terça-feira, 1 de outubro de 2013

Festival do Rio – Parte 1



Blind Detective (Man Tam, Hong Kong/China, 2013)
Dir: Johnnie To 


Para quem dirige filmes em escala fordista de produção, geralmente dois por ano, faz muito bem que Johnnie To tente diversificar um pouco seus trabalhos, embora ainda seja fiel ao gênero policial. Digo isso porque não estava preparado para o tom de escracho e comédia pastelão desse Blind Detective, um filme que não esconde sua verve de despretensão. 

E é curioso como esse humor dos filmes orientais é craque em não ter vergonha de enfiar o pé na jaca. É muito próximo daquilo que Stephen Chow fez em Kung-Fusão, para ficar num exemplo que vem de Hong Kong. Mas a diferença aqui é que To é um cineasta muito mais preocupado com a movimentação dos corpos no espaço, no cuidado de uma certa coreografia nas cenas de ação e perseguição, embora Blind Detective não tenha o mesmo rigor estético e a construção do clima de suspensão de Exilados.  

Isso porque nesse registro que se leva menos a sério, To está mais preocupado com a adrenalina e os desdobramentos da investigação do desaparecimento de uma garotinha há muito tempo. Andy Lau interpreta esse policial cego recrutado por conta dos seus dotes sensitivos de olfato e audição aguçados (paladar também, e come-se muito nesse filme). Daí que cheiro, som e sabores são como ferramentas de trabalho, o que possibilita uma série de situações curiosas, inteligentes e engraçadas usadas por To.

Mas apesar do todo divertido que esses elementos produzem, o filme se torna por vezes repetitivo e cansativo, se estendendo demais. É preciso também mergulhar nesse tom escrachado e muitas vezes gritado que os personagens assumem, o que pode afastar um pouco, tendo também sua culpa em irritar o espectador com seu tom acima do tom.


A Imagem que Falta (L’Image Manquante, Camboja/França, 2013)
Dir: Rithy Panh 


O cineasta cambojano Rithy Panh vem para fazer justiça. Sua arma é o cinema. O filme se engaja em denunciar os abusos do regime do Khmer Vermelho no Camboja, detentor do poder no país entre 1975 a 1979, promovendo um verdadeiro genocídio entre seu povo, relegado à miséria, fome e doenças; O cineasta está preocupado em não deixar que se esqueça dessa parte sombria da (sua) História.

Longe de ser um filme denuncista por si só, e autocentrado no depoimento do próprio cineasta que teve sua família dizimada durante o período, A Imagem que Falta é um apelo à memória. E acaba sendo também um belo tratado sobre a natureza política da imagem registrada, essa que revela para a posteridade as caras da realidade de seu tempo. São essas as imagens que faltam.

Na busca por retratar esse período nebuloso, o cineasta não encontrou imagens que dessem conta do horror e de todas as mazelas que seu povo sofreu durante o regime do Khmer. Por isso resolve ele mesmo, através da inclusão de bonecos de madeira em miniatura, “reinventar” imagens que contem os abusos que seu povo sofreu na mão do duro regime repressor.

Poderia até parecer boba a sobreposição dos bonecos em imagens documentais da época, mas o efeito de deslocamento e estranhamento é justamente a impressão que faz o discurso do filme soar tão forte. Para além de uma obra politizada e fortemente acusatória, o texto em off é de uma beleza dura e melancólica na forma como o diretor relata a experiência de reviver aqueles acontecimentos e os subterfúgios que teve de encontrar para realizar seu filme. 

Há algo de poético na fala dele, e isso torna A Imagem que Falta mais do que uma peça de resistência, um levantar de bandeira, longe do didatismo e do teor agressivo de muitos filmes que querem denunciar situações de opressão. A crueldade exposta, mesmo nessas imagens “deficientes”, bastam para que as facetas do horror sejam reveladas, muito embora essas imagens não querem ser definitivas. Como o próprio diretor coloca, não é uma imagem final porque desta estaremos sempre à procura. Nesse processo de busca, a memória revive. 

 
Vosso Ventre (Sinapupunan, Filipinas, 2012)
Dir: Brillante Mendonza 


Quem diria, Brillante Mendonza sabe ser terno. Essa é uma das grandes diferenças em relação a seus trabalhos anteriores, embora seja muito fácil reconhecer aqui o cineasta de Execução e Lola na forma como filma personagens em situações de compadecimento constante. Aliás, desse último filme o diretor resgatou um elemento que marca presença forte em Vosso Ventre: trata-se de uma obra de resistência, de luta.

Conhecemos a rotina das pessoas que vivem em casas de palafita no sul das Filipinas, em especial o casal Shaleha (Nora Aunor) e Bangas-na (Bembol Roco). Eles pescam, trançam e ajudam a realizar os partos das mulheres do local. São pobres e trabalham dignamente para se sustentar a cada dia. É essa a resistência, de (sobre)viver  num ambiente desfavorável, combatendo intempéries naturais e forças humanas (há a presença de um militarismo que ronda o lugar e deixa tudo num clima constante de insegurança).

Mendonza capta essa rotina de vida com sua câmera na mão que fortalece o tom documental; seu olhar continua aguçado para os pequenos gestos e acontecimentos cotidianos ao redor. Mas ao filme soma-se ainda o fator cultural-religioso porque estamos numa região de maioria islâmica, e logo os costumes começam a definir os caminhos dos personagens. Pois quando Shaleha percebe que não consegue dar um filho a seu esposo, decide procurar uma moça jovem que possa se casar com ele para lhe dar herdeiros.

Está dada mais uma prova de luta: eles se esforçam ao máximo pra conseguir arranjar esse casamento e ainda precisam pagar um dote valioso em dinheiro que eles ralam muito para tentar conseguir. É na dureza cotidiana que o diretor capta as motivações e desejos dos personagens, com destaque para o rosto e os olhos expressivos cheios de esperança de Shaleha. É essa ternura para com os personagens que tanto fortalece a história. 

Mas o mais curioso desse trabalho em relação aos anteriores do diretor é sua relação com o nascer. Enquanto antes a morte espreitava os caminhos dos personagens, ditando-lhes regras e comportamentos, aqui se celebra o nascimento como ato de amor e união, embora a vida daquelas pessoas naquele lugar esteja cercada de perigos. O filme abre e fecha ciclicamente com partos filmado com muita crueza (e como símbolo extremo do esforço), mas sem deixar de lado uma celebração de vida. Nessas dualidades (nascer/morrer, dureza/ternura), Mendonza cria um dos mais belos retratos do cotidiano de personagens carentes. Bruto, mas com afeto.

Um comentário:

ANTONIO NAHUD disse...

Nenhum deles me empolgou.

http://ofalcaomaltes.com/