quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Mostra SP – Parte 1




Um Alguém Apaixonado
(Like Someone in Love, Japão/França, 2012)
Dir: Abbas Kiarostami


É bastante interessante acompanhar os caminhos de um cineasta como Abbas Kiarostami. Deixando para trás a vertente neorrealista do cinema iraniano que vigorou há algumas décadas, o diretor é um dos poucos que busca novas direções e questionamentos para seu cinema. Assim, Um Alguém Apaixonado dá prosseguimento aos propósitos vistos em Cópia Fiel, mas avançando um passo à frente, ambos realizados fora do Irã natal do cineasta. 

É como se Cópia Fiel se estabelecesse como um tratado sobre as ideias de originalidade/imitação, real/representação, verdade/mentira e suas validades (sobre os quais eu escrevi mais detalhadamente aqui); e esse Um Alguém Apaixonado fosse a aplicação dessas propostas numa história totalmente diferente. Daí que a ambientação no Japão não chega a causar estranhamento (embora evidencie as dificuldades de fazer cinema num Irã opressor).

Já na primeira cena do filme, ouvimos a protagonista dizer “Eu não estou mentindo”, e saberemos depois que ela falta com a verdade para o namorado ao dizer que está num lugar que não está. Estamos mais uma vez no terreno das incertezas. O filme tem dessas pequenas armadilhas, a partir das quais é possível duvidar das intenções e afirmações dos personagens.

Kiarostami não perde oportunidades para brincar com reflexos em espelhos e vidraças, visões embaçadas por cortinas, imagens sem nitidez, contraplanos não visíveis, tudo nessa dualidade do que a imagem é ou pode vir a ser. Para exercitar esses truques e imprecisões, o filme acompanha os descaminhos de uma acompanhante de luxo (Rin Takanashi) que despista o namorado super ciumento (Ryo Kase) enquanto ela atende um velho senhor (Tadashi Okuno) em seu apartamento.

Enquanto mise-en-scène, a mão de Kiarostami filma com delicadeza e sem pressa, moldando o tempo com uma leveza absurda, sendo guiado por seus personagens aonde eles querem ir. Nesses deslocamentos, observa os papéis assumidos por esses tipos e cada nova situação que se apresenta. O namorado da jovem prostituta soa como um dos mais interessantes pela oscilação entre o arrogante e o gentil, nessa dualidade que pode acometer um alguém louco de amor, esse que emana, calmamente, da bela música homônima de Ella Fitzgerald que ouvimos durante o filme e o intitula, belissimamente.


Brutal (Die Raeuberin, Alemanha, 2011)
Dir: Markus Busch


Uma mulher de meia idade chega a um pequeno lugarejo, quase como uma cidade fantasma pela ausência de vida nas ruas, mas parece que ali se sente em casa. Seria um ponto de partida interessante, mas o filme se perde na sua própria atmosfera de pesar, principalmente por insistir num tom melancólico que faz prolongar os encontros e conversas entre dois personagens e a dualidade de confrontos e atrações que surgem entre si. 

A outra figura desse polo de união é um jovem adolescente, inconsequente e imaturo, um quase arruaceiro de comportamento difícil. A improvável atração entre os dois é o que de mais curioso o filme carrega. Tentamos nos situar em meio a essa relação prestes a implodir. É como se essas duas pessoas desencontradas na vida (ela por conta de uma tragédia do passado, ele por sua própria condição de jovem irresponsável) precisassem de suporte mútuo, estando próximos um do outro.

Mas ao filme falta um certo tato no (des)arranjar entre os protagonistas, tudo soa muito confuso, estranho. Os diálogos entre os dois, funcionando quase como um jogo de vontades e imposições (que ela, em particular, tem prazer em jogar, demonstrando sua personalidade forte, por vezes agressiva) se demoram demais ao longo do filme, com a desculpa de desenhar os contornos psicológicos dos dois. Ao final, quando a mulher revela de fato sua história trágica, o filme parece querer justificar suas ações, como se pedisse a complacência do espectador. Até aí, Brutal já se tornou cansativo e mesmo repetitivo.


Speed – Em Busca do Tempo Perdido (Speed – Auf der Suche Nach der Verlorenen Zeit, Alemanha, 2012)
Dir: Florian Opitz


Florian Opitz tem uma grande bronca com o tempo. Sente que sua vida se aprisiona aos desmandos dos ponteiros que não param de girar. Florian é o próprio diretor do filme que se coloca como personagem central em busca de compreensão e respostas para entender a relação do ser humano com o tempo na sociedade atual, ao mesmo tempo em que quer encontrar uma forma de viver em harmonia com esse mal da modernidade. 

Até aqui nada de novo, não é? Pois até o final do filme não vai ser diferente. Ninguém precisa tirar o mérito de Speed em investigar as agruras do tempo e suas consequências em nossas vidas (também eu gostaria de entender como dobrá-lo a meu favor), mas o filme insiste em lugares-comuns ao relacioná-lo com os avanços da tecnologia, a lógica do mercado capitalista, as novas relações interpessoais.

Se existe um interesse maior no filme, está na forma como o cineasta-sujeito se coloca como figura central à procura de respostas, alcançando esse tom mais pessoal, o que facilita bastante uma identificação com o espectador. Ele visita gurus, especialistas, empresários e cientistas, interrogando e se colocando quase como um paciente em busca de um diagnóstico. Da mesma forma, viaja a lugares remotos do globo para entender como alguns grupos sociais, especialmente no interior dos países, vivem em harmonia com um estilo de vida longe das preocupações dos grandes centros.

Mas no fim das contas, o filme pregoa ideias óbvias. Não muda muita coisa nem acrescenta novas perspectivas sobre como lutar contra a imposição do tempo, para além do que já temos em mente (fuja da cidade! parece implorar o filme). Mas a questão volta sempre como uma dor de cabeça, como algo que o filme não dá conta de responder: por que anda tão rápido o mundo? Vamos ao próximo filme.


Ladrão (Booster, EUA, 2012)
Dir: Matt Rusking


Esse filme começa como o típico conto do bom ladrão. Simon (Nico Stone) promove uma série de pequenos furtos em lojas para revender mais tarde os produtos roubados, mas faz isso para sobreviver no submundo de uma Boston criminosa (a avozinha que vive num asilo e de quem ele ajuda a cuidar é mais um pretexto nobre para o crime). Logo nos primeiros minutos, o filme desenha essa situação, mas vai impor ao protagonista um dilema: seu irmão é preso e acusado de um assalto; para livrá-lo, Simon precisa cometer uma série de outros furtos no mesmo esquema para despistar a polícia e livrar o irmão.

O filme passa todo sem julgamentos a esse modo de vida, a criminalidade é uma constante naquele universo, enquanto acompanhamos a rotina tortuosa, desoladora e sem grandes perspectivas desse jovem. A pressão em tentar ajudar ou não o irmão equilibra-se com envolvimento com uma bela jovem. Mas então o filme dá um tratamento morno ao estabelecer os dilemas do protagonista, tudo sem grandes atrativos depois de postas as questões. Até o tremular da câmera parece meio contido, o que acaba funcionando bem para o filme, sem abusar demais da inquietação emocional e também sem cair no cacoete da câmera na mão.

Mas parece que todo o filme está à espera de sua cena final, essa sim colocando o filme pra cima, apresentando uma contundência surpreendente na narrativa, vide a morosidade do que vimos até então. É também a grande chave de interpretação moral do filme. Porque Simon pode não saber o que quer da vida, quais serão seus próximos passos, que planos de futuro podem dar certos, mas ao menos ele descobre aquilo que não quer ser. Ladrão é um filme sobre destinos que, profundamente, não desejamos.

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