Manakamana (Idem, Nepal/EUA, 2013)
Dir: Pacho Velez e Stephanie Spray
Documentário
curiosíssimo, que exige certa cumplicidade do público, Manakamana é dessas obras escondidas em meio a uma programação
gigante de um evento assim, mas acaba se revelando uma pequena pérola. Não é um
filme fácil, mas cresce muito, principalmente depois da sessão, muito por conta
dos tipos humanos a que somos confrontados.
Manakamana apresenta um
dispositivo narrativo muito rígido: uma câmera parada filma frontalmente as
pessoas que entram na cabine de um teleférico e nunca as abandona até completar
o trajeto de uma ponta a outra de uma região montanhosa. Será assim o filme
inteiro. Estamos no interior do Nepal num contexto marcadamente religioso (ou
turístico), pois aquelas pessoas fazem esse trajeto para visitar o templo de
Manakamana para saudar a deusa Bhagwati, ou assim parece.
O
filme não nos dá muitas informações sobre isso, tudo que saberemos virá pinçado
das falas e conversas das pessoas que passam por ali. Ao poucos é possível entendendo
esse contexto. E, no fundo, o que importa mesmo ao filme é revelar as facetas
múltiplas das pessoas que realizam essa viagem. Desde aqueles que parecem os
moradores típicos do país, com suas vestes características, até turistas
estrangeiros e outros passageiros atípicos (como um grupo de fãs de heavy metal até um bando de bodes).
É
como se o filme questionasse o que esconde esses rostos e interpelasse o
espectador a buscar respostas, a preencher lacunas. A dupla de diretores
consegue também dimensionar esses tipos quebrando certas imagens canônicas ou
quase sagradas (como o aparecimento de duas senhoras chupando picolé e
sujando-se toda, ou mesmo os garotos roqueiros). Na sua rigidez narrativa, Manakamana se abre para muitas
possibilidades. Basta olhar de frente.
Peixe & Gato (Mahi va Gorbeh, Irã, 2013)
Dir: Shahram Mokri
É
muito atípico que do Irã, país de um cinema marcadamente de cunho social, muito
próximo de uma estética neorrealista, nos chegue um filme como esse, um conto
de horror que flerta com os filmes slasher.
Seria quase um filme de terror B, caso não preferisse um registro mais
anticlimático do que explícito. Detalhe: são 2h10 filmado em um único
plano-sequência.
Peixe & Gato é curioso
somente por esses detalhes que dão uma nova perspectiva ao cinema iraniano.
Como execução, parece cumprir o que se propõe, apesar do fetiche pelo
plano-sequência cansar um pouco pelo simples capricho de fazer um filme assim.
Há uma série de personagens que a história contempla e questões muito complexas
que se apresentam entre eles, e nem sempre o filme consegue dar conta de
resolvê-los todos, mostrando sinais de cansaço na sua terça parte final.
Até
lá o filme cria uma atmosfera muito forte de tensão, com momentos bem bons
nesse sentido, reunindo um grupo de jovens no meio do mato que devem participar
de um concurso de pipas. Mas os donos de um restaurante local parecem se servir
de carne humana para fazer a comida que servem, informação essa que nos chega
em forma de letreiro na abertura do filme.
Daí
que a figura dos cozinheiros que rondam o lugar, fazendo contato, dificultando
a vida dos jovens e intimidando-os, nunca de forma agressiva, é suficiente para
criar um clima de suspense para deixar o espectador aflito (os gêmeos, cada um
sem um braço, também arrepiam quando aparecem em cena). O efeito funciona, mas
nesse malabarismo de câmera, algumas vezes o filme abandona o suspense e se
dedica aos dramas dos personagens (embora com diálogos muito bem construídos),
o que acaba distanciando do real propósito do filme.
Nascido para
Matar
(Full Metal Jacket, EUA, 1987)
Dir:
Stanley Kubrick
Essa
possibilidade de poder assistir a alguns filmes de Stanley Kubrick no cinema é
o tipo de experiência conflitante: se por um lado é um diretor supraconhecido de
filmes cultuados e de fácil acesso, por outro, rever seus trabalhos na tela
grande é uma oportunidade que não se pode deixar em branco, pois ela pode nunca
mais se repetir. Apesar das ótimas cópias digitais, mas que nos faz ter saudade
da película, o tamanho da tela e do talento de Kubrick engole a gente fácil,
fácil.
É
interessante também ver um filme desses em sessão lotada, com gente conectada
ao filme. Durante a primeira parte, quando o Sargento Hartman (R. Lee Ermey)
treina dura e impiedosamente um grupo de fuzileiros navais, à base da
humilhação que os prepara friamente para serem máquinas de guerra, o público
não parava de rir das imposições do sargento.
Nascido para
Matar
é desses que cresceram para mim nessa revisão, um filme do qual eu já gostava
muito, especialmente da primeira metade, mas que me fez ver uma segunda parte
tão endurecida e amadurecida cinematograficamente quanto. São dois momentos
bastante distintos em ritmo e em motivação narrativa, mas que só funcionam em
complemento com o outro.
Enquanto
no primeiro o tom é sempre o da brutalidade, sem descanso, os recrutas
esmagados num treinamento impiedoso, até que o filme alcança aquela catarse
libertadora-limítrofe, a segunda metade vai evoluindo de um clima de chacota e
desimportância até alcançar paulatinamente o verdadeiro horror da guerra. Essa
cadência da última hora de filme me marcou mais dessa vez, e o encontro dos
soldados com a atiradora vietcongue é mais uma das imagens potentes que esse cineasta
incrível foi capaz de nos oferecer.
3 comentários:
NASCIDO PARA MATAR sempre foi dos menos queridos pra mim, mas imagino que ver os filmes dele em tela grande traga um novo significado pras estrelinhas. As cinco estrelas dentro das cinco estrelas. Maldito Kubrick.
Eu juro que fui pra sessão esperando gostar mais desse filme do Kubrick que nunca me despertou muito interesse. Continua me chamando pouca atenção, embora a primeira parte ainda permaneça poderosa.
Leo, eu já gostava muito desse Kubrick, agora passou para um dos meus favoritos. Acho que o ambiente da sala de cinema me permitiu uma imersão maior no filme.
Então, Rodrigo, também sempre achei a primeira parte mais forte, mas revendo agora, a segunda me soa como um crescendo de força e potência, não só dramática como emocionalmente.
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