O Mordomo da Casa Branca (The Butler, EUA, 2013)
Dir: Lee Daniels
Como
um todo, O Mordomo da Casa Branca coloca
em pauta uma questão importante: como fazer filmes engajados numa causa social
qualquer que seja, dentro de uma roupagem clássica, sem precisar recorrer a
panfletarismos baratos? Parece um grande desafio esse, tipo de risco que Lee Daniels
não está disposto a correr. Prefere o mais básico levantar de bandeira, sem
acrescentar em nada na discussão. Seu novo filme vazio e cheio de pretensões.
O
longa usa como desculpa a história de Cecil Gaines (Forest Whitaker), o mordomo
negro que serviu na Casa Branca por quase 30 anos, para falar do preconceito
racial e das lutas encabeçadas pela população negra nos Estados Unidos,
estreitando a questão com os meandros do poder político. Enquanto seu filho
adolescente luta nas ruas pelos direitos dos negros, o pai serve a casta política
que seria responsável por mudar as leis de uma sociedade que aprendeu a
segregar com apoio do Estado.
Pouco
há para contar da própria biografia de Cecil e de seu trabalho, com foco nos
conflitos familiares que isso causa. Ganha destaque aqui as briguinhas com a
esposa, interpretada por Oprah Winfrey, enquanto o ativismo do filho Earl (David
Banner) jogue o filme no campo do discurso politizado de resistência, já que
dentro da Casa Branca nada de interessante parece acontecer.
Mas
além de ser panfletário na forma como trata a questão racial como tema nobre e
merecedor de atenção, o roteiro inchado torna tudo muito atropelado,
especialmente pelo longo período de tempo que o filme abarca. Na tentativa de
dar conta de tanta História, o longa acaba sendo muito pontual e superficial em
tudo que resolve tocar.
O
espectador assiste como quem acompanha um checklist:
opressão dos negros nas plantações de algodão, confere; segregação nas ruas com
lugares diferentes para brancos e negros, confere; o bom Kennedy visto como mártir,
confere; Nixon presidente ignóbil, confere; discurso de Malcolm X, confere; importância
e assassinato de Martin Luther King, confere; ação dos Panteras Negras,
confere; e claro, Obama surgindo como um salvador para o povo negro já quando
Cecil chega no fim da vida depois de ter presenciado tanta opressão e
preconceito.
O
impressionante é como o diretor não consegue aprofundar nada de seu discurso
ideológico em nenhum desses momentos, para além de “denunciar” e mostrar a luta
do contra a opressão. Se em Preciosa –
Uma História de Esperança havia um fator altamente piegas dentro de uma
história muito particular, aqui o foco é ampliado para colocar toda a sociedade
americana e seus dirigentes em xeque. Mas nunca não consegue ultrapassar a
barreira do mais raso filme engajado.
O Verão da Minha
Vida
(The Way Way Back, EUA, 2013)
Dir:
Nat Faxon e Jim Rash
Só
depois de terminada a sessão, me dei conta de que o filme é dirigidos pela
dupla de roteiristas do ótimo Os
Descendentes, de Alexander Payne. O texto afiado e ligeiro, o tom agridoce
e os conflitos familiares surgindo em sessões de lavagem de roupa suja marcam
presença aqui, embora Nat Faxon e Jim Rash não sejam diretores tão bons quanto
Payne.
É
marcadamente um filme de atores e texto, sem exageros, que perpassa pelas questões,
dúvidas e conflitos próprios da adolescência. Não foge do perfil das comédias
dramáticas que divertem, contam com personagens hilários, mas que lá para o
final faz desabar os conflitos emocionais de cada um.
Nesse
caso, temos o jovem Duncan (Liam James) em férias na cidade natal do novo
namorado de sua mãe. É como se ele fosse forçado a conhecer uma nova família,
recheada de seres esquisitos (como a irmã do padrasto, interpretada por uma
neurótica Allison Janney). Além de odiar o cara por quem sua mãe se apaixonou, e
de estar sempre em conflito com ela por preferir ficar com o pai, a timidez do garoto
não deixa que ele se aproxime da bela, mas esnobe Susanna (AnnaSophia Robb).
Os
caminhos da amizade também surgem na pessoa do gerente de um parque aquático
(vivido por um superdivertido Sam Rockwell) onde Duncan começa a trabalhar para
matar o tempo, descobrindo uma gama de novos personagens que crescem em
simpatia, revelando a importância do companheirismo. Simples na proposta, sem
querer ser mais do que uma boa sessão de cinema, O Verão da Minha Vida diverte e comove na medida ideal.
A Garota de
Lugar Nenhuma
(La Fille de Nulle Part, França, 2012)
Dir:
Jean-Claude Brisseau
Brisseau
está literalmente em casa. Seu novo filme tem um ar de coisa caseira,
propositalmente amador, inclusive em termos cinematográficos, o que fica ainda
mais evidente e característico quando descobrimos que o apartamento em que se passa
a história pertence ao próprio cineasta, ele mesmo sendo o protagonista aqui.
É
um claro filme sobre si, sobre seu cinema e sobre as questões que inquietam
esse diretor. Na história, ele vive um professor de matemática aposentado e
acolhe em sua casa a misteriosa Dora (Virginie Legeay), que encontrou machucada
na escada de seu edifício. A relação entre eles, que poderia ser de cunho
sexual, vide a filmografia do cineasta, surpreende por se manter no campo de
uma amizade quase paternal, embora ela esteja longe da fragilidade da garotinha
que precisa de cuidados.
Na
verdade, tudo é muito soturno, e a ideia é embarcar num universo de reflexões
pessoais que os personagens acabam por destrinchar em conversas longuíssimas,
sobre questões as mais diversas. Mas há ainda um toque de surrealidade quando Dora
passa a revelar seus dons mediúnicos, e determinados eventos paranormais marquem
presença no apartamento, com direito a aparições fantasmagóricas e objetos que
mudam de lugar.
Mas
por mais que sejam curiosas as proposições lançadas aqui e toda essa atmosfera surreal,
Brisseau está bem longe de trabalhos anteriores, da provocação erótica com
elegância e do apuro estético do todo. Aqui, seu tom verborrágico-filosófico acaba
se tornando enfadonho na medida em que o filme soa como um compêndio das inquietações
e posições dos personagens sobre a sua existência e sei mais o quê. Brisseau já
foi muito mais provocador.
A Gatinha
Esquisita
(Das Merkwürdige Kätzchen, Alemanha,
2013)
Dir: Ramon Zürcher
Uma das grandes surpresas do Festival do Rio, esse curioso
filme alemão revela-se um ótimo exercício de observação de vidas cotidianas com
um olhar muito aguçado para detalhes, esses que na nossa rotina consideramos
irrelevantes. O filme é um desses projetos riquíssimos em detalhes de encenação
e construção de atmosfera que encanta pela coesão e coragem de uma proposta
singular.
Eis
uma família que faz tarefas normais na rotina diária: cozinham, arrumam a casa,
cuidam dos animais, descansam, brincam e brigam uns com os outros;
movimentam-se, embora não sabemos exatamente para quê. E essa é uma das grandes
sacadas do filme: presenciamos ações e conversas que parecem captadas pela
metade, no intercurso do dia a dia, enquanto o diretor consegue extrair
interesse por essas fagulhas de momentos.
Extrai
também grande parcela de humor com coisas as mais banais, como a “experiência”
da garota que joga no chão as cascas de uma tangerina e percebe que todas elas
caem com o lado branco virado pra cima; e mesmo fatos aparentemente fora de
lugar, como a garrafa que gira sozinha dentro da panela no fogão.
É
aí que o filme se assemelha a um estudo das possibilidades de esquisitices do
cotidiano, pois para aquelas pessoas tudo não parece escapar do rotineiro. Soaria
tudo por demais estranho se não pensássemos o quanto nossas próprias ações do
dia a dia possam ser também consideradas intrigantes aos olhos alheios.
Pessoas,
animais e objetos de cena parecem possuir o mesmo grau de importância cênica nesse
filme que é puro jogo de cena. Se da metade em diante a proposta começa a se
tornar repetitiva, sem muito mais o que acrescentar, ao mesmo o filme mantém
uma coesão muito interessante e corajosa na forma de olhar o cotidiano.
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