de uma queda evidente na força de seus dramas introspectivos (seu último trabalho, Biutiful, é uma lástima). Birdman é um filme incomum que faz chacota de si mesmo para edificar personagens aparentemente tão banais, mas tão ricos em suas fraquezas. É a celebração do herói que existe em cada um.

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