quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Sentimentos reais

Ela (Her, EUA, 2013)
Dir: Spike Jonze


Pode soar surreal demais a história de um homem que se apaixona por um programa de computador, uma voz feminina dotada de inteligência artificial (e emocional) que toma as vezes de companheira afetiva. Por mais distante (ou não?) que seja essa ideia, o novo filme do excêntrico Spike Jonze está muito mais interessado nos complexos labirintos emocionais pelos quais vagam seus personagens.

Jonze vai ali num futuro aparentemente próximo pra chegar aqui bem perto de nosso tempo. Ela é uma maneira de enxergar a virtualidade das relações amorosas que parecem ser o dilema do homem pós-moderno, do homem de hoje, especialmente aquele acometido pela solidão, perdido por entre a superficialidade da convivência social nas grandes metrópoles, dependente cada vez mais dos aparatos tecnológicos.

Theodore (Joaquin Phoenix) é esse homem solitário que terminou recentemente um casamento que ainda lhe deixa cicatrizes, lembra constantemente da ex-companheira (Rooney Mara). Ele trabalha como redator de cartas para pessoas que não conseguem se expressar tão bem, um ghost writer competentíssimo da emoção alheia, a despeito da dificuldade de lidar com seus próprios sentimentos. A melancolia que ronda o protagonista torna Ela mais um conto de corações partidos, repleto de uma ternura tocante.

Scarlett Johansson, ao personificar somente com sua voz essa mulher que preenche o vazio emocional/amoroso, mas que também ajuda a organizar a existência apática de Theodore, é um dos grandes trunfos desse filme. Seu trabalho vocal é de uma sutileza extrema na forma como nos faz entender a facilidade com que ele se apaixona por ela; há uma personalidade ali. E se a voz emerge no filme como um elemento tão potente de recriação, há de se fazer justiça também a Joaquin Phoenix e seu tom de voz baixo e brando, indício de sua recatada figura.


Ela habita um estado de doçura e um tantinho de tristeza que fazem parte da vida daquelas pessoas. O texto do filme é doce como que acariciando a cabeça de seus personagens, sejam eles humanos ou softwares programados. Há uma sinceridade ali, mesmo na maneira como aos poucos vamos convencendo-nos daquela relação que brota entre homem e máquina. É aí que o longa toca profundamente no tema das carências afetivas (que existe no mundo desde há muito tempo) e nas formas que encontramos, hoje, para supri-las, via virtualidades. 

Quando Wall-e apaixona-se por Eva, aquele ser superior, sem saber o que isso significava de fato no filme da Pixar, existia algo ali que extrapolava a natureza da máquina. Já no filme de Jonze, por mais futurista que tudo soe, por mais “superficial” que aquele relacionamento possa ser encarado, Ela, no fundo, é sobre anseios reais, sobre desejos e solidões, carências e afetos perdidos num mundo em que o homem se confronta (e se conforta) com a máquina, criada por ele mesmo, mas não à sua semelhança, porque ela não sente dores de amor. Mais uma vez luta-se no terreno arenoso e complexo dos sentimentos reais.

3 comentários:

Stella disse...

O enredo desse filme me lembrou de A.L.I.C.E., o programa que simula uma conversa real entre pessoa e o robô. Fiquei curiosa.

Stella disse...

Que tal conversar com um Fake Captain Kirk?

http://sheepridge.pandorabots.com/pandora/talk?botid=fef38cb4de345ab1&skin=iframe-voice

Rafael Carvalho disse...

Que barato isso, Stella. Acho que cada vez mais teremos experiências como essas de interação entre homem e máquina. Isso dá um certo medo, mas não devemos temer o futuro...