segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Festival do Rio – Parte 4



The Canyons (Idem, EUA, 2013)
Dir: Paul Schrader


Ao abrir seu filme com imagens de antigos cinemas de rua fechados e abandonados, Schrader cria uma interessante relação simbólica com seus personagens. The Canyons é como um estudo de degradação de pessoas ligadas a outras, via sexo e dinheiro, essas relações de poder tão atraentes e perigosas, especialmente no universo de uma Hollywood que vive de aparências. 

É um filme meio torto na forma como equilibra os conflitos dos personagens e cria uma série de reviravoltas e um jogo de segredos a serem revelados, na tentativa de tornar a história mais empolgante, nessa sua roupagem de thriller erótico. Mas esconde em sua natureza de produto alternativo, de baixo orçamento, um frescor muito latente em fazer cinema, num filme provocador e sem pudores.

Há o estranho triângulo amoroso (embora nem de todo baseado em afetos) o que vive Tara (Lindsay Lohan), seu rico namorado e empresário do ramo cinematográfico Christian (James Deen), e o ator com quem ela mantém um caso, um amor do passado que tenta conseguir um papel importante na próxima produção bancada por Christian. Esses e mais outras peças farão parte desse jogo de sedução e traição.

Marca presença ainda toda uma carga sexual que envolve os fetiches de Christian ao obrigar Tara a transar com homens e/ou mulheres na sua frente, o que revela uma ponta de sua personalidade dominadora e egocêntrica; traços de psicopatia não demoram a aparecer.

Embora James Deen (na vida real, um ator pornô) se esforce para criar um sujeito odiável, não deixa de ser uma atuação cheia de tiques de expressão, meio amador. Mas é incrível como Schrader consegue extrair um desempenho ótimo de Lindsay Lohan, sua personagem exalando fragilidade e submissão, dessa vez convencendo muito como atriz. Num filme sobre degradações, isso é muito curioso.


A Grande Beleza (La Grande Bellezza, Itália/França, 2013)
Dir: Paolo Sorrentino 


Apesar de ser uma maravilha assistir a essa profusão de vida e amargura que é A Grande Beleza, não deixa de ser um tanto complicado que um filme tão rico em questões tenha de ser apreciado na correria de uma maratona de filmes como essa. Mas ainda assim a obra permanece como uma peça única de frescor, ainda que sua intenção não seja das mais originais: primeiro, o de apontar o dedo para a cara de uma burguesia hipócrita, mas também olhar de esguelha para uma série de instituições sociais, embora nem tudo sejam críticas vazias.

Não é pouca coisa, mas Sorrentino consegue tocar em vários pontos sem necessariamente ser taxativo sobre eles; existe um tom que sempre passeia do sarcasmo ácido à dureza de certas constatações. Dá até para perdoar o cineasta pelo seu filme anterior, o terrível Aqui é Meu Lugar. É também um longa diferentes de obras como O Divo e As Consequências do Amor, em que o trabalho de encenação do diretor tinha algo de calculado, de muito marcado (com resultados infinitamente melhores no segundo caso).

Mas aqui o tom é outro. Já de início, cenas que evocam uma contemplação da Natureza e da majestosa arquitetura romana são interrompidas pelas sequências de uma superfesta, estranha e com gente esquisitíssima, que o jornalista bon-vivant Jep Gambardella (Toni Servillo) dá em sua mansão. Está marcado aí o jogo de futilidades que nega a beleza da existência, algo do qual o filme vai se ocupar em observar (e criticar). Impossível não lembrar Fellini e seu A Doce Vida, ambos compartilhando as mesmas preocupações temáticas, embora o filme de Sorrentino seja bem mais efusivo.

A classe artística, a Igreja Católica, os políticos e homens de poder, todos são postos na mira do filme, e de Jep também, ele cheio de si, elegante e egocêntrico, mas que parece olhar para esse mundo num misto de desprezo e compreensão, enxergando a si mesmo com melancolia, embora sem abrir mão da pose altiva. Embora consciente de que faça parte desse universo e com ele contribua para sua decadência, é sob a perspectiva do personagem que cruzamos com uma gama de outros tipos que expõem esse mundo de quase horrores.

O texto de Sorrentino (em parceria com Umberto Contarello) é dono de um bom humor refrescante. Talvez o filme fosse bem mais cansativo nas suas mais de duas horas, ocupado em criticar tanta coisa e tanta gente, se o texto não segurasse tão bem as situações. Mas o melhor é como ele nunca parece simplesmente condenar os personagens e aquilo que representam. Por mais decadentes que eles soem, há muito de humanidade ali, de natureza falível. Sem isso, sua crítica seria vazia. A beleza da vida parece ser essa coisa que está ali, em meio à decadência, mas poucos conseguem enxergar.

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