sábado, 20 de outubro de 2012

Mostra SP – Parte 2




Aqui e Ali (Aquí y Allá, Espanha/EUA/México, 2012)
Dir: Antonio Méndez Esparza


No campo da temática de imigrantes mexicanos que cruzam a fronteira para tentar ganhar a vida na América, essa representação de um continente que se tornou erroneamente os EUA, Aqui e Ali é um filme atípico porque é sobre o retorno. O pai pródigo volta para casa a fim de retomar a vida e a família, como um novo recomeço.

Isso porque não parece haver animação nessa vinda, apesar do razoável progresso no exterior e dos planos de reconstruir a vida no México. O filme ensaia toda uma reaproximação desse pai com a mulher e as duas jovens filhas. Da estranheza e quase desconforto que a presença dele causa no início, o núcleo familiar vai se fortalecendo, criando intimidade, e Pedro (Pedro de los Santos) revela um pilar de sustentação enquanto pai de família, apesar dos tropeços e dificuldades. E eles só insistem em aparecer, pondo a baixo pouco a pouco os sonhos ensaiados.

Toda a narrativa segue um ritmo calmo, como que perscrutando a rotina daquelas pessoas num lugar pobre e sem grandes perspectivas, expondo mesmo a dificuldade de vencer as pedras do caminho. Por vezes abusa do tempo estendido e das situações corriqueiras que insiste em destacar, estendendo os planos mais do que necessário. Mas é um retrato sincero, cheio de singeleza, de uma vida que quer mudar, mas cujo destino tem outros planos.


A Feiticeira da Guerra (Rebelle, Canadá, 2012)
Dir: Kim Nguyen


Belíssima surpresa esse filme que, apesar de canadense, se passa em algum lugar da África tomada pelas guerrilhas e conflitos entre rebeldes e governos. Uma história brutal como todas que têm lugar numa guerra civil, ainda mais nos rincões inóspitos desse imenso e sofrido continente.

O título original do filme, “Rebelde”, é bem mais apropriado para representar a trajetória tortuosa da jovem Komona (a incrível Rachel Mwanza, prêmio de atuação no Festival de Berlim este ano). Ela é retirada de sua família pelas forças rebeldes da região para servir de guerrilheira, contra o poder oficial. Mas sua obstinação é ainda mais forte e a faz seguir por caminhos inesperados, o que torna o filme e o percurso da protagonista cheio de surpresas.

O filme começa como uma história dura sobre embates armados (e há momentos chocantes aqui – com um trabalho de som que acentua demais a intensidade dos conflitos – a começar pela cena em que Komona é obrigada a matar os próprios pais; a partir de agora, sua família será a arma de fogo que carrega, como lhe é dito). Mas logo entra em cena, da forma mais bela possível naquele contexto, a relação amorosa improvável com um companheiro de guerrilha, curiosamente um albino, conhecido como O Mágico (Serge Kanyinda). É incrível como o filme consegue encontrar momentos de felicidade para os dois apaixonados, e também engraçados, como a história da galinha branca, o presente que ele deve encontrar para ter o amor de Komona.

Há ainda a inclusão de um curioso tom fantástico, marca do misticismo das religiões ancestrais do continente. Komona, na verdade, revela seus “poderes especiais” ao tomar um leite alucinógeno, o que a faz ver fantasmas que indicam as melhores atitudes a tomar no campo de batalha, além de torná-la inexplicavelmente “imune” aos ataques. Mas o filme nem se preocupa em tentar explicar essas situações. Há de dizer que a ideia dos fantasmas de aparência carnal, mas ainda assim assustadores, é uma grande sacada do filme.

A narrativa lida com o desconhecido de forma muito natural, se preocupando mais com o destino incerto da personagem que só parece antever sofrimento à sua frente. Com essa protagonista fortíssima em meio ao caos, A Feiticeira da Guerra oferece uma jornada intensa de dor e luta constantes.


O que Se Move (Idem, Brasil, 2012)
Dir: Caetano Gotardo


Até o seu segundo terço, O que Se Move poderia ser definido como um filme de luto, mas depois poderemos dizer que trata de ausências, essas que paralisam. Porque a ideia de movimento aqui é essencial no sentido de pensar o deslocamento como aquilo que inspira vida, vigor, enquanto a morte (ou a sensação de perda) como aquela que paralisa os que ficam, sendo a morte uma constante nas três histórias que compõe o filme.

Nesses três momentos distintos, temos famílias confrontadas com situações críticas. Se as duas primeiras lidam com a questão do luto de forma mais direta, a última se estabelece pela marca do reencontro, embora a ideia de perda esteja presente a todo o momento. Mas todas elas enfrentam essa sensação de ausência que paralisa e deixa a vida mais sofrida, mais difícil de levar adiante.

Além de demarcar e defender bem essas ideias e conceitos de movimento/estagnação (embora nada seja tão rígido no filme enquanto tese conceitual – é mais uma interpretação que o filme deixa a nosso cargo), existe uma coragem que faz a narrativa abandonar o tom naturalista que vem seguindo, dando lugar a momentos de pegada mais lúdica. As cenas em que as personagens cantam suas mágoas revelam a total subjetividade que o filme assume como registro narrativo dos mais interessantes e potentes para expressar dores profundas.

É um tipo de destemor narrativo que faz muita falta ao cinema brasileiro. Gotardo não tem medo de soar ridículo e passa longe disso porque a dor que emana das personagens (especialmente das mães feridas) e todo o desenvolvimento das histórias são de uma sensibilidade incrível. O destaque para as atrizes Cida Moreira, Andrea Marquee e Fernanda Vianna, que protagonizam cada uma das partes, não é gratuito porque elas elevam bastante a sensação de pesar geral desse sofrido, mas ótimo trabalho.


Balança mas Não Cai (Idem, Brasil, 2012)
Dir: Leonardo Barcelos


Em Belo Horizonte, o antigo prédio Tupis balança, mas não cai. Nesse documentário sobre o famoso edifício, o diretor Leonardo Barcelos preocupa-se em registrar as histórias das pessoas que viveram naqueles apartamentos há algumas décadas (a construção foi erguida nos anos 40). Cria um mosaico de opiniões e relações com aquele espaço que até então resiste em pé, conhecido mesmo como Balança Mas Não Cai pela inclinação arquitetônica.


O filme tem algo de subjetivo nas projeções que faz nas paredes e espaços do prédio e também com as encenações de possíveis situações que aconteceram ali. Hoje abandonado, desgastado, o prédio irá passar por reformas e ser novamente habitado, registro que o filme também faz. Música de tom lúdico ajuda muito a criar um clima nostálgico-fantasioso, de um quase mistério, para a situação. Porque as histórias que saem dali possuem seus segredos e dúvidas, coisa da fugacidade da memória de quem conta e das incertezas que pairam sobre o lugar.  

Mas esse tom mais subjetivo posto pelo diretor mineiro, componente do coletivo Teia, acaba se tornando mais interessante que alguns depoimentos em si, momentos em que o filme se apega às tradicionais entrevistas. Algumas delas não são tão interessantes assim (homens falando das namoradas, por exemplo), o que deixa a obra um tanto irregular. O filme também reserva espaço para tratar da sociedade mineira e as lutas políticas da época, em especial durante o regime militar. Se é um filme que evoca a memória de um tempo situado num espaço, essa abordagem não deixa de ser interessante como registro histórico, mas parece seguir por um outro caminho que não sei se faz tão bem ao filme.

Mas o maior incômodo de Balança Mas Não Cai é o texto em off do narrador (diretor?) que, além de soar pouco natural (embora em essência pareça não querer mesmo um tom realista), entrega interpretações possíveis sobre as ideias de verdades e mentiras, fatos e invenções, como um condicionamento prévio, mesmo que possa ser visto como motivação do próprio cineasta ao fazer o filme.


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