Montanha da Liberdade (Jayuui Eondeok, Coreia do Sul, 2014)
Dir: Hong Sang-soo
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A graça surge da surpresa dos encontros
e desencontros, das conversas prosaicas, talvez o grande substrato da obra de Hong
Sang-soo, elevando em muito a noção de naturalismo no cinema. Aqui um turista
japonês (Ryô Kase) retorna à Coreia do Sul a fim de reencontrar a jovem a quem
ele pediu em casamento anos antes, sem sucesso. O homem vaga pelas ruas em
busca de sua amada, mas logo se vê envolvido com a dona de um pequeno café.
Mesmo
narrativamente, o filme poderia se apegar a uma estrutura rígida: o personagem
envia à mulher um conjunto de cartas que ele escreveu para ela em ocasiões
anteriores. Por acidente, ela deixa as cartas caírem e recolhe as folhas fora
de ordem. É a leitura não cronológica dessas memórias que guia a narrativa do
filme, mas sem que isso se torne um quebra-cabeças, um jogo de adivinhação e
colagem. Esse jogo certamente está lá, mas nunca se sobrepõe aos personagens e
seus conflitos, suas angústias e felicidades, frustrações e desejos, que vamos conhecendo aos poucos, na conversas mais triviais.
Os
filmes de Sang-soo bebem de uma grande influência da Nouvelle Vague, em
especial do cinema verborrágico de Eric Rohmer. O diretor coreano trabalha
com poucos personagens e cenários, planos longos e movimentos sutis de câmera. Mas
sua maior virtude é tornar seus personagens tão palpáveis quanto carismáticos,
sem nunca cair na caricatura ou apontar para o piegas. É impossível não ver
seus filmes com um sorriso no rosto.
Right Now, Wrong Then (Jigeumeun Matgo Geuttaeneun Teullida, Coreia
do Sul, 2015)
Dir:
Hong Sang-soo
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No enredo temos um famoso diretor de
cinema (Jeong Jae-yeong) que conhece por acaso uma garota num templo religioso.
Ela é uma artista plástica iniciante, os dois percebem que têm interesses em
comum e passam o dia conversando, entre bares e copos de bebida – e quanto mais
eles bebem, mais eles se revelam.
Mas mais uma vez, Hong Sang-soo não
esconde seu apreço pela casualidade das situações cotidianas, pela naturalidade
com que os personagens apresentam-se uns aos outros. Ainda que dono
de uma mise-en-scène mais apurada
aqui, nunca tem a pretensão de exibir virtuosismos. É realmente incrível como atores
bem dirigidos dominam um texto convincente como algo prosaico e crível e como o
diretor estende o plano sem que isso se torne mero exibicionismo, fazendo tudo fluir como um todo muito bem orquestrado, ainda que aparentemente tão simples.
A sacada da narrativa se repetir na segunda metade do filme revela
personagens em posições distintas – a grosso modo, na primeira parte é o
diretor que se propõe a seduzir a garota, já na segunda metade é a jovem quem
tenta se aproximar do homem. Com isso, Hong Sang-soo explora sem igual a complexidade
dos sentimentos humanos, sem fazer disso um tratado pretensioso, e também sem
perder a graça que tão bem marca seu cinema.
A
Bela Estação (La
Belle Saison, França, 2015)
Dir:
Catherine Corsini
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Não há de se esquecer que o filme se
passa em fins dos anos 1960 quando os relacionamentos homossexuais ainda eram
grande tabu social, ainda mais para as mulheres, apesar de ser justamente o
momento histórico das revoluções e liberações sexuais no mundo ocidental.
Mas A
Bela Estação corre o risco enorme de se tornar um filme de bandeira,
abraçando com força o discurso mais fácil da luta feminista. Chega realmente
perto do desastroso até o momento em que decide focar na relação das duas
moças, especialmente na maneira como as famílias de ambas lidam com isso. Quando
a paisagem muda da Paris libertária para a fazenda no interior do país, cheia de
gente cabreira, as coisas ganham outra dimensão.
A partir daí, o filme ganha em densidade
e as personagens crescem porque não está em jogo somente um amor novo, mas toda
uma conjuntura familiar, questões de trabalho e planos de futuro, coisas
concretas com as quais as personagens têm de lidar. Corsini não poupa ninguém
de obstáculos a enfrentar, mas não deixa de olhar com carinho para a luta íntima daquelas mulheres.
Ned Rifle (Idem, EUA,
2014)
Dir: Hal Hartley
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Hartley filma com graça e certo tom de
comédia farsesca a história um tanto nonsense
de Ned (Liam Aiken). O pai e a mãe do rapaz são os protagonistas dos filmes
anteriores, e, por ter sido abandonado pelo progenitor, Ned resolve sair em
busca do pai a fim de matá-lo, também porque ele credita ao pai o fato da mãe
estar atualmente na cadeia condenada por terrorismo.
Trata-se de um conto de personagens
excêntricos em busca de concretizar planos não muito sólidos. Quem acaba
roubando a cena é a jovem Susan (Aubrey Plaza), garota um tanto desequilibrada
que cruza o caminho do rapaz, também ela cheia de planos de vingança e mais
conectada com a história daquela família do que se imagina.
Além do humor negro
descabido que rende boas risadas, o roteiro do filme é dotado de certa
agilidade ao passear claramente por tramas cheias de pontas e dados soltos que vão
fazendo sentido no decorrer da narrativa muito fluidamente. O filme ainda consegue
misturar o road movie com o ritmo de thriller, tudo amarrado pela direção segura
de Hartley. Uma bela surpresa nesse festival.
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