O Garoto que
Come Alpiste
(O Agori Troei to Fagito Tou Pouliou,
Grécia, 2012)
Dir:
Ektoras Lygizos
O
garoto come alpiste, literalmente. Yorgos (Yannis Papadopoulos) vaga pelas ruas sem rumo, encara a vendedora
de uma loja e a persegue na rua, canta esganiçadamente em casa, masturba-se,
goza na mão e faz coisa nojenta com o esperma. Enfim, ele passa o filme todo mergulhado
num universo próprio, distante de quase todos, ocupado com suas esquisitices.
É
mais um outsider nessa leva de filmes
gregos contemporâneos que insistem em revelar uma faceta doentia de seus
personagens. Causam mal estar, repulsa, tentam chocar, tudo aparentemente como
reflexo da crise financeira que vive a Grécia atual. Seria um momento em que um
povo, outrora berço da civilização Ocidental, passa por dificuldades de cunho econômico,
mas que afetaria a moral da sociedade. Não sei exatamente se a constatação é
tão válida assim, mas é uma primeira impressão para nós que não conhecemos de
perto a realidade do país.
Mas
o que filmes como Dente Canino, L, Miss
Violence e Attenberg conseguem traduzir
é a falência moral da família grega, especialmente. Existe algo de doentio nas
atitudes e comportamentos de quem parece viver num universo paralelo, sem rumo
a tomar. No entanto, O Garoto que Come
Alpiste, além de se encaixar perfeitamente nesse grupo, talvez seja um dos
filmes que menos têm a dizer. Sua estética nervosa de câmera na mão também se
distancia um pouco do hermetismo quase bressoniano dos demais filmes,
preferindo acompanhar esse rapaz e seus disparates. É um filme inquieto, mas
que não se basta depois de terminado.
Lições de
Harmonia
(Uroki Garmonii,
Cazaquistão/Alemanha/França, 2013)
Dir: Emir Baigazin e María Florencia
Álvarez
Há
alguns anos, o Cazaquistão, país remoto e de que pouco ouvimos falar, trouxe
para a Mostra SP um filme encantador e melancólico em boa medida, Tulpan. Este ano mais um filme vem
chacoalhar a maratona cinéfila, agora num registro bem mais endurecido e
brutal, estudo de um estado de violência perpetuada em círculos viciosos.
Lições de
Harmonia
poderia passar como mais uma história sobre bullying,
esse tema modinha recente, mas o filme é mais que isso. Aslan (Timur Aidarbekov)
é um garoto de um vilarejo rural no Cazaquistão, muito perfeccionista e
intimidado pela gangue de meninos no colégio. Seus modos retraídos parecem vir
não só de uma personalidade já arredia por si só, mas também da intimidação que
sofre na escola. Tem poucos amigos.
O
filme traduz muito bem esse estado de solidão e hermetismo a partir de uma
narrativa muito rígida, com câmera parada e enquadramentos em busca de certa
simetria, além de contar com uma fotografia asséptica que deixa tudo muito
límpido, apesar da dureza e brutalidade que ronda a história. É um filme que se
faz também com muitos silêncios, reflexo interior do próprio Aslan.
Mas
o curioso é como os desenhos de crueldade vão surgindo nos personagens,
inclusive no protagonista. Do garoto acuado pela gangue mirim, ele vai
demonstrando sua propensão à maldade através dos experimentos cruéis que faz
com animais. Passamos a não duvidar de suas pretensões vingativas, embora ele
também esteja à mercê desse ambiente em que violência gera mais violência, num
conto cruel que não poupa ninguém. As verdadeiras lições aprendem-se na
prática.
Riocorrente (Idem, Brasil,
2013)
Dir:
Paulo Sacramento
É
muito renovador ver num filme brasileiro uma vontade tão grande de registrar e
dar conta da sensação de morar numa grande cidade de um país tão desigual como
o Brasil. Riocorrente busca um
retrato impetuoso dessa cidade cão que São Paulo pode ser, num filme que nos
chega sob a marca do simbolismo, exalando brutalidade a cada cena. Por isso é
uma pena enorme que uma proposta tão corajosa emperre num problema grave de
roteiro: falta história e faltam personagens.
Os
tipos quase marginais que Sacramento escolhe para guiar sua narrativa são
cheios de inquietações e vibrações, mas é muito difícil dimensioná-los no
filme. Renata (Simone Iliescu) divide-se num relacionamento com seu namorado Marcelo
(Roberto Audio) e com o mecânico Carlos (Lee Taylor). Esse último, por sua vez,
possui uma proximidade quase paternal com o menino de rua Exu (Vinicius dos
Anjos), a marginalidade estampada em sua feição dura. Todos sujeitos à vibração
esmagadora de São Paulo.
Sacramento
apresenta um vigor interessante na forma como cria uma série de metáforas para
representar a ebulição da cidade. Riocorrente
rege-se pelo signo do fogo (e a cena do corro incendiado em disparada na
estrada é uma das imagens mais fortes do filme em termos simbólicos). A
iminência da combustão parece guiar esses personagens, em especial Marcelo e
sua agressividade latente.
O
problema é quando toda essa vontade de mostrar a cara bruta da cidade esbarra
num mero preciosismo simbólico de cenas que gritam a “força” do filme. É
difícil entender, se importar ou acreditar naquelas pessoas que se machucam, às
vezes de forma a mais gratuita possível. Parecem reféns de um estado de coisas socialmente
conturbadas, mas tudo que o filme nos dá são possibilidades muito abertas de interpretação.
Não parece haver consistência em seus atos e comportamentos. O filme termina e
não se sabe ao certo aonde quer chegar.
Sexo, Drogas
& Impostos
(Spies og Glistrup, Dinamarca, 2013)
Dir: Chritoffer Boe
Divertidíssimo esse novo trabalho de Christoffer Boe,
dinamarquês acostumado a filmes mais duros e violentos, vide o intenso Offscreen.
Mas agora o cineasta vem em outra chave, menos sério e mais exagerado, para
contar parte da história real de dois magnatas, homens ricos e efusivos, que se
unem para comprar uma companhia aérea nos anos 1960.
Poderia
ser uma biografia tradicional, caso os dois sujeitos não apresentassem
personalidades tão fascinantes, entre a arrogância e o sarcasmo, intensificadas
pela força do dinheiro que parece lhes dotar de uma autoridade para derrubar quem
se põe em sua frente. Simon Spies (Pilou Asbæk) e Moogen Gilstrup (Nicolas Bro)
tornaram-se figuras públicas na Dinamarca, sempre cercadas por escândalos, festas,
polêmicas.
E
o filme não tem vergonha nenhuma de assumir o tom de chacota, sem nunca julgar
os personagens, apegando-se a esses homens tresloucados em sua jornada de ascensão
política já que não demoram muito para entrar no jogo parlamentarista. Mais poder,
mais ganância, mais sarcasmo. Um retrato de algo trágico, caso não fosse tão
cômico.
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